Conversação enlaçando a arte do cinema e da argila
Laboratório Guarnicê • São Luis (MA)
Thaïs Moraes Correia (coord.), May Guimarães, Carmem Damous,
Maria de Lourdes Maia, Débora Lima Baese, Cláudia, Kassiane, Márcia Assunção
O laboratório Guarnicê (ef.)- março de 2010 a junho de 2013 – teve início com a leitura dos textos gentilmente cedidos por Rosário do Rego Barros e os que fomos ao longo desse tempo recolhendo dos boletins da EBP, das revistas “Arteira” bem como alguns textos iniciais sobre a História do CIEN, que aconteceu pela primeira vez na Delegação Geral MA de 1998 a 1999.
Nesse momento, em março de 2015, em que somos novamente chamados a voltar para esse lugar, nos perguntamos: O que de fato aconteceu ali, onde a presença do CIEN volta a ser demandada?
É comum aqui ouvirmos: afinal, o que é o CIEN? Não se trata de um ‘espaço terapêutico’, nos diz Judith Miller, por ocasião da V Jornada Internacional do CIEN, em 2011. As conversações que o CIEN provoca têm o objetivo de fazer emergir um saber não sabido, a partir do qual se produz um deslocamento das perguntas/certezas trazidas pelos profissionais, que insistem muitas vezes em reclamar de sua impotência. O laboratório provoca um descolamento dessa impotência.
No primeiro semestre de 2010, pensávamos em desenvolver uma atividade nas escolas da comunidade, mas a experiência acabou sendo outra – dirigida ao ICE onde chegamos a convite de Deborah Baese, que fazia parte do encontro de estudo de textos sobre o CIEN, que realizávamos na sala da DG-MA. Ela foi uma das fundadoras do ICE e também participou da formação deste laboratório do CIEN. Foi nos ofertado, a partir de agosto de 2011 até junho de 2013, o espaço de um enorme galpão, onde funciona o “Centro Comunitário Elita Pinheiro” (atualmente Fórum do desenvolvimento sustentável do Jaracati). Lá são desenvolvidas diversas atividades dirigidas à comunidade do Jaracati, que é carente em vários aspectos. Nesse bairro, havia um lixão que fornecia, para famílias daquele local e redondezas, uma fonte de renda. Porém, por ser um bairro bem localizado, que abriga vários órgãos públicos, atraiu para lá a construção do Shopping São Luís, de modo que muitas pessoas que habitavam a área se deslocaram para outras regiões e, das que ficaram, várias tiveram que buscar outras fontes de renda, como por exemplo, o tráfico acirrado de drogas. O bairro possui o estereótipo de ser violento, mas alguns membros pertencentes a essa comunidade, através dos diversos trabalhos sociais desenvolvidos ali, visam transformar essa imagem. Uma das pessoas envolvidas e empenhadas nesse objetivo é a moradora da comunidade e diretora do C.C.E.P., Márcia Assunção, que participou das oficinas durante esse período. Nesse espaço, também funcionava o telecentro/informática; brinquedoteca/espaço lúdico, oficinas de judô e o projeto leitura encena/teatro e leitura.
Após algumas conversações em torno dos impasses que ali se colocavam, surgiu a ideia de iniciarmos um trabalho envolvendo cinema e cerâmica. Essa proposta foi aceita por todos e, no ano seguinte, em 2012, foram montadas as oficinas de cinema, seguidas pelas de cerâmica, onde as crianças, após assistirem filmes e comentarem o que lhes chamou a atenção em cada película, faziam a cerâmica baseada no filme assistido. Essas oficinas foram sugeridas e coordenadas por Thaïs Moraes Correia e por May Ferreira, contando com a participação dos oficineiros, alternadamente.
Os oficineiros e educadores trabalhavam diariamente com as crianças e, em vários momentos, fomos convocadas para intervir em impasses, discutindo acerca dos problemas mais marcantes do grupo, onde a violência (dentro e fora de casa) sempre esteve muito presente. Frequentaram esses encontros em média 15 crianças e jovens na faixa etária de 8 a 14 anos, moradores do Jaracati.
Observamos um grande entusiasmo das crianças com o fato de poderem ser escutadas e também de terem direito a opinar – o que significava ter, enfim, voz ativa. Ao falar do que viam nos filmes, podiam articular algumas passagens com suas vidas, identificando-se com este ou aquele personagem. Algumas crianças tinham imensa dificuldade em falar e aquele foi um momento mais de ouvi-las do que falar. As brigas e roubos eram constantes entre as crianças e muitas eram as demandas, até de papel higiênico, por exemplo.
Também fizemos atividades com as mães das crianças. A primeira delas foi um café da manhã com o tema: “Violência dentro e fora de casa”. A presença das mães e avós foi grande. Além da violência física, havia uma indiferença generalizada e desinteresse para com as crianças, que eram vistas como um estorvo. As mães se apresentaram uma a uma, falando de seus filhos e fazendo algumas perguntas acerca de “como educar” e como dar “limites a seus filhos”. Como fazer, afinal, para envolver essas mães que deixam seus filhos com as avós, na escola ou na instituição, para fazerem uso de drogas?
Agora, no “só – depois”, revendo o que realizamos neste laboratório, percebemos que não poderíamos ter-nos deixado levar pelas demandas – tanto da coordenadora do Centro como dos pais/mães/avós das crianças – realizando um trabalho no corpo a corpo com as crianças e jovens como fizemos; e sim ter insistido em apenas escutar e/ou intervir junto aos profissionais que “cuidam” das crianças e jovens. As dificuldades e impasses giraram em torno de como controlar a inquietação e violência presentes nesse universo. Percebemos que a fixidez dos significantes – violência – roubo – estupro – crimes e drogas – acabavam por nomear essas crianças, que respondiam com angústia àquilo que seus corpos denunciavam. Sabemos que a palavra tem efeitos no corpo e que é possível uma mudança nesses corpos quando se deixa penetrar por um discurso que não é analítico, mas que busca orientar para um desejo que não seja anônimo.