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A iniciação na adolescência: entre mito e estrutura

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Geoff Mc fetridge • Us as a logo 2, 2011
Domenico Cosenza

Em nossos dias, a ideia da adolescência como momento de crise estruturante na experiência do sujeito foi colocada em questão. O debate coloca em dúvida o tamanho do corte, da discontinuidade no tempo da experiência infantil, como o alcance liberador e a separação para o jovem em relação ao modo de vínculo com seus pais. De acordo com alguns autores do campo sociológico e psicológico é, em particular, a adolescência de nossa época a que torna problemática a noção de crise da adolescência. O modo de vida dos adolescentes colocaria em evidência um “analfabetismo introspectivo”[1] “un hedonismo moderado”, um conformismo e um pacifismo que chocam com a imagem codificada do jovem rebelde, contestador da tradição. Nessa perspectiva, a leitura psicanalítica da passagem pela adolescência tende a ser reconduzida numa variante contemporânea da representação romântica do processo de formação do jovem, reduzido a um mito: o adolescente como Sturm un Drang,[2]tempestade e pressão[3] em que a leitura freudiana em termos de remodelação da economia pulsional não seria nada mais que uma sutil reformulação no campo da clínica.

Mais além da apreciação que possamos fazer desta leitura, o que importa é a questao que pode resultar para os psicanalistas, relativa ao estatuto de adolescência e os efeitos da transformação que as mutações histórico-sociais podem produzir nela.

Que é, de fato, a adolescência na época em que o Outro não existe? Como os adolescentes de hoje governam o encontro com o real do sexo e da morte? É quando a operação de proibição e de vigilância sustentada pela função paterna mostra, neste momento de nossa civilização, os signos de um declínio progressivo. Como os adolescentes tramitam este encontro com o real sem poder contar, em alguns casos, com o papel estruturante do Nome do Pai sobre a função de orientação do Ideal do eu e sobre sua ação de regulação humanizante do gozo? Como podem colocar em marcha um movimento de separação, quando é o Outro social que lhes ordena gozar sem limite, quer dizer, não se separar? Essa é verdadeiramente a questão, relevante no registro ético e clínico, que o nó da adolescência contemporânea comporta para nós, hoje em dia.

Mernet Larsen • Gunfighters, 2001
A sexualidade na adolescência: a passagem da puberdade à iniciação sexual

O problema se situa com o papel do adolescente contemporâneo com a sexualidade como pedra angular de seu desenvolvimento. Com o real do sexo, na brilhante passagem da puberdade. Freud, de fato, coloca a questão essencial acerca da qual o sujeito adolescente busca sua resposta. Nesse sentido, o adolescente apresenta-se para a psicanálise, segundo a eficaz fórmula de Alexandre Stevens, como “sintoma de puberdade”[4]. Trata-se para o sujeito adolescente de se situar em uma posição desejante que lhe seja própria, sob o relógio pulsional que atravessa seu corpo durante a puberdade. A essa exigência responde ativamente, depois da passagem da puberdade – o ciclo menstrual para a menina e a ejaculação para o menino – o tempo lógico da iniciação sexual para o adolescente. Ele é, portanto, introduzido na união com o gozo com o outro sexo, o que lhe abre à experiência e à questão do papel sexual.

Em seu “Prefácio a O despertar da Primavera“, de Wedekind, Lacan formula dois tempos essenciais neste processo, que subtraem a experiência do adolescente de uma linearidade psicológica gradual, que fará da iniciação sexual o tempo de realização necessário na passagem da puberdade à adolescência. Antes de tudo, introduz a eminência do inconsciente do sujeito como dimensão que, através do sonho, põe em cena o papel sexual do adolescente com seu “parceiro”: “sem o despertar de seus sonhos”[5] os jovens não precisariam mais do que isso para fazer amor com as garotas, escreve Lacan. O enigma que constitui o inconsciente do sujeito entra assim em jogo, no coração do processo de iniciação sexual do adolescente. No fundo, é um primeiro tempo lógico desse processo: a elevação do papel sexual ao nível do inconsciente, que o faz existir para o sujeito numa representação singular, imaginária, como um enigma, num quadro fantasmático onde se presta ao fantasma. Por conseguinte, o primeiro tempo é para o adolescente onde existe relação sexual, que é representável em uma cena que o inclui. Em segundo lugar,Lacan ilustra em que consiste o nó real que tal experiência iniciante revela ao adolescente, definindo-o como verdadeiro princípio de iniciação: “que o véu levantado ( sobre o mistério da sexualidade) não mostra nada”[6]. Outro modo de dizer que a “sexualidade faz furo no real”[7]. Podemos situar aqui o segundo tempo lógico do processo de iniciação sexual na adolescência: aquele no qual o adolescente encontra, nas primeiras vicissitudes da vida sexual com seus parceiros, como experiência que faz trauma para ele, a inexistência estrutural do papel sexual.

É no curso desse segundo tempo que o adolescente experimenta que na relação sexual o gozo é irredutível e não faz relação. Esse tempo em que “não há relação sexual” está em relação estrutural com o primeiro tempo, no curso do qual, ao contrário, a relação sexual existe, é representável para o sujeito e funciona como um véu inconsciente do furo da não-relação sexual. É exatamente nesta tensão dialética entre o que pode fazer existir a relação sexual (T1) e o encontro traumático com sua inexistência (T2), entre o tempo do véu e o tempo do trauma, que se estrutura a iniciação sexual do adolescente.

Ricardo Villa, Dividir para governar, 2014
Existe iniciação sexual do adolescente contemporâneo?

A perda do véu ao redor do enigma da sexualidade só pode se ressentir sobre a relação do adolescente contemporâneo com o sexo. Lacan destaca isso, remarcando a dimensão pública do alçamento do véu no mundo atual ao redor da questão da puberdade.[8] O efeito de tal operação, que é solidária à decadência da função paterna, pode se representar, tal como o sublinha o sociológo Gilles Lipovetsky[9] __citado num artigo de Serge Cottet__[10] no “desencantamento do sexo”, pela “banalização da liberdade sexual”[11], na “indiferença[12] e na apatia[13] amorosa da maior parte dos adolescentes contemporâneos. Essa dificuldade, segundo a qual o sexo faça enigma para o adolescente contemporâneo, dá prova de um beco sem saída no processo de sintomatização da puberdade mesma, colocada em jogo fundamental para a psicanálise na experiência do adolescente.

Podemos situar, principalmente, uma dificuldade do adolescente contemporâneo em se situar no T1 da iniciação sexual, isto é, no encontro do sujeito com o sexo como enigma inconsciente representável na “Outra cena”. O primeiro nível de dificuldade para o adolescente de hoje consiste em fazer existir a relação sexual. Fazer existir um Outro do Outro, num mundo que se caracteriza por um fechamento _ para não dizer de uma recusa_ do inconsciente; condição que não permite ao sexo obter para o sujeito um valor enigmático. Em segundo lugar, essa ausência de estruturação do sexo como representação inconsciente traz prejuízo ao modo de encontro, para o adolescente, do tempo T2, esse da iniciação como trauma da inexistência do Outro do Outro. De fato, como sublinha Jacques-Alain Miller,[14] sem véu, sem ideal, não há trauma subjetivável.

Como pode o adolescente levar a cabo sua vida com sua própria iniciação subjetiva, nas condições atuais em que a inexistência da relação sexual, a ausência de um Outro que funcione como garantia, apresentam-se como um dado que se difunde socialmente como uma verdade intríseca ao niilismo de hoje?

Os chamados transtornos de conduta na adolescência, as práticas compulsivas caracterizadas por suas frequentes passagens ao ato, típicas da adolescência e mais ainda na adolescência contemporânea, apresentam-se, como sugere Philippe Lacadée, como fracassos e alternativas ao processo de estruturação de um sintoma no sentido freudiano do termo, impasse no trabalho de nomeação do real que não se nomeia.

Paul Kaptein, Two forms of stillness, 2014

Para o adolescente, contudo, os sintomas podem, em muitos casos, assumir um valor paradoxal, uma tentativa desesperada para fazer existir a relação sexual, para construir o Outro do Outro e encontrar uma via de acesso à sexualidade. Resta ao analista lhes permitir posicionarem com palavras esta função incluída no coracão de seus atos desordenados, condição preliminar de uma subjetivação. E levá-los a transformar seu sintoma em elemento não generalizável, mas, ao contrário, em algo que se possa fantasiar.

O problema dos adolescentes de hoje em dia a respeito do sexo se apresenta, portanto, inverso ao olhar das épocas precedentes. De fato, não se trata para eles de conseguir em primeiro lugar levantar o véu que reveste o mistério do sexo depois de havê-lo construído inconscientemente. Porém, do que se trata, principalmente, é de introduzir um véu, permitir o surgimento da fantasia que limita e faz sustentável o desvio do jovem adolescente exposto sem mediação alguma ao objeto que não se nomeia, em jogo na relação entre os sexos.

É unicamente assim que se tornará possível, por meio do trabalho de nomeação, confinar a inexistência da relação sexual como trauma subjetivável, preservando-se assim, de recair sobre as derivas do sem limite próprio da adolescência contemporânea.

Tradução: Maria Rita Guimarães

Notas:

1 Francesconi, M., ”No più non ancora. Una riflessione psicoanalitica sul perturbante del crescere in adolescenza”, en Barone, L. ( comp.), Emozioni e disagio in adolescenza, Unicopli, Milán, 2004, p.168.

2 Offer, D., Shoner-Reichl, K.A. (1992) “Debunking the Myths of Adolescence: Findings from Recent Research”, Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 31, p.1.003-1.013.

3 NT: o termo Drang geralmente foi traduzido para o português por “pressão”; entretanto, em alemão, o termo também tem a acepção de “ânsia”, “afã”, “urgência”, “anseio”, “ímpeto” e “desejo intenso”, e evoca sentidos que vão além de “pressão”. Ao se perderem esses nexos geralmente agregados ao termo Drang, que tal como “ânsia” em português unifica em uma mesma palavra a polaridade entre a “necessidade” e a “pressão” de um lado e a “vontade” e o “anseio” de outro — portanto, que interligam a conotação de “urgência” e “desconforto” com as conotações de “busca de alívio” e “desaguadouro” —, perdem-se aspectos teóricos fundamentais deste termo enquanto conceito teórico. Freud afirma ser Drang a essência da pulsão, e de fato é o Drang que promove a ligação entre o somático e o psíquico no percurso da pulsão. Acessível em http://www.imagoeditora.com.br/hotsite_freud/imagens/criterios.pdf

4 Stevens, A., “Adolescência, sintoma da puberdade. Curinga, Belo Horizonte, EBP-MG, 2004, n. 20, p.27-39.

5 LACAN, J., Prefácio a O despertar da Primavera, Outros Escritos,J. Zahar Editor, R.J., 2003, p.557.

6 Ibdem, p.558.

7 Idem

8 Idem

9 LIPOVETSKY, G., Le Bonheur paradoxal. Essai sur la societé d’hyperconsommation, Gallimard/Folio, Paris, 2006.

10 COTTET, S., “Le sexe faible des ados: sexe-machine et mythologie du coeur”. La Cause freudienne, n.64, Navarin/Seuil, Paris, octubre de 2006, p. 67-75.

11 Ibdem, p.71.

12 LIPOVETSKY, G., L’ère du vide. Essais sur l’individualisme contemporain, Gallimard/Folio, Paris, 1989, p.52.

13 Idem

14 Effets thérapeutiques rapides en psychanalyse. La conversation de Barcelone. sob a direção de J.-A. Miller, Navarin, Paris, 2005, p.40.
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