Biografia não autorizada de um jovem infrator.
Célio Garcia
Nasce uma criança.
Parto natural, dores terríveis.
Havia escutado na barriga da mãe (eles não vêm, mas escutam) “me inclua fora dessa”.
A criança se destinava assim a ser um jovem infrator.
Lembrar-se ia da frase aderindo a ela.
Descobrindo o corpo achou o sexo.
As “minas” ficariam para mais tarde
Esgueirando-se ao longo do muro que o separa da escola
Conversando com seus botões, próximo da escola, disse para si mesmo.
“me inclua fora dessa”.
Não tem nada a ver.
Em vez de pai que já se foi, padrinho que permanece como chefe da boca de fumo estável, dá segurança e proteção quando a barra é pesada.
Demais, ameaça de morte.
É dura a vida quando se trabalha de aviãozinho.
É dura a vida quando se trabalha de aviãozinho.
Segunda parte.
Encontro com o sistema socioeducativo.
Um dia, aviãozinho caiu na malha da policia.
A polícia toda malhadinha, história de camuflagem, onde se faz tocaia.
Um programa como o “Fica vivo” articulado de uma maneira sutil com a psicologia serve de tocaia.
Varias vezes fui chamado para falar sobre o Fica vivo.
Desde a primeira vez estranhei o título do programa.
Na mesma época a Bienal de São Paulo teve como lema “Como viver juntos”; me perguntei se poderia mudar o nome do programa; ao invés
de “Fica vivo”, “Como viver juntos”.
Tal como queria a curadora Lyzete Lagnado da Bienal de São Paulo.
Um dia passou no Conselho da Casa.
Todos tinham o direito a falar, o jovem infrator também, mas não conseguiu dizer nada do que queria. Faltaram as palavras. Havia o costume do instrutor sair para comprar sanduiche depois do lanche, antes de dormir.
Também comprava- se fuminho.
O Serviço de segurança era formado por gente boa talvez próximos dos jovens infratores.
Recuperar quer dizer através do PIA. O pia é impiedoso. Eles piavam para preencher o PIA.
Jovem Infrator algum pretende mexer com tais coisas.
Arrependimento e culpa.
Havíamos passado da periculosidade da época do Código de Menores, FUNABEM e FEBEM para a noção de recuperação por culpa e arrependimento.
Eis-me aqui, antigo Conselheiro da FUNABEM no Rio de Janeiro nos anos sessenta.
Terceira parte.
Existe um índio em uma região entre o Peru e o Estado do Acre“isolado” causando preocupação à Funai. Como ele foi parar lá? Ninguém sabe…
Desgarrado. Forçado pelas circunstancias da natureza? Forçado pela perseguição do branco? Escolha do índio?
Isso revela uma polarização, um antagonismo rechaçado entre os índios “pacificados” e os isolados, refletindo toda uma perspectiva cultural, antropológica e social, contemplada por uma concepção de modernidade que não admite mais o “selvagem” como parte de sua engrenagem. Quanto mais o
filme se imanta das memórias e dos causos contados pelos personagens, quanto mais se embrenha na densidade soturna da floresta e do rio, quanto mais revela uma miscelânea de etnias, de feições de povos e culturas, mais somos confrontados com uma realidade que nada tem de heróica ou exotizante, mas somos confrontados com o lado obscuro e selvagem que existe escondido, adormecido em cada um de nós.
Esta nota vou escrever em paralelo com o jovem infrator. Isolado como se fosse o mesmo destino do índio.
Minha documentação em se tratando do índio isolado é basicamente constituído pelo documentário “Paralelo 10”.
Silvio Darín, autor desse documentário,
Também o jovem infrator parece fazer a mesma escolha do índio, permanecendo isolado.
Como pode haver tal estranha escolha?
A FUNAI busca proteção do índio, tal como o ECA e o sistema socioeducativo. Nenhum sistema socioeducativo dá conta de tal escolha, nem a FUNAI. Como bem sabemos, o fracasso é total em se tratando do jovem infrator. O desafio é de monta.