As vantagens de ser invisível
Margarete P. Miranda e Teresa Mendonça – Laboratório Trocando em Miúdos
Trata-se de um texto originado de uma Conversação com jovens, no CINE- CIEN Minas, em 23 de março de 2016. Essa experiência possibilitou o levantamento de três pontos, a partir dos quais o filme “As vantagens de ser invisível”, recoloca em cena o despertar da adolescência.
O nojo e o furo no sexual
Ai! Que nojo! Expressão extraída do instante em que a jovem T, de 17 anos, assistia ao filme e se deixa tomar pela cena do beijo entre dois rapazes. Por tratar-se de uma adolescente do século XXI, em que a diferença sexual tem sido questionada pelos jovens, interrogamos o estatuto de tal inflexão.
No início do século passado, Freud (1905- 1989) traz o conceito de “asco”, sinonímia do nojo, como um dos agentes reguladores do “recalque”, assim como a “vergonha” e a “moral”, ressituados definitivamente, na puberdade.
Sobre a sexualidade dos adolescentes, Lacan (1974-2003) alude ao “pudor”, vocábulo próximo à “vergonha”, como elemento que priva o sexual. Faz menção ao véu que encobre: “Que o véu levantado não mostre nada” (p.558). Em sua passagem ao público, a sexualidade se exibe como gozo proibido, portanto. Consenza (2016), referindo-se a Lacan, destaca que é nessa tensão entre o “tempo do véu” (existe relação sexual) e o “tempo do trauma” (não existe relação sexual), que os adolescentes vivenciam a experiência da sexualidade.
Perguntamos: O nojo de T, acionado pela cena do filme, faria ligação a que, por trás do véu, há A Mulher que não existe?
A Conversação dos jovens e o estranho da sexualidade
Quando interrogada em sua reação de nojo, na Conversação, T desdobra os dizeres: O que mais me tocou foi o beijo entre os dois: Achei estranho… Sua fala nos remete ao “estranho” e “familiar” freudiano, quando o sujeito se defronta com a própria imagem.
Sobre o objeto olhar e a função escópica, Lacan (1964-1996) diz que o sujeito diante do quadro é um expectador que depõe algo de si na tela. É a própria mancha no quadro sobre a cena que inclui o sujeito.
Interrogamos: Aquela imagem cinematográfica despertou em T o “estranho” da não relação sexual?
Na Conversação, a adolescente insiste em um ponto: Mas, eu não tenho preconceito! Destacamos, então, que algo merecia ser pensado: Por que a reação e expressão de nojo se não havia preconceitos? A voz do Outro poderia estar sendo interpretada como exigência tirânica, como alude Miller (2015). Fez-se silêncio por instantes.
O que é adolescência e teria esta, um fim?
Em tempo de concluir, W disse: Adolescência é o tempo de errar e aprender com os erros. Aí a gente vira adulto, ganha responsabilidade. T retrucou: Penso que a adolescência pode não ter fim, porque a gente erra e aprende a vida inteira, surpreendendo-nos.
No filme “As vantagens de ser invisível”, Stephen Chbosky privilegia a cena da travessia de um túnel pelos adolescentes. Freud (1905-1989) faz referência ao túnel perfurado em ambas as extremidades, na puberdade, admitindo, porém, que alguns ficam retidos em fase libidinal anterior. Daniel Roy (2016), aponta o caráter contraditório da metamorfose freudiana da puberdade que, devido a lógica das pulsões parciais, está “semeada de emboscadas”. Diz, então, que “não há verdadeiramente saída possível do túnel” (p.1). Neste sentido, podemos dizer que a adolescência não tem fim?
Prevalece, na adolescência, um inacabamento do sujeito em que “a possibilidade de escolha é preservada mais do que tudo” , diz La Sagna” (2016, p.2). Miller (2015) usa o termo “procrastinação” para distinguir um adiamento próprio ao sujeito adolescente, especialmente na contemporaneidade, diante das várias opões de escolha.
Aqueles jovens, quando interrogados sobre as possíveis saídas da adolescência, esboçaram alguns sintomas: Para fazer parte do grupo, alguns fumam maconha. Eu não! Diz S. Para T, a gravidez na adolescência é uma forma de ganhar responsabilidade e virar adulto.
Ao final, diante do vazio do não saber dos analisantes esclarecidos do CIEN, T interpela a participante: E para você, o que é adolescência?
A construção desse texto demonstra que levamos a sério sua indagação.