Desejo e Laço no campo da educação
Virgínia Carvalho[1]
A experiência inter-disciplinar e de conversação no campo da educação nos permitiu a criação do Laboratório “Docentes Doentes: deixe-os falar!”. O nome foi destacado da fala de um educador que sintetizou, nos dois termos, o significante de seu mal-estar. Diferente de uma vitimização dos docentes, doentes, a conversação era uma aposta de que, através da circulação da palavra, algo do desejo pudesse ser tocado.
Laurent é esclarecedor ao demarcar a diferença de uma roda livre para uma conversação já que, nesta última, “a primeira aposta é saber que quando falamos deixaremos de ficar aliviados” (LAURENT, 2017, p.42). “É uma aposta sobre o corte” e “o gozo do blá-blá-blá ficará suspenso” (Idem, p.43).
No Laboratório, pudemos testemunhar o surgimento de novas perspectivas e pequenos deslocamentos. Para além desse trabalho, e, a partir dele, houve um momento de conversação o qual gostaríamos de compartilhar. Ocorreu em uma sala de aula com professores de diversas escolas e disciplinas, numa turma de pós graduação. A proposta feita para o grupo, como ponto de partida, foi a de que apresentassem um impasse vivido no campo da educação. Extraíram como tema “gravidez na adolescência”, já que na instituição em questão foram três casos em um ano. No entanto, para realizar o trabalho, tiveram a ideia de entrevistar uma garota que não tinha engravidado: “Escolhemos Jéssica porque sabe tudo sobre sexo”.
Trata-se de uma jovem cujo namorado oferece o anticoncepcional e a lembra de tomá-lo. A professora fica muito impressionada, pois pensa que esse namorado é traficante e, em sua visão, “eles costumam não estar nem aí”. Enquanto a animadora da conversação tentava localizar melhor qual seria o impasse com que iriam trabalhar naquele encontro, a professora relatou ter feito para a jovem a seguinte questão: “que sonhos você tem?”. “Sonho em ser médica”, diz. Como Jéssica era uma “péssima aluna”, que não tinha o menor interesse pela escola, a professora não deu muita relevância. Pediu que ela falasse outros. E a professora segue no seu relato.
“Mas, por que não médica?” – interrompe a animadora, apostando numa conversação. “O que é isso? Como uma menina que é péssima aluna, vive numa favela e não tem nenhuma condição financeira pode se tornar uma médica? Não tem a menor chance!!!” – intervém acaloradamente outro professor. “Mas, espera aí, vocês são educadores! Como podem pensar assim? Então vocês não acreditam na educação!!!” – diz outro. Vários professores tomaram a palavra; outros se remexiam na carteira, incomodados, ou expressavam-se dizendo “é… não sei…”.
A questão sobre a função da educação foi destacada e um participante lembrou o caso de um sujeito que, ao dizer a seu professor que queria ser engenheiro, recebeu um “isso não é pra você” e a frase, nunca esquecida, serviu de impulso para esse engenheiro, hoje muito bem sucedido.
Quando utilizamos o significante “aposta” para dizer da conversação, é porque ela não pode ser definida a priori. Mesmo que se proponha um encontro com essa finalidade, pode ocorrer dela não se efetivar. Parece-nos que, naquele momento, algo de surpreendente aconteceu e tocou esses docentes, no sentido de desajustar as identificações que se apresentavam ali tão enrijecidas. Saíram questionando-se sobre o que poderiam fazer como educadores. E houve quem dissesse que o fato de Jéssica querer ser médica, mesmo que não venha a se tornar uma, poderia ser um jeito de reenlaçá-la à escola.
Mais do que uma desorientação quanto à função do educador na contemporaneidade, o grande impasse que esses docentes nos trazem é sobre como trazer os alunos para o laço com a escola. Ensinam-nos que não há como fazer laço sem desejo!
Para Laurent , o grande projeto do CIEN é o de “reintroduzir a causalidade psíquica em todos os lugares onde é eliminada” (op.cit, p.47). Essa é também nossa aposta nesse trabalho de inter-disciplinariedade com a educação.