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Algumas palavras sobre o trabalho do laboratório “O Saber da Criança”. Campinas, SP [1]

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Sandra Cinto
Cláudia Regina Santa Silva
Emelice Prado Bagnola

Participantes do laboratório “O saber da criança” apresentaram, em 2015, ao coordenador de um abrigo municipal, a proposta de uma conversação com as crianças e os adolescentes institucionalizados.

Questões relevantes à instituição foram levantadas, por ele, naquele momento: o abrigamento, a separação de irmãos, o abandono, a tensa relação entre os cuidadores diretos e a equipe técnica, os impasses nos temas da alfabetização, sexualidade e saúde mental.

A proposta não foi acolhida, não era o momento de uma conversação com os meninos. Do encontro do laboratório com o coordenador, surge um impasse: Qual é o efeito de oferecer a palavra à criança? Esta questão orientou todo o trabalho seguinte.

As reuniões passaram a acontecer com maior participação de profissionais da rede infanto-juvenil de Campinas: um abrigo municipal e um CAPSinfantil.

Na conversação, surgem perguntas:
Por que ofertar uma escuta para a criança pode ser tão delicado?
Como a palavra das crianças afeta as disciplinas?
E mais, as disciplinas[2] permitem ser afetadas pela palavra da criança?

A diferença de escutar uma mesma criança ou adolescente no abrigo e na instituição de saúde mental tornou-se, por um determinado tempo, questão central. Pôde-se localizar que a diferença reside na distinção de equipes e propósitos entre ambas as instituições. O que move a escuta no abrigo? E no tratamento?

Algum tempo depois, os profissionais começaram a trazer, para as conversações, a experiência de assembleia implementada com as crianças. Dali, pode-se extrair os impasses vividos acerca daquilo que poderia ser falado no abrigo. Percebemos nas conversações que as falas das crianças muitas vezes angustiavam os adultos e esses tentavam achar respostas, dar soluções, pois difícil era sustentar um não saber.

O saber do adulto sobre a criança, o saber do médico, o saber do coordenador obstruíam a experiência em jogo de se interessar, todos ali, pelo que sabe a criança.

O “saber não saber” introduz um intervalo nas ações e rotinas das crianças. Operar a partir desse lugar vazio permitiu a abertura de perguntas entre elas, dando a possibilidade de construções de respostas autênticas e singulares.

Foi possível verificar que não obstruir o Real em jogo, trazido por cada criança ou jovem, também pode afetar diretamente os adultos. Deslocamento de impotência para interesse.

Ao invés de resolver, acompanhar o desdobramento de uma pergunta como esta: “o juiz vai deixar eu voltar pra minha mãe?”, tem diferença.

Quando nos colocamos neste lugar de escutar a criança, entra em jogo o adulto, o que foi traduzido por – escutar a criança pode significar para o adulto ter que sair de sua “zona de conforto”.

Neste caso, um pequeno deslizamento que pode resultar num interesse também inédito do profissional, querer saber sobre sua questão particular. Algo do diploma e do discurso das disciplinas instituído tanto no abrigo como no Capsi vacilou.

A escuta também requer uma disponibilidade de estar ao lado. Estar ao lado, em alguma medida, pode contribuir com a passagem de olhar para a criança como um objeto à possibilidade dela advir como sujeito com necessidades e também desejos.

Iuri Sarmento

A pergunta sobre quem tem a atribuição de escutar gera tensões. Seria a psicóloga do abrigo ou do Capsi a mais indicada para tal? Na conversação, relembrar o nome do laboratório permitiu localizar em tal questão o apagamento do saber da criança, do sujeito criança, quando não se percebe com quem ela quer falar ou para quem ela dirige suas palavras.

A aposta consiste em deixar, para a criança, inventar um saber sobre si. Abrir espaço com a criança para a pergunta: “com quem você quer falar sobre isso?” Mesmo que a criança não consiga responder… ela pode colocar perguntas, implicar-se com sua história e, porque não, também com o seu sintoma.

Essas foram as construções possíveis a partir do impasse levantado de entrada: “Qual é o efeito de oferecer a palavra à criança?”.

Percebemos também que se colocar disponível à escuta das crianças angustia. As respostas a essa angústia apareceram de maneira singular, desde buscar uma análise, mudar de área ou de posição, de cargo no trabalho da instituição, bem como recuar do laboratório, responder com um saber enrijecido e moral.

Mas, também há quem retorna e sustenta o trabalho a cada reunião do CIEN marcada, reiterando nossa aposta nesse dispositivo recém aberto.

Ao notar esse ponto – a angústia de escutar alguns temas trazidos pela criança ou adolescente – nasceu a ideia de utilizarmos o documentário de Mariana Otero “A Céu Aberto” como tela de fundo, que poderia abrir questões sobre o que é singular da criança em um trabalho orientado pela palavra.

O trabalho na cidade destacou a palavra como um giro possível ao que pode ser uma etiquetagem, deste trabalho novos integrantes se apresentaram para o laboratório, vivificando a aposta.

 


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