Desembolando o impossível: conversação sobre o impasse da sexualidade realizado em um centro de internação socioeducativo

Sonja Alhäuser, Bloody Mary, 2005-2015

Laboratório: Trocando uma Idéia! • Belo Horizonte (MG)
Tatiana Goulart, Mariana Aranha, Andréa Guerra
O contexto

Trazemos aqui a análise da experiência de realização de conversações psicanalíticas em torno de impasses institucionais experimentados na lida diária de centros de internação, no qual jovens em conflito com a lei cumprem medida socioeducativa privativa de liberdade.

A Constituição Federal de 1988 trouxe avanços nas discussões sobre os adolescentes infratores. Se antes, o direito era usado para vigiar, repreender e punir os adolescentes que infringiam a lei, hoje, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), a aposta está em uma tentativa de ressocialização do adolescente em conflito com a lei, a partir dos eixos educação, família e trabalho. No SINASE (BRASIL, 2006), em seu artigo primeiro, parágrafo segundo, são expostos os objetivos das medidas socioeducativas: “I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei”.

São seis as medidas socioeducativas, indo do meio aberto ao meio fechado, conforme a reincidência e a gravidade do fato. O ECA abre a possibilidade de aplicação da medida socioeducativa, visando sempre a responsabilização do adolescente pelo seu ato infracional. No caso de aplicação de medida privativa de liberdade, a mais grave, o adolescente é acautelado e permanece interno em um centro de internação. Nele equipe de segurança, composta de agentes socioeducativos, equipe técnica, composta, em geral, por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e terapeutas ocupacionais, e equipe administrativa garantem os direitos constitucionais da proteção integral do adolescente, visando seu retorno ao convívio sócio familiar.

Os adolescentes do Centro de Internação que participaram das conversações aqui relatadas estão cumprindo medida com privação de liberdade por um período que varia de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, e possuem, em geral, entre 12 e 18 anos. Eles foram convidados e aceitaram participar de “conversa sobre sexualidade”.

Entretanto, a metodologia da conversação psicanalítica possui características específicas. Ela parte da orientação psicanalítica lacaniana, tendo sido inicialmente instaurada na França no CIEN (Centro interdisciplinar de Estudos sobre a Infância), “criado com a finalidade de abrir o campo da investigação ao diálogo da psicanálise com outros discursos que têm incidência sobre a criança” . Psicanalistas iam às escolas ofertar a palavra às crianças que, concebidas como sujeitos desejantes, poderiam produzir novo saber sobre o discurso de sua época, no ponto em que este a afeta.

Em nosso caso, funcionamos a partir do Laboratório Trocando uma Ideia do CIENem parceria com o Projeto de Extensão Já É do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalhamos com cinco encontros quinzenais, sendo o primeiro com a instituição que formula seu impasse na relação com os jovens. Essa conversação tem um valor diagnóstico de cernir o nome do mal-estar vivido no cotidiano de trabalho com os adolescentes. Nomeado o impasse institucional, realizamos três encontros com os jovens, seguido de um último encontro com equipe para encerramento do processo e recolhimento de seus efeitos.

Cabe destacar nesse processo ao menos três dimensões da metodologia que o orienta: (1) a relação com o saber, (2) a presença do psicanalista e (3) a diferença entre falação e conversação. Quanto à primeira dimensão, é importante localizar que operamos a partir da ideia de uma interdisciplinaridade em ato , entendida enquanto ação de diferentes saberes sobre um impasse, que não pretende constituir um saber totalizante ou verdadeiro sobre o embaraço vivido. Lembrando que consideramos o saber do jovem como mais um saber ali disposto. E, ao contrário da crença científica em um saber último sobre a verdade empírica de uma realidade, partimos do ponto em que o limite de um saber esbarra no limite do outro, mantendo-se tensionado o campo que resiste à consolidação de uma significação última. Dessa maneira, abre-se o campo para produção de saberes distintos, construídos pelos participantes da conversação, a partir de suas experiências singulares e do encontro na conversação, que acaba por desmontar verdades preconcebidas em relação ao impasse ali verificado.

Essa operação só se verifica dada a presença de ao menos um psicanalista na conversação. A ação do psicanalista presentifica-se a partir do ato de fala recolhido de cada participante em relação à causalidade de sua ação. Essa causalidade é tomada como ponto exterior e anterior a qualquer inclusão ou interiorização (LACAN, 1962-63/2005, p. 116) que se possa obter como resultado de um processo de constituição do sujeito, no caso individual, ou das forças em jogo, no caso dos processos institucionais ou civilizatórios. Ela não deve ser situada como análoga à intencionalidade de uma noese, racional, cognitiva, mas como o ponto perdido no elo civilizatório entre natureza e cultura e que, por isso mesmo, anima os corpos e coloca em jogo forças simbólicas para resolução dos conflitos daí decorrentes. O giro lógico, permitido pela presença de um psicanalista, é o de tomar a causa, não como finalidade a ser alcançada (télos), mas como ponto de perda (Merhlust) a ser tratado. E que, por ser irrecuperável, motiva as ações desde sua exterioridade.

Finalmente, sob um fundo transferencial , ainda que deslocado do contexto clínico estrito senso, destacamos a diferença entre uma falação vazia – na qual proliferam os arranjos imaginários, recobertos por assertivas genéricas – e uma conversação. Nesta, a responsabilidade pelo ato de fala é recolhida pelo psicanalista, a partir do ponto em que cada sujeito é tocado pelas palavras que ali circulam, visando a quebra da identificação dos elementos mestres que organizam o discurso em torno dos impasses evidenciados. Dessa forma, abalados ou desconstruídos, podem ceder lugar ao sem sentido e, assim, abrirem-se à surpresa de uma produção própria e singular de cada um dos participantes ali presentes. Assim, o efeito se conta um a um, não para todos.

Dessa maneira, a conversação psicanalítica difere radicalmente de uma conversa, já que orientada pela relação estrutural que a linguagem estabelece com o corpo diante dos impasses da civilização. Nesse sentido, o ato de fala concerne natureza e cultura ao mesmo tempo, ao dotar o aparelho da linguagem de um ordenamento do gozo , que condiciona os corpos a um aprendizado de convivência no laço social.

Esclarecidos nossos pressupostos na intervenção, conheçamos sua experiência.

Alzira Fragoso, 2014

O convite

Essas conversações foram realizadas entre Outubro e Novembro de 2013. Fomos chamados pela equipe de centro de internação para trabalhar com os adolescentes sobre um impasse: a sexualidade. Segundo a diretoria, havia uma oficina sobre isso, os adolescentes estavam agitados nesse trabalho e fazendo perguntas “embaraçosas” para a equipe de enfermagem.

Decidimos, então, em um primeiro momento, fazer uma reunião, sob a forma de conversação, com a equipe do centro para escutar mais sobre esse mal estar e convidá-los a participar das conversações. Nesse encontro, estavam presentes a diretoria, os técnicos, o advogado e a equipe de enfermagem.

As enfermeiras começam a nos relatar o quanto estava difícil para elas lidarem com esses adolescentes curiosos. “Eles querem saber tudo. Me perguntam no meio da oficina: você gosta disso. Eu, sinceramente, não sei o que dizer.”  Uma colega concorda e diz que as perguntas são muito embaraçosas e diretas. Elas nos contam ainda sobre um movimento deles, proibido, com a prisão ao lado. “Aqui do lado tem um presídio feminino. Eles ficam trocando cartas com as meninas. Escrevem cada indecência!” Questionamos sobre essas indecências e elas nos dizem: “Ah, falam essas coisas…coisas que gostariam de fazer com elas.” Insistimos na pergunta sobre o que seriam essas coisas e a resposta vem imediatamente: “Ah, não tenho nem coragem de dizer”. Os técnicos compartilham desse incômodo em relação às cartas. “Por que a gente explica pra eles que não pode escrever essas coisas. É cada coisa! De horrorizar! Também não tenho coragem nem de falar”.

A partir dessa escuta, fazemos o convite para a equipe, também, participar das conversações. No entanto, os profissionais não aceitam. Justificam que os meninos ficariam inibidos com a presença deles e que poderiam atrapalhar na conversa. De toda forma, algo estava claro para a equipe da conversação: lá não seria um lugar de informação sobre a sexualidade, mas um lugar para tentar inventar algo novo a partir desse trauma que atravessa a todos.

As Conversações

Foram realizados três encontros conduzidos com a presença de três psicanalistas, dois agentes de segurança e cerca de 11 adolescentes. No primeiro momento, nos questionaram se poderiam perguntar sobre qualquer coisa. Respondemos que sim e eles disseram que isso era muito bom, já que as enfermeiras não respondiam ao que eles queriam saber.

Lançam a primeira pergunta: “é verdade que mulher gosta de pênis grande?” Relançamos a pergunta ao grupo: “então é o tamanho do pênis que interessa às mulheres? O que acham?”. “Uai, depende, tem mulher que gosta é de mulher. Hoje em dia é cada coisa que a gente vê, difícil de entender. Mulher gatinha com umas mulher feia, tipo caminhoneiro, zé”. Aqui um ponto vazio que permite reordenamento dos significantes mestres da civilização, que se abre à invenção.

Outro diz: “Mulher gosta é de uma boa conversa, de um desembolo. Tem que saber chegar e pá”. Um terceiro intervém: “Mulher gosta é de grana, carro, é isso que elas querem”, sendo logo retucado: “Nem toda mulher é assim, Zé, só se for as que você tá arrumando”. “As piriguetes são assim!”. Nossa intervenção aponta para a diferença das mulheres: “Ah, então quer dizer que as mulheres não são iguais?”.Novamente se acena a impossibilidade de uma regência única acerca do feminino, assim como acerca da tentativa desses jovens, cada um com suas crenças (tamanho do pênis, dinheiro, conversa…), de tamponar o impossível de saber, com o qual preferiam lidar alocando à mulher uma única demanda a qual deveriam atender, aplacando, assim, a angústia do encontro de cada um deles com o que encarnava para si o Outro sexo.

Neste encontro, fica claro o não saber sobre as mulheres e a angústia do que fazer com isso. Os adolescentes procuravam uma resposta única para todas que apaziguasse a angústia do não saber-fazer com o Outro sexo . Porém, o que foi respondido a isso é justamente que não há nem uma resposta universal, nem um manual ou breviário contendo todas as conjugações possíveis para esse encontro. Ao contrário, a cada encontro, corresponde uma construção, uma resposta contingente e singular. No final do encontro, um adolescente, noivo, encerra dizendo: “Cada uma é de um jeito. Eu vou lá e pergunto do que ela gosta, assim vejo o que vou fazer”.

O segundo encontro foi muito agitado e com várias conversas paralelas. Da ausência de um manual sobre como lidar com esse ponto traumático da incidência do sexual, proliferou o impossível de dizer, o traumático, na agitação dos corpos jovens. Muitos adolescentes voltaram a falar da vida no crime e de como cada um se vira com o corpo ali. Inicia-se, então, uma conversa sobre a escola. Um adolescente começa a dizer de sua volta à escola. “Até parece que eu preciso tá aqui pra conseguir estudar. Lá fora, não é tão fácil conseguir estudar. Agora eu já tô estudando. É muito doido. Lá fora é tudo mais difícilAté parece que a gente tem que cometer um crime pra eles olharem pra gente”. Os colegas concordam.Outro retruca: “Eu sempre fui rebelde, mas agora não sou mais. Mas eles continuam me tratando como se eu ainda fosse. Aí eu vou voltá a aprontá pra eles verem”. Eum deles, então, revela: “Por que você acha que quando eu saí daqui eu vou sair do crime? Não! O crime é muito mais que isso. O crime é você ter malandragem pra saber aonde pode ir, como entrar e sair dos lugares, e isso eu não vou perder”.

A conversação acontece de maneira tensa, agressiva, com cada jovem tentando impor seu modo de operar no mundo como modelo para o outro e destituindo os demais. O agente de segurança tem uma entrada reguladora importante ao apontar que “cada um decide como vai viver ou como vai morrer. Não se pode impor sobre o outro o jeito de ser. E vocês têm opção de serem diferentes do que vêm sendo”.

De certa forma, testemunhamos nesse dia um saber-fazer com o corpo jovem e sexuado, a partir de um saber predeterminado pela lógica do crime. É quando um deles questiona porque estavam falando do crime, “se lá era lugar de falar de sexo”. Ao que um colega o responde: “aqui a gente fala do que quiser”.  Abre-se, então, de maneira insistente, a fala de um jovem que, muito assertivo, deseja respostas bem objetivas sobre suas inquietações e dúvidas sexuais, como, por exemplo, se homem deve bater em mulher, se homem tem que transar muitas vezes. Os jovens recusam essa retomada insistente de temas explícitos sobre a excitação sexual e o corpo sexuado, retomando a discussão sobre o crime.

Mariana Mauricio, You II, 2012

Nossas intervenções aconteceram muito no particular, em relação a conversas de pé de ouvido, enquanto, no coletivo, incidiram sobretudo em relação a respeitarmos as opiniões diferentes de cada um. Para um jovem, tratou-se de legitimar sua solução de adiar o encontro com as mulheres nesse momento para estudar e retomar a vida fora do centro. Com outro, aconteceu no sentido de criar uma escansão entre “ser malandro e ser do crime”, apontando que é possível saber-fazer com a malandragem sem ser bandido, o que assinalava para construção de uma resposta singular sobre o masculino. Com o terceiro, não havia escansão ou interrogação que suspendesse suas certezas. Um outro jovem, o noivo, não retornou mais…

Assim, podemos pensar que as intervenções aconteceram no sentido de reconhecer as assinalar que os adolescentes têm produzido saberes e respostas diferentes para os diversos impasses que os atravessam, bem como a de assinalar que o saber do crime, além de não ser o único, pode não ser o mais efetivo para orientar suas decisões.  Nesse segundo encontro, face ao impossível da puberdade, que atualiza o encontro traumático entre gozo e linguagem, presentificado no encontro com o Outro sexo, restaram as soluções singulares – inicialmente revestidas pelo semblante oferecido pelo saber do crime. Num primeiro tempo do encontro, parece que as falas em torno do crime velaram um real impronunciável através de frases prontas oriundas do seu discurso de ferro. Seu deslocamento, com a intervenção do agente e as colocações um a um das psicanalistas, parece ter dado lugar à emersão de algumas construções, soluções singularmente singelas, ainda que não definitivas.

No terceiro encontro e também último, apareceu a questão sobre o que é ser homem. Os adolescentes diziam do embaraço na relação com as meninas, onde a sua virilidade era colocada à prova: “A gente tem que satisfazer a mulher, tem que ir lá e transar várias vezes, senão elas contam para as outras, senão a gente fica falado”. Dizem que as meninas não são confiáveis, que armam “croca” para eles, emboscadas para serem pegos pelos rivais. “Véio, eu posso estar com uma gata linda, se ela me chama pra ir na casa dela, eu não vou. Ela é que venha na minha”. “Por isso que eu não namoro, não amo ninguém”. Perguntamos sobre este estatuto da mulher, que história é essa de não poderem confiar.

Os adolescentes respondem veementemente que algumas mulheres “são traidoras”, e que estas merecem ter “cabelo cortado, ser apedrejada, queimada”. Outras não são assim. Pois existem as “mulheres trepadeiras e as meninas para namorar”. Explicam que, com a mulher trepadeira, podem fazer o que quiserem, mas não teriam coragem de fazer com as namoradas, pois seria falta de respeito. Das namoradas, esperam fidelidade. “Tem coisas que a gente só faz com a mulher pra trepar. Mas ela não, né Zé?! Se ela tiver outro, ela morre”.

Diante dessa diferença irreconciliável entre os sexos, para a qual a radicalidade de outro impossível – a morte – é a resposta, uma intervenção imediata é feita: “Ah, então é um contrato entre homem e mulher?”. Um deles diz: “É sim. Eu tô aqui. A minha namorada pode ir no funk, mas se ela me traí, morre ela e o cara. Eu deixo ela ir, mas tem que me respeitar”. O outro já fala: “ah, não, Zé! Eu to aqui e a minha mulhé tem que fica em casa. Num tem essa de sair não. Tem que me esperar. Só pode ir comigo. Se eu ficá sabendo que ela saiu, dá briga”.

Isso é ser homem?”, a pergunta é feita por uma das psicanalistas. “É, ué?!! Vou ficar de mané? Ser homem é você ser respeitado”. “Mas pelo medo?” Questionamos novamente, e o jovem esclarece: “Porque se você não faz nada vão ficar rindo da sua cara. E isso não pode. Homem é respeitado”. “Tem mulher que é traíra. Tipo assim: vc num se dá com um cara. Aí ela marca com vc num lugar. E combina com ele também. No mesmo lugar. Aí não tem jeito, vc tem que mostrar que é homem. Tem que brigar. Tem que ser respeitado. Se não, ninguém te respeita”.

Mas, então, vocês vão na onda das mulheres?” Foi a nossa intervenção. “Uai?! A gente não pode ficar de otário, senão todo mundo monta em cima”. O outro relembra: “Mas tem mulher assim. E tem mulher séria também, mulher pra casar. Que a gente confia”. Um completa: “Lá mesmo na UFMG, tem um monte de mulher pra casar. Acho que eu vou estudar lá”. Nossa resposta: “há mulheres de diferentes tipos em todos os lugares. A questão é o que e como fazer com elas, não é?”.

O “respeito” parece emergir aqui como um novo índice do masculino, antes ausente, novo termo que comporta variações diferentes para cada um dos jovens acerca do que é ser homem. Entretanto, ele se revela impossível de unificar ou de apreender em um único sentido. Do embaraço face ao enigmático desejo das mulheres parece ter havido um deslocamento da pergunta, contida no excesso da experiência sexual que produzia o impasse institucional. Cada jovem toma para si a construção de uma orientação sobre o masculino entre o “mané” e o “respeitado”, daí surgem, a cada fala-efeito das intervenções alguns nomes singulares para o masculino. Afinal, como lembra a cantora “todo corpo que tem um deserto, tem um olho de água por perto” (Marisa Monte, A primeira pedra).

Tomie Ohtake, Sem tÌtulo, 1962, Ûleo sobre tela, 85 x 75 cm, ColeÁ„o da artista.jpg ARQUIVO 08-04-2011 CADERNO2 Pinturas Cegas – Instituto Tomie Ohtake FOTO DIVULGACAO

A torção

Nesse momento, percebemos um giro na questão dos meninos. Se, no primeiro encontro, eles se angustiavam com a demanda de cada mulher que eles teriam que satisfazer (o que quer uma mulher), neste eles nos apontam que a angustia passa por não saber o que é ser homem e o que fazer com isso. Concluímos esse encontro dizendo que existem várias formas de ser homem. Não seria preciso matar para não ser “mané”, mas cada um poderia construir sua maneira de se fazer “respeitado”, restando para cada jovem o campo singular de ocupação desse significante.

Houve uma redução das perguntas explícitas sobre o sexo anatômico para uma interrogação acerca da posição masculina no amor – que surge sob transferência – face à diferença sexual. E aí, cada um construirá sua resposta, despidos do excesso que o não saber-fazer com isso, antes, produzia. O que, nos pareceu, permitiu uma torção do gozo da falação com o objeto sexualmente explícito (que impedia a formulação de interrogações sobre o encontro sexual traumático) para uma questão acerca da causa que movimenta e inquieta os corpos de cada um desses meninos.

Do retorno institucional

Finalizadas as conversações com os jovens, retornamos à Instituição para dar um retorno do trabalho e recolher seus efeitos. A Instituição traz alguns pontos que consideramos relevantes.

As oficinas da enfermagem sobre sexualidade permaneciam, mas com uma diferença: antes da conversação, havia uma “cola” do grupo na resposta de uma liderança. Todos articulavam um discurso único sobre a sexualidade e as meninas. Puderam observar, numa oficina de sexualidade ministrada pela equipe de saúde, que foi possível interferir e fazer vacilar essa crença numa receita universal para lidar com o sexo.

A enfermeira observou que, nas oficinas de grafite, a única coisa que os adolescentes queriam desenhar era o corpo da figura feminina, de uma “mulher bem gostosa”. Acredita que, após as conversações, foi possível trabalhar outros temas, justamente porque os adolescentes puderam “esvaziar” e falar do que queriam neste espaço.

Outro ponto observado era de que a abordagem sexualizada às técnicas diminuiu. O olhar dos meninos sob as mulheres permanecia, enfatizam, mas as falas não eram grosseiras, sendo então possível transitar com mais tranqüilidade pelos alojamentos.

Por fim, a equipe nos relata que a nossa presença não foi sem conseqüências para os adolescentes e tampouco para a Instituição, na medida em que, através das nossas intervenções, puderam ouvir a provocação dos meninos de um outro lugar. Sentiam-se constrangidas com as perguntas pessoais que os adolescentes lhes dirigiam. E também eram provocadas com as falas de alguns que demandavam uma profissional do sexo para a oficina, pois elas, enfermeiras, não sabiam de nada e não respondiam a nada. Entendem que falar de sexo não é fácil para ninguém, e que talvez essa abordagem direta dos adolescentes seria uma tentativa de provocar, justamente para não se haverem com as questões difíceis da sexualidade.