Mães em Crise[1]
Juliana Motta, Cristina Marcos. Participantes: Clara Ratton, Beatriz Bissoli, Lucas Anselmo Lopes, Laila Sampaio, Marconi Martins da Costa Guedes, Renata Mendonça, Rhayane Medeiros.
O Laboratório “Mães em Crise” acontece no Instituto Raul Soares – FHEMIG, um hospital manicomial público. A equipe do IRS, ao longo destes anos, sustenta um trabalho a partir do caso a caso, a favor da luta antimanicomial, reescrevendo sua história a cada vez, de acordo com os impasses que vão surgindo. Colocando no centro do trabalho institucional o ato da palavra, mais precisamente, o ato que cria a palavra. Segundo Viganó (1999), a proposta é repensar o lugar da palavra a partir de um diagnóstico de um discurso trans-clínico que diz respeito à posição subjetiva diante da castração e centrada sobre a letra do gozo.
Essa é a posição adotada pelo IRS, que através dos vários espaços de linguagem como sessões clínicas, assembleias de pacientes e técnicos, apresentação de pacientes e outros, disparam modificações nas condições da massa institucional, operando mudanças dos discursos, operando a passagem da lógica da segregação à saída do um a um, restaurando o Outro da palavra e mudando o instituído.
Citando Zenoni (2000):
… é a psicose que nos ensina sobre a estrutura e que nos ensina sobre as soluções que ela mesma encontra para fazer face a uma falta central do próprio simbólico. É na escola da psicose que nos colocamos para aprender como praticar (ZENONI, 2000, p, 19).
Os Laboratórios do CIEN[2] nascem, como sabemos, de um impasse, de uma questão que possa ligar seus participantes pela falta, criando um desejo de trabalho. Tem como orientação a “oferta da palavra” um lugar em que a palavra possa circular e, que cada um com sua experiência possa trazer para o trabalho uma miudeza, uma preciosidade que possa orientar seus participantes a cada vez, criando soluções ou saídas para as questões e impasses que surgem no trabalho com crianças, adolescentes ou aqueles que estão ao seu redor.
“Mães em crise” nasce com a pergunta: “De onde operar o encontro das mães com seus filhos, crianças e adolescentes, durante a visita hospitalar?” Essa pergunta se constitui a partir dos casos clínicos, de uma instituição que possui 29 leitos femininos.
Decidimos, então, que as conversações seriam entre os técnicos, pois verificamos, nos fragmentos relatados abaixo, que havia um mal estar nas equipes diante dos encontros das mães com seus filhos e com as gestantes em crise.
Inauguramos esse Laboratório com uma conversação aberta, a palavra foi ofertada para vários profissionais da rede pública de Belo Horizonte, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e outros, que se interessavam pelo tema, inaugurando, também, o CIEN-Minas In loco[3].
A conversação[4]
Um ponto que surgiu neste encontro pôde orientar os profissionais, possibilitando a estes lidarem com as mães e gestantes de um novo modo, é o esvaziamento do ideal da maternidade para escutar o caso a caso e, assim, encontrar uma medida possível. Uma das participantes relata que a família exige de uma das pacientes que ela cuide de seu bebê, mas verificamos que ela foge e busca a ajuda da equipe por ouvir que precisa matar seu bebê. É somente fora do ideal materno que essa mãe pôde proteger seu filho, é deixando de cuidar dele que ela pode mantê-lo vivo.
Outro ponto: é necessária uma relação mais próxima com a rede pública, uma conversa entre os vários, pois, sabemos o quanto uma gravidez pode agravar a crise de uma mulher. Essa conclusão se fez a partir do caso Hera. Ela é recebida no Instituto Raul Soares em sua segunda gestação. O seu horror aos movimentos do bebê em sua barriga leva essa moça de 21 anos a passagens ao ato graves para ela e para o bebê, atos que são insuportáveis para a equipe e que só foram apaziguados quando uma maternidade concordou em fazer o parto antes do tempo previsto para o nascimento da criança. Assim, concluímos que um trabalho se faz presente, pois é preciso esvaziar o ideal da maternidade em todo o âmbito da rede pública.
“De onde operar o encontro das mães com seus filhos, crianças e adolescentes, durante a visita hospitalar?”
Essa questão surge quando uma criança de 3 anos vai visitar sua mãe, na visita ela reconhece a mãe, mas a mesma fica transtornada, em um choro compulsivo. A criança deixa de reconhecê-la e corre para o pai novamente e fica perplexa, em “pânico”, como relatou a psicóloga que acompanhava o caso e a visita. Uma das responsáveis intervém na cena, pega o rosto da interna e diz: “você é mãe, não deixe seu filho te ver assim” e ela se acalma imediatamente. Tanto a frase, quanto pegar no rosto da interna, uma contenção no corpo, como nos diz outro participante da conversação, fazem uma borda naquilo que transbordou no encontro desta mãe com seu filho, assim, a visita pode transcorrer após essa crise da mãe. E, esse fato, propicia a pergunta do Laboratório, pois causa angústia na equipe do IRS e o impasse se instaura.
Na conversação nos perguntamos: As crianças podem visitar suas mães na instituição? Qual idade, momento que isso é possível? A criança deve ser consultada?
Podemos dizer que as perguntas podem nortear uma resposta e que essa resposta só pode existir no um a um dos casos, mas como vimos na conversação, alguns pontos podem ser orientadores. Como: escutar qual a função da criança para a mãe. Pois, um segundo fragmento surge neste encontro e nos mostra uma mãe que é orientada pela maternidade, ela cuida de sua criança de sete anos, mostrando-nos que ela tem uma função para essa mãe, assim, a mãe pôde recebê-la sem maiores transtornos para a equipe.
Quando separar a criança da mãe?
Uma das participantes da conversação traz um caso do IRS em que, após o nascimento do bebê, já em casa, essa mãe entra em crise, não por causa do filho, mas por medo do irmão que poderia fazer algum mal para o seu bebê, ao ser internada ela só se organiza, se acalma na visita do bebê; assim, foi organizado um quarto para a mãe e para ele no hospital. Durante uma semana a equipe cuidou desta mãe e deste bebê tendo um efeito fundamental sobre o caso. Podemos afirmar que o importante para uma criança é o investimento do Outro sobre ela, um investimento no plano do desejo, um desejo que não seja anônimo. Feito, neste caso, claramente por essa mãe.
O surgimento deste caso na conversação também nos orienta, pois, a questão não é a falta física da mãe, mas qual Outro está fazendo um investimento no plano do desejo sobre a criança e quando a falta deste Outro pode ser realmente radical. Quem está fazendo esta função neste momento pode ser a mãe ou um Outro.
Essa conversação e os fragmentos mencionados pelos participantes, demonstrando-nos a experiência de cada um, colocaram esse Laboratório ainda mais a trabalho, pois o que norteia o CIEN é o inter-disciplinar, esse hífen que aponta para a falta do saber a priori, assim, concluímos que não é possível estabelecer regras, mas, nos perguntarmos sempre por uma medida no caso a caso.
Outra questão se apresentou “uma criança pode ver a mãe em crise” e uma participante respondeu “a mãe já está em crise em casa por isso ela vem pra cá, a criança já vê a mãe em crise”, outra afirma “mas, aqui é diferente… não é só a mãe que está em crise, é um outro local, pessoas em crise, não é o ambiente da criança”, “então, as visitas devem ser em local adequado, fora das alas”, “isso já acontece”. Localizamos que uma visita deve ser guiada, não só para a mãe, mas, para a criança, pois, nos vários fragmentos relatados pela equipe, o local era fora das alas, mas, a preocupação passava mais pela paciente e não pela criança, como foi o caso de uma denúncia de que a “criança levaria drogas pra mãe”
Nesse Laboratório, a oferta da palavra se dirige para os técnicos, os trabalhadores que são causados não somente pela estrutura psicótica, mas pela maternidade e pelo encontro destas mulheres tanto com a gravidez quanto com seus filhos, pois eles estão marcados por uma transferência de trabalho dentro de uma instituição onde o savoir-faire das categorias profissionais insistem em ofertar soluções protocolares sem que o traço do sujeito possa dar rumo às intervenções. Além de ser uma instituição que tem o seu saber construído sobre uma saúde mental que não pressupõe e nem está às voltas de um outro lugar, que é a maternidade e a gravidez.
Os técnicos na conversação precisaram se perguntar sobre o lugar da maternidade e gravidez e rever o ideal que envolve esse acontecimento. “Precisamos esvaziar o ideal de maternidade” disse um dos participantes, pois, apesar de todas as passagens ao ato que ocorrem nesta instituição, “lidar com uma gravidez e as passagens ao ato desta mãe foi muito difícil para a equipe”. Nesta subversão institucional, nesta operação que causa uma descontinuidade no discurso burocrático das regras, normas e protocolos do serviço, algo novo surge a partir da palavra do paciente e, agora nas conversações, a partir da palavra dos trabalhadores do hospital causando um giro nos discursos que constituem a operação lógica do trabalho cotidiano.
Assim, uma das participantes deste encontro, ao concluir o que seria a conversação deste Laboratório, afirma que a conversação pode abarcar várias equipes e profissionais e trazer as miudezas, as “preciosidades na circulação da palavra, escutar aqueles que trabalham no dia-a-dia”.