Editorial – Abril de 2013

Sopheap Pich

Maria Rita Guimarães

Caro leitor,

No número inaugural do CIEN Digital dissemos, parafraseando Jacques Alain-Miller1, que sua ambição é “bem aquela de ser o Boletim eletrônico do real”. Desde então nos esforçamos por manter esse objetivo e esse número o comprova, de modo inequívoco. Não menos importante será constatar de que se trata de um objetivo compartilhado por muitos e de muitos lugares. Percorra os textos e veja a extensão geográfica aqui inserida, mapeada pelo fio orientador advindo das questões sobre o real, real das “crianças do real”, real de uma época em que seu ideal prescreve que se encaixe todo o excesso de cada sujeito numa classificação.

Vamos percorrê-lo! Que acha de partirmos de Buenos Aires? Partimos de lá ou vamos para lá? Claro, vamos todos à vizinha Buenos Aires, em 20 de novembro de 2013, por ocasião da Jornada Internacional do CIEN, que acontecerá junto ao VI Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (Enapol), mas, primeiramente, partiremos da leitura de sua Apresentação, feita por Fernanda Otoni de Barros Brisset, coordenadora do CIEN no Brasil, com o texto: Prega leve no mundo do furor dominandis. Leia-o atentamente e detenha-se no convite:

As ressonâncias da Conversação de Salvador se farão ouvir no argumento que preparamos para animar a cada um de vocês, em especial, a enviar sua vinheta para esse encontro, cujo tema “Me inclui fora dessa – bússola que cada um inventa”, diz de nossa aposta nas invenções das nossas crianças e adolescentes, no seu saber fazer, em sua decisão apaixonada pelo futuro, se servindo do mestre (me inclui) ao prescindir dele (fora dessa) – traço fundante da juventude de cada época.

Argumento. Vamos nos deixar levar pela chamada ao trabalho produzida pela enigmática frase de um jovem: “me inclui fora dessa”, à qual Celio Garcia concedeu grande valor e para qual nos voltamos para “ler” o que há de saber aí inscrito. No argumento está escrito:

Esta Jornada do CIEN propõe-se ao exercício de nos esburacar, nossas vendas, nossos protetores de ouvidos, para dar lugar às formas variadas, à “varidade” (do sintoma), com as quais nos esbarramos cada vez mais.

Jornada Internacional do CIEN • Buenos Aires • 20 de novembro de 2013

Os indicativos de que a frase “me inclui fora dessa” nos provoca, já se mostram: você encontrará três elaborações da mesma, ressoando a natureza interdisciplinar do trabalho do CIEN. Cristiana Pittella, apoiando-se em Miller, reporta-se à ideia de exclusão interna, referindo-se ao paradoxo de Russel, aquele do barbeiro que “se barbeia a si mesmo, ele não é o barbeiro que barbeia todos aqueles que não se barbeiam: se ele é, não é.” Após evocar Groucho Marx, deixa-nos a pergunta se a frase estudada não indica alguma possibilidade de socialização do gozo e abertura ao laço social.

Como é a abordagem do oximoro “me inclui fora dessa” pela matemática? Fernando Prado introduz-nos no mundo das probabilidades, utilizando-se do evento do lançamento de duas moedas, para nos propor uma interessante leitura dos conceitos de independência, disjunção, intercessão, exclusão.

No trabalho de Hernán Villar encontramos o mito da Hidra de Lerna, que, com três cabeças, Mercado, Ciência e Técnica, obriganos a pensar no empuxo à hiperdisciplina. Através de cuidadoso desenvolvimento de suas formulações, o autor analisa suas consequências em nossas vidas, submetidos como estamos ao comando das figuras acima destacadas. Incluir-se fora das etiquetas apresenta-se como uma bufada de ar fresco para cada um.

Sim, a psicanálise oferece a oportunidade de bons ares ao sujeito, ao mantê-lo ao abrigo da pulsão de morte e lhe conceder a possibilidade de buscar um modo de viver melhor com seu real. Quem nos fala disso é Eric Laurent, na rubrica ENTREvista.

Nela, você encontrará as ideias que o autor apresenta em seu livro A batalha do autismo.

E os LABOR(a)tórios do CIEN? Frutificam seus efeitos e, sobre-tudo, frutificam os esforços do participante/analisante em extrair e formular as respostas que, de sua relação à psicanálise, pôde o-ferecer ao impasse que lhe foi apresentado. Margarete Miranda e Mônica Campos, através de duas preciosas vinhetas práticas, nos demonstram “como a experiência analítica de cada uma lhes serviu de apoio para sua ação levando em conta o real em jogo”2, nas instituições em que trabalham.

E os Laboratórios do CIEN também se frutificam, pois aqui vemos os registros de dois novos Laboratórios em formação, conforme nos relatam Claudia Reis, de Ribeirão Preto (SP) e Mônica Hage, de Salvador (BA). No texto A inimputabilidade e a bússola de cada um, Miguel Antunes nos conta como Ana Beatriz, a jovem etiquetada de “bandida” e destinada a “não ser nada na vida”, encontra seu lugar, um lugar na vida, auxiliada pela prática da Conversação interdisciplinar.

Em Órbita chegamos à Bolívia pela mão de Alexandre Stevens. Com ele podemos conhecer e aprender muito sobre o trabalho ali desenvolvido com meninos de rua. Situação extremamente semelhante ao que acontece no Brasil, encontramos em suas palavras uma generosa transmissão ,à qual nos resta agradecer.

A rubrica CineCIEN oferece-nos a oportunidade de focalizar o filme grego Canino (Kynodontas) à luz do que chamamos a política da psicanálise. Esse estranho filme é uma alegoria que nos conduz, pelo absurdo, ao encontro de uma família que vive num mundo intramuros, descontaminada do laço social, consequentemente, dos efeitos de subjetivação.

E, se chegamos até a Grécia, é hora de pensar em todas, algu-mas, umas, enfim, numa palavra que lhe ficou dessa trajetória. Queremos que nos conte, depois!

Boa leitura!