CONVERSAÇÃO INTERNACIONAL DO CIEN-Americano “Os laços sociais e suas transformações” 12 de setembro de 2017
Argumento
“O porvir dos laços sociais” foi explorado pelo CIEN há mais de uma década, em 2003, dada a dificuldade em construir pontes, laços de suporte e intercâmbio entre adultos, jovens e crianças em um mundo desagregado, disperso, múltiplo. A aposta do CIEN foi então: apontar àquilo que pudesse permanecer como função Outro, a partir da qual a criança pudesse se servir de seus próprios esforços e na companhia de alguns outros que encontrasse no caminho.
A preocupação pelo efeito segregativo e diruptivo que os discursos normatizantes produzem, habita o seio do CIEN desde a sua fundação, há pouco mais de 20 anos, em Buenos Aires, a partir de uma iniciativa de Jacques-Alain Miller. A primeira Jornada Internacional do CIEN, em 1998, em Barcelona, dedicou-se d´ “A Clínica frente à segregação”. A segunda em Buenos Aires em 2000, ao abordar “Por trás das Normas – o detalhe”, abriu espaço para ver de que modo as crianças, os adolescentes e os diferentes profissionais se arranjam com os impasses destes saberes que, de mãos dadas com a ciência e a técnica –e empurrados pela exigência oferecida pelo mercado de que tudo é possível–, frequentmente contribuem para arrasar aquilo que se apresenta como original ou diferente, esmagando o desejo.
Em jornadas posteriores, houve precisões sobre a incidência da cultura do instantâneo nos laços, e a resposta dos jovens que se fecham para…
Isso nos leva a postular se, atualmente, aquilo que em dado momento explorávamos sob a idéia de agrupamentos a partir de modos de gozo compartilhados, foi substituído hoje por uma modalidade de laço que se apoia em grande medida nas diversas redes sociais, onde é difícil desprender-se da idéia de que ali impera a mais paradoxal solidão – por exemplo, o snapchat.
Esses laços, então, estão tomando novas formas, sobretudo com a hiperconectividade e a realidade aumentada, cada vez mais incorporada à vida cotidiana. Que tipo de ligação é a hiperligação [hyperlink]? Isto se apresenta como aporia, pois onde poderiamos supor uma ligação mais estreita, acaba se traduzindo em uma crescente dispersão e multiplicação.
Na comunicação, o mal-entendido da linguagem se contrapõe ao afã de uma “perfeita” literalidade –cuja impossibilidade mergulha os sujeitos em uma angústia cada vez maior.
Desvela-se, portanto, um efeito sinistro que advém da realidade virtual, que faz naufragar o amparo que provem do campo da realidade propria de cada um, a ficção que chamamos de fantasia.
Existe, por um lado, um empuxo a manter-se conectado o tempo todo a esta realidade virtual. Isto se verifica em todos os âmbitos da vida cotidiana, onde blackmirrors tornam-se companheiros inseparáveis. A linguagem se transforma à luz destes novos objetos, que ganham “vida” com sua insistência em fazer-se “ouvir”, “olhar”, “ler”. É incessante, quer dizer, isso não cessa. Existe ali o efeito de um sem corte nessas comunicações, onde a implicação do corpo fica em suspenso.
Como se imiscui tudo isso nos diversos campos institucionais? Tomemos por exemplo o campo do Direito, onde o empuxo midiático faz oposição à mediação simbólica buscada nas mãos da lei.
A ciência da saúde também está cada vez mais infiltrada pelo uso das telas –nos estudos por imagens– e nas “consultas” que prescindem da presença do “corpo” do paciente, pela foto digital enviada por um familiar ao celular do médico que diagnostica e indica tratamento pela mesma via.
E, o que podemos dizer do campo pedagógico? Trata-se de um terreno com ambiguidades. Por quê? Porque, por um lado, há um “uso” legítimo que as crianças e os jovens podem fazer das redes e telas ao serem incorporadas como meios para a relação com o saber.
Por outro lado, nesse mesmo ponto encontramos que essa sujeição incesante a esse modo de laço subtrai a necessidade do corpo para encarnar uma relação com o saber. Isto se torna complexo de tratar e de situar no âmbito escolar, onde ainda se convoca à participação de um sujeito desejante, de carne e osso, para a aprendizagem, que envolve as crianças e os adolescentes, mas também aos profissionais que os recebem.
Isto reabre questões nos diversos praticantes que alimentam os laboratórios do CIEN, dispostos a interrogar o que não sabemos, o que não entendemos, o que se apresenta como reflexões paradoxais, que requerem a abordagem e a elucidação daquilo que enlaça as crianças e os jovens, justamente ali onde em diversas ocasiões constatamos que o corpo –não só a dimensão da palavra– é afetado por essas novas formas.
Assim, propomos conversar sobre as invenções das crianças e dos adolescentes não tanto contra os efeitos do novo, mas sim com o uso que estes dão ao novo: novas formas de “dizer”, de “fazer”, de gozar, de viver. Qual novidade implica o uso da palavra nas redes? Como o corpo participa disso?
Tradução: Vania Gomes
Revisão: Nohemí Brown