As vias do CIEN
Éric Laurent
Barcelona, novembro de 1997.
Graças ao trabalho do CIEN, confirmado na sua brochura número 1, sabemos o sentido que começa a ter a palavra interdisciplinar e podemos começar a dar uma melhor forma às vias que ela vai tomando para alcançar seus objetivos.
1. O que é disciplina e o que é interdisciplinar.
Existem as diversas disciplinas ou práticas que tomam à criança como objeto. Podemos enumerar várias delas, sem pretender a exaustão, e propor uma primeira lista: a pedagogia, a pediatria, a neonatologia, a psiquiatria infanto-juvenil, as ciências sociais, a gestão das instituições especializadas, etc. Neste nível, os saberes ou as práticas não circulam, ou circulam pouco, entre elas. Nascem e se desenvolvem em compartimentos estanques. Por um lado, há um nível interdisciplinar que existe desde o início na cidade que é o direito. Este assegura a linguagem interdisciplinar necessária para que seus saberes não produzam incoerência política nas encruzilhadas e interseções de suas consequências práticas. Seja qual for a disciplina, ela é responsável pelos efeitos produzidos pelo seu saber frente ao direito, pois nossa civilização se define sobre a base dos direitos do homem. Um centro interdisciplinar sobre a criança interessa-se, então, ao mesmo tempo, por cada disciplina e pela linguagem formalizada que coloca uma em relação com a outra. Interessa-se pelas dificuldades, problemas, incoerências, disfunções e escândalos que se apresentam na aplicação dos direitos do homem ao sujeito qualificado como criança. Estas rupturas se apresentam tanto na prática como na teoria do direito. O que não é interdisciplinar é pensar que é suficiente acrescentar a verdade psicanalítica a cada disciplina para estar à altura da nossa tarefa.
2. Os limites de acrescentar a verdade edípica.
Não é suficiente simplesmente recordar que a avaliação correta das dificuldades da criança deve levar em conta as dificuldades familiares, não só na realidade, mais também no nível da verdade fantasmática edípica.
A verdade é, neste registro, irmã da impotência. Na gravidez quando estranhas demandas de adopção são propostas, na constatação dos maus tratos ou nos abusos sexuais, o contexto familiar está no limite do que pode se chamar de família – pelo menos na definição tomista habitualmente considerada como natural.
A perspectiva tomista, reduzida a seu aspecto mecânico, volta a considerar a família como a instituição mediadora que pode educar uma criança de acordo as normas de uma época. Esta instituição reduz-se cada vez mais a uma propriedade da classe média. Seja qual for a configuração da família, da tradicional à multidivorciada, passando pela monoparental, todas elas encontram apoios e suportes psicológicos e sociais para cumprir sua função. As disfunções que tem lugar dentro destas configurações, podem se apoiar mais facilmente em uma abordagem terapêutica inspirada pela psicanálise.
Porém, esta abordagem deixa fora do caminho os grupos humanos nos quais o tratamento social se apoia na segregação e não na mediação. Os fenômenos de violência que se apresentam não se sustentam mais no cuidado psicológico individual ou na vontade de fazer acreditar na existência de uma família ali onde ela não existe. Como se orientar diante destes fenômenos de gozo mau (mauvaise jouissance) que surgem nestas margens?
3. A ética da psicanálise
Ao querer regulamentar tudo nos limites da razão familiar ou edípica, corremos o risco de ficar submersos no familiarismo delirante. Isto não nos alivia do fato de que devemos nos orientar pelas questões do gozo, por piores que sejam, a partir da ética da nossa prática.
O ponto de vista moral sobre as questões do “mal-gozar” que implicam à criança não nos satisfaz, como nos maus-tratos que ela pode sofrer ou as violências que ela pode infringir aos outros. Por outro lado, isto não implica irresponsabilidade. Podemos lembrar que isso se manifesta sob a máscara da permissividade ou da repressão cega. O supereu também se apresenta sob essas duas vertentes e empuxa o sujeito a uma ou outra via em direção à catástrofe. Precisamos favorecer o despertar à responsabilidade do gozo que retorna a cada um, das proibições universais que outros enunciam.
O estado moderno busca instituições as quais delegar as responsabilidades e para aliviar os custos institucionais. Não se trata de dar crédito às tentativas de restauração das figuras de autoridade que se consideram mais ou menos dignas de serem seus depositários. Também não vemos porquê nos opor às reflexões contemporâneas sobre os limites da permissividade. Então, nada de universais aí, trata-se de uma ação que cuide das velhas luas e dos novos ídolos. Uma vontade de uma pesquisa precisa, para além dos preconceitos, e especialmente necessária nos espaços onde as questões do gozo estão em primeiro plano.
Nossa ação jamais é uma ação em massa, e não se localiza no nível sociológico. Isso não quer dizer simplesmente que a nós nos corresponde o caso a caso, pois chegamos a enunciar princípios. Pelo contrário, isso quer dizer que é necessário fazer obstáculo a uma vontade de aplicação mecânica da norma e poder levar em conta a dimensão subjetiva na qual ela faz exceção, que ela ultrapassa a norma, mesmo que seja a do direito. Devemos encontrar a maneira de traduzir o saber clínico no nível da norma.
Para concluir, o CIEN pode ajudar a produzir as ficções do direito concernentes à criança e que melhor convenham aos terríveis problemas que enfrentam. O CIEN não pode produzi-las. Deve se informar dos lugares de gozo (assim como há lugares de memória), se aproximando a outros que precisam desta invenção.
As mudanças das populações, que implica o regime segregativo na nossa civilização, nos forçam a saber que sempre serão necessárias invenções e ficções. A psicanálise pode ajudar a escolhê-las melhor e a inventá-las, se desembaraçando dos preconceitos do velho e, ao mesmo tempo, sabendo que o novo seguramente não se confunde com o possível. É necessário saber antecipar o impossível para evitar os golpes.