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O texto POR QUE UM BOLETIM ELETRÔNICO DO CIEN NO BRASIL?, é considerado por nós como passagem obrigatória para pisarmos no terreno do Cien no Brasil.

Escrito por Judith Miller, Coordenadora do CIEN desde a sua fundação em 1996, é um texto de orientação fundamental para nosso caminhar no Brasil. Trata-se, igualmente, de um texto inaugural, fato que vai de mãos dadas com a segurança com a qual demos nossos primeiros passos. A data de 04 de agosto de 2007 é o marco zero para o CIEN Digital. Nossa história começa aqui:

Judith Miller

Simplesmente porque a experiência demonstra que um boletim como este faz parte dos instrumentos que o CIEN é levado a forjar para responder às suas finalidades.

Este boletim pressupõe então que laboratórios do CIEN funcionem hoje no Brasil, que a continuação das iniciativas concretas que eles constituem em algumas cidades de diferentes estados é desejada, e que é possível ter notícias dele aqui e alhures. Estes três pontos foram destacados na reunião geral dos laboratórios brasileiros em 04 de agosto de 2007, onde a criação deste boletim foi decidida.

Esta decisão tem importância em vários registros: aqui assinalo dois.

Neste, tanto em cada laboratório quanto em suas trocas com outros, ela corrobora o bem fundado da cultura do escrito, que é a do CIEN, onde ele exista.

Todo laboratório declarado do CIEN presta contas periodicamente – preto no branco – de seu percurso, de seus avanços, de seus acidentes e de suas conseqüências, em um relatório anual endereçado ao anuário nacional do CIEN.

Aperiodicamente, declarado ou não, ele pode querer testemunhar uma experiência redigida por um ou por vários de seus participantes.

Esses testemunhos são a ocasião de se descobrir como pode ser formulada adequadamente a importância de um momento, que se revela mais freqüentemente, num a posteriori. Eles encontram uma segunda ocasião, no efeito de transmissão que eles comportam. Eles contribuem assim com a orientação do CIEN ao apreender as condições às quais a tradução em palavras dos impasses que se colocam, um laboratório opera uma modificação, uma mutação, uma perspectiva de subjetivação, bem diferente da passagem ao ato cega ou o caminho da repetição sintomática. Eles afiam a vigilância requerida pelo fio vermelho que encarna o traço de união, em que Philippe Lacadée propõe encarnar a especificidade da interdisciplinaridade que o CIEN inventa, pelo fato de que ele se guia pelas lições de Freud e de Lacan. A primeira lição consiste precisamente em “saber não saber”, segundo a bela expressão de Virgínio Baïo – e não de uma visão de mundo Weltanshaung, seja ela progressista ou humanista, baseada na ilusão de deter um saber que dá as soluções dos problemas.

Situarei o segundo registro no que Jacques-Alain Miller nomeia “educação freudiana”  propondo com isto alargar o círculo da opinião esclarecida às dimensões da opinião pública. Esta concerne, mais ou menos, à abordagem feita pelo CIEN dos pontos dolorosos da vida cotidiana que o discurso corrente agrava, por suas queixas e pelos próprios protestos, pelo fato de que ele perturba e difunde o canto universalista com um cientificismo surdo à particularidade do ser falante e alimenta infalivelmente as políticas segregativas, ou mesmo secundárias, que reduzem o cidadão em consumidor- produtor, o corpo ao organismo e o sintoma ao déficit. Se a psicanálise restitui a particularidade de cada um, é precisamente por não verter em um determinismo utilitarista ou consolador e de contar com as fontes inventivas e poéticas da contingência, do equívoco, do encontro. Longe de manter as impotências forçadas pela modernidade, a psicanálise oferece a chance de cernir o impossível da não relação sexual.

Esclarecido por ela, o CIEN trata os pontos de apoio dos quais se lamenta o mundo contemporâneo: ele opera por um deslocamento que resulta de se tomar em consideração a pulsão e  seus destinos, sem pretender com isto assegurar uma clínica da qual ao menos um dos participantes dos laboratórios tenha, de um outro ponto de vista, experiência.

A publicação escrita das transformações produzidas pela prática da conversação, própria ao CIEN, garante um meio de proteção do dizer em relação ao Charybde em Scylla contemporâneo que leva do amordaçamento à passagem ao ato. Toda a diferença da cura analítica, responde à mesma lógica, que desfaz as identificações e permite um jogo de vida advindo de uma nova relação com o Outro. O CIEN deve fazer conhecer esta lógica e aí associar os profissionais que se ocupam das crianças e dos jovens, principalmente pelos relatórios das atividades diversas de seus laboratórios publicados no boletim eletrônico. Tomo três exemplos:

  1. Uma carta de Valérie Laurent, responsável pelo Grupo de Reflexão sobre as Prisões na França, relata que uma senhora que trabalha no meio  carcerário declara: “Tenho a impressão de estar em um mundo em que me obrigam a ver as pessoas como objetos”. Na leitura de sua carta, ela decide participar do GRP: “não estou completamente doida e sobretudo, não estou completamente só… não pensava que uma coisa parecida poderia ainda existir, é magnífico, obrigada”.
  2. Sob a pena de Daniel Roy, os princípios do trabalho de um laboratório búlgaro sobre “uma segregação moderna”, traçada pela proliferação dos objetos, roubos, prostituição, droga, gravidez na adolescência.
    Resultado: as crianças e adolescentes entregues ao mercado, barganhando suas vidas pelo preço de meio quilo de carne ou do “produto”.
    Uma nova aproximação: responder em conjunto à questão “Que dizer ao adolescente  delinqüente?”; partir pois da constatação que,nestas situações, o dizer já está excluído e que é preciso então reinventá-lo com todas as peças…; em que a inutilidade dos pactos, contratos e outros “quadros”, e a necessidade de partir da língua do sujeito para (fazê-lo) encontrar e dar-lhe um lugar no discurso comum.
  3. Este, bastante recente, que muito me esclareceu sobre o alcance do trabalho do CIEN: a descrição da sua situação por um jovem de uma favela em Belo Horizonte encontrado no Fica Vivo, “…não podemos sair. A gente aprende a viver só aqui nesta área. Nossa vida se resume a esse lugar da boca. Corremos o risco de sermos mortos… Nossa vida é correr para fugir polícia e viver como ratos escondidos nos becos” (citado por Elaine Rocha Maciel Carneiro – laboratório Língua Viva).

A mesma reunião geral dos laboratórios brasileiros que decidiu a criação deste boletim reconheceu a necessidade de designar uma equipe de quatro que têm a responsabilidade do CIEN no Brasil e de um moderador do Espaço Cien-Brasil que também zelará pela pertinência do conteúdo de diversas rubricas do Boletim Eletrônico. Espero ter com isso explicitado

o que está em jogo. Serei uma leitora assídua e agradeço a todos aqueles que aprimorarão, por uma ou outra razão, esse novo instrumento de trabalho, modesto e precioso.

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