A Bússola do sim e do não

Andrew McConnell, Rubbish Dump 2.0, 2010

Philippe Lacadeé

Há um século, em 1914, Freud se interroga sobre o que desbussola “o comportamento da criança” perante seus professores. Propõe então sua bússola: esse comportamento se orienta e depende do que se passou no “quarto da criança”1 indicando que não é por isso “que se poderia tampouco desculpá-lo”. Freud designa assim um fragmento da vida de cada sujeito ligado a um lugar próprio. “Quarto da criança” designa especialmente na casa um espaço onde a criança encontra a presença do Outro parental, que se preocupa com ela, que abre um mundo de palavras graças às quais ela pode se identificar. Ela aí encontra igualmente o mundo dos objetos, objetos pulsionais da demanda oral e anal, e aqueles do desejo como a voz e o olhar. Esses objetos que Lacan nomeia objetos a, dependem de seu corpo e de sua relação ao Outro, são os objetos em jogo na pulsão, que se inscrevem no enodamento do corpo vivente ao dizer do Outro.

Se Freud pode dizer que o comportamento da criança faz sintoma, ele o é “enquanto signo e substituto de uma satisfação pulsional que não teve lugar”2, esse signo não é sem ligação com seu corpo em sua relação aos objetos da pulsão porquanto seu corpo é o lugar de uma satisfação possível. Freud insiste sobre a responsabilidade que cabe à criança. Esta concerne ao uso do gozo que faz do seu corpo e do seu pensamento. No seu quarto a criança cria seu espaço e nesse fragmento de vida ela apreende seu corpo como objeto de gozo, mas também pode se apreender como elemento à parte, querer se isolar e viver seu ser como objeto rejeitado.

O quarto da criança mudou

Mostrei em Vie éprise de parole como no início do século XXI, o quarto da criança mudou invadido pelos objetos do capitalismo pulsional3. A criança pode assim, muito cedo, ter acesso aos objetos gadgets4 que subvertem ou anulam a presença significante e desejante do Outro.

Eles “vêm no lugar do que nos falta na relação de conhecimento”. Para alguns, desde então há consequente modificação do lugar do Outro parental, da função de identificação, de transmissão, de falta, necessárias para a via do desejo e a relação ao conhecimento.

Se algumas crianças podem ser desbussoladas outras podem, de modo paradoxal, encontrar no uso desses objetos uma nova bússola; nós devemos, então, ser mais particularmente cuidadosos com o uso que cada uma faz disso.

Robert Heinecken, untitled

Sabe-se, desde Freud e Lacan, que por estrutura, a criança é submetida desde sempre como sujeito à pressão do objeto perdido, ao gozo desse objeto perdido. Tomadas então pela insaciável exigência de recuperar esse gozo mítico do objeto perdido no cerne de uma suposta experiência de satisfação, certas crianças se encontram presas, com seus corpos, na aposta sintomática desses objetos gadgets modernos que lhes seduzem articulados que são ao mais de gozo. Um querer gozar toma assim o lugar de um querer dizer e de um desejo de saber.

A criança sem o tempo da mediação do Outro

Aí onde reina a ausência do desejo do Outro a criança pode se reduzir ao silêncio do objeto que assumiu o comando de seu ser complementando sua falta a ser. Esse Outro, Freud o define como o complexo de Nebenmench5, o complexo do semelhante, com que Lacan introduz a dimensão ética do encontro com a presença e o tempo do Outro. Freud o precisa: “é desta forma, junto ao semelhante, que o homem aprende a reconhecer”. É com a presença do semelhante como objeto humano, o mais próximo dele, muito cedo e em sua intimidade que o sujeito aprende a reconhecer, ao mesmo tempo: “o objeto de satisfação”, “o objeto hostil” assim como “a única potência que confere segurança”, segurança de um discurso que se estabelece o mais próximo de seu ser. A criança conhece mais seu objeto que o Outro, ela conhece melhor o modo de emprego do objeto gadget que a respeito do Outro. É o caso, então, do encontro com o desejo do Outro, que o perturba, que agita seu corpo e faz sintoma. O computador ou o gadget suplantou a palavra do adulto. A criança não sabe mais o que fazer com a presença desejante do Outro, com o olhar e a voz do Outro. Mas é preciso assinalar que algumas crianças fazem justamente um uso que pode lhes servir para conseguir conhecimentos sem ter que passar pelo Outro6.

Da criança instrumentalizada à autoridade silenciosa do objeto

As relações com o que representa autoridade na palavra e a presença do humano são alteradas em proveito da autoridade silenciosa do objeto gadget. A criança moderna que se tornou adolescente corre o risco de não mais alojar, como o adolescente de Rimbaud, a verdade de seu desejo “em uma alma e um corpo”7 mas alojá-la como irmã do gozo no objeto mais de gozar silencioso onde ela pensa ter o gozo, enquanto pelo contrário, o objeto goza dela. É aqui que a relação com o objeto gadget pode ter valor de novo sintoma, introduzindo um comportamento aditivo, curto-circuitando a relação ao outro. Assim também quando o outro humano mais próximo lhe fala e quer lhe dizer o savoir y faire que ele mesmo extraiu de sua própria existência, ela se angustia ou tem medo, donde surgem os novos sintomas fóbicos que vão do pânico à fobia social. Mas também no lugar do sintoma como formação do inconsciente surge um estilo de vida em que predomina o gozo.

Jake and Dinos Chapman, Zygotic acceleration, biogenetic, de-sublimated libidinal model, 1995

O imperativo do gozo e o objeto como sintoma

A questão é saber como essa criança moderna – que não se sustenta mais de seu desejo, mas da solitária relação ao objeto –, toma conta do excesso de consumo que lhe barra o acesso ao saber e ao inconsciente. Os desejos tão solicitados são transformados em necessidades, em imperativos de gozo que respondem à gulodice de seu supereu sem que a criança saiba demandar ao Outro. Ela quer tudo e tudo já8. Ela se encontra, então, vítima de um supereu feroz que a empurra para querer gozar de tudo e para o qual bem e mal se equivalem.

Controle remoto na mão, a criança conecta diretamente seu corpo com o objeto gadget que já era interrogado por Lacan em 1974: “chegaremos a nos tornar animados verdadeiramente pelos gadgets?”. Lacan não acreditava, mesmo afirmando, não obstante, que “verdadeiramente não há nada a fazer quando o gadget não é um sintoma”9. Lacan evidenciava deste modo, a solução do gadget como podendo ser para o sujeito um novo sintoma; parece abrir uma via mais digna para o objeto gadget. Não se trata de rejeitá-lo com a nostalgia dos tempos antigos, mas compreender o uso que o sujeito faz disso. Se ele pode ter valor de sintoma, é porque o sujeito pode se servir dele como um ponto de apoio localizado, ou mesmo como suplência.

Como se orientar com a psicanálise para dizer sim e não a essa língua?

Eu mostrei em Vie éprise de parole e La vraie vie à l’école como o aumento, na cena do mundo, da pretensão do direito ao gozo como bem se quer, conduz alguns para além de toda culpabilidade ao não ceder ao imperativo do gozo do supereu. Isto vem fazer reinar em sua língua, que não se articula mais ao Outro, o imperativo do Um sozinho que diz o que ele quer, quando o quer, e tudo isto sem nenhum recalcamento nem culpabilidade.

Escuta-se, então, uma língua carregada de tensão verbal e que se pretende separada da língua dita, de sentido comum, vivida por eles como superegoica. Não se pode mais se encantar com a aparente “liberação” dos valores morais ou da palavra que fariam acreditar que, em nome da autenticidade, se teria o direito de dizer tudo o que se pensa. Percebe-se em seu avesso o novo império do gozo, seu o-pior do gozo, que para além da diferença sexual faz crer a esses sujeitos, que eles teriam também o direito de gozar do corpo do outro. Isso ilustra bem como para alguns é o empuxo-ao-gozo de seu corpo, o se gozar no corpo da língua que lhes fazem, paradoxalmente, esquecer que têm um corpo, aqueles que receberam justamente de sua relação à língua articulada.

William Cordova, “Some of US were gladiators”, 2006

Éric Laurent, em seu texto, A sociedade do sintoma10 interrogava a posição do psicanalista e propunha seguir a via aberta por Martin Heidegger em sua conferência “Serenidade”11: trata-se de localizar o uso do gozo que o sujeito pode experimentar a fim de evitar o impedimento de fazer valer seus próprios pensamentos. A questão essencial colocada por Martin Heidegger é, então, de saber como dizer ao mesmo tempo Sim e Não para o sujeito. Esse Sim e Não colocados desta forma desnudam a particularidade do inconsciente para cada sujeito e resultam também no triunfo do supereu. Obedecer ao Goza! é obedecer à sua ordem, não obstante, restabelecer o censor é anunciar as devastações que virão nos novos retornos que fará a pulsão. A posição do psicanalista com relação ao gozo é de enviar o sujeito à sua particularidade.

Existir na particularidade do sintoma de sua língua.

De acordo com Éric Laurent comentamos que o grande movimento da civilização, seu hedonismo de massa, fez desaparecer a particularidade do sintoma. Há, entretanto, variedades clínicas no modo em que cada um usa do insulto ou da provocação12.  Nós devemos então saber oferecer o lugar, a situação onde cada um encontrará a singularidade do caminho que lhe é próprio, saber ser o destinatário, falando com os jovens sobre aquilo que lhes parece ser um impasse, aí onde precisamente eles são tomados pelo empuxo-a-gozar do Um sozinho em sua língua13. Saibamos, no que parece gelificado em uma palavra, abrir pequeno furos particulares onde cada sujeito poderá se liberar da tirania do gozo todo ou de falar nessa língua de provocação. Trata-se de tomar posição colocando-se a serviço da língua, ao “dar um pequeno empurrão na língua”, a fim de que cada um se sinta trabalhado por sua relação a ela, aí onde pensava que tudo era estabelecido segundo sua medida.

O que se goza nessa língua não é sem relação com o que se goza no corpo desses adolescentes vindo indicar essa alguma coisa que tem traço e cruza a língua imediatamente. Esse movimento pulsional, essa imediatez verbal da sensação que anteriormente era reprimida pela língua articulada e que hoje não opera mais, se encontra de certo modo liberado e incidindo diretamente na vida do sujeito. Uma certa consistência da vida acompanhada de uma língua inédita não pode mais ser diminuída de modo autoritário exercido por um mestre cego ou fascinado, isso não opera mais e pode, ao contrário, implicar devastações ainda mais consequentes.

Michelangelo Pistolleto, World Globe, 1966-68

Marion

Marion, treze anos, insultada em seu Facebook e em seu celular por adolescentes de sua classe, na quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2013, em vez de ir ao seu colégio e depois de ter consultado no Google o site Como se suicidar? decide se enforcar no cabideiro de seu quarto. É aí onde sua mãe a descobre mais tarde. O que aconteceu?

Nessa quarta-feira de manhã Marion diz à sua mãe Nora que está cansada e quer ficar na cama. Depois do café da manhã ela retornou para seu quarto. Na noite da véspera ela comunicou à sua mãe um sofrimento de amor e deu notícia de seu esgotamento. Nora a deixa então em seu quarto com o celular sob o travesseiro e sai para almoçar com uma amiga e seus dois outros filhos. Por volta das 13h30min a mãe se inquieta, sua filha não atende o celular, ela entra em casa se precipita no quarto da filha, arromba a porta que tinha sido bloqueada e a encontra enforcada, inanimada, presa a um lenço enroscado no cabideiro. Marion deixou duas cartas sobre sua escrivaninha. A primeira endereçada ao colégio. Aluna da quarta série, ela escreveu sobre o envelope o número de sua classe. Ela detalha seus sofrimentos, suas humilhações, os insultos ocorridos muitas vezes em plena aula e nomeia seus cinco algozes. “Minha vida virou de ponta a cabeça, ninguém pode compreendê-la”. Sobre o outro envelope ela escreveu “Minhas mil lembranças com vocês”, mas o envelope está vazio.

Os pais compreendem através de uma reportagem na FR3 que Marion havia se tornado a vitima de uns poucos e decidem apresentar queixa. Eles querem saber o que se passou no colégio e com os cinco alunos algozes. Segundo eles “esses jovens queriam eliminar sua filha”. E “não é porque são menores que eles devem ser desculpados”. Em seguida Nora procura os amigos de Marion para interrogá-los. Dizem-lhe para deixar as crianças tranquilas e ir fazer seu luto. Desconfiam dela, é tomada por louca. Os professores se calam. A diretora do colégio recusa receber os pais. “Nada permite pensar que Marion ia mal”.

Descobre-se que Nora queria anteriormente que sua filha mudasse de classe; desde a sexta série. Marion se deixava tratar de mongoloide e autista. Na quinta série um menino tinha endereçado um SMS: “Amanhã, na parada do ônibus você será morta”. Diante da demanda de Nora, o orientador tinha convocado o autor da mensagem que, ao lado de sua mãe, tinha balbuciado “Mas era por diversão”.

Geta Brătescu, ‘Vestigii’ (serie Vestigios), 1978

Nesse ano da quarta série ela se queixava de não poder trabalhar porque era tratada de tonta ou nerd quando ousava pedir silêncio em aula. No colégio era a balbúrdia, confusão, impostos por qualquer testa de ferro. Um aluno diz a uma professora: “você, eu te como”. Outro atira sua agenda no rosto de uma professora de história. No recreio lutam, e parece que às vezes bebem e fumam nos banheiros. O clima se apazigua e Marion se apaixona por um menino. Os pais a vêem mudar, ela escreve três mil SMS por mês ao seu amado.

Marion não se queixa mais de nada embora permaneça o alvo de um pequeno grupo de meninas e de um menino. Alban, que ela beijou um dia, depois rejeitou. Alban lhe tinha dito “a primeira vez será comigo”, mas ao se dar conta de que Marion ama um outro, se diverte com um grupo de companheiros a tratá-la de puta, diz que ela é gorda, não tem seios, é muito grave, a seus olhos ela é nada,  uma panaca.

É em seu quarto e sob seus lençóis que ela recebe tudo isso. Sem o conhecimento de seus pais ela criou seu muro Facebook. Sob o pretexto da perda de sua agenda, ela obtem outra, falsa, sobre a qual se atribui notas excelentes e um comportamento exemplar, que apresenta para seus pais assinarem, e outra, a verdadeira, na qual ela tem más notas e um comportamento deplorável com insultos e que assina no lugar de seus pais. Esse estratagema lhe permite não perder o enfrentamento aos outros.

Na véspera da tragéda uma simulação de incêndio impede Marion de partir. A quase totalidade da classe se agrupa em torno dela por uma banalidade. Com efeito, ela escreveu na parede sobre uma colega um dos comentários estúpidos que, tão frequentemente, leu sobre si mesma: “Lila, você é uma panaca, não gostamos de você”. Vaias generalizadas, Alban lidera a dança com outros pestinhas. “Você tem menos orgulho, hein?” Eles continuam pelos corredores “vamos arrancar seus olhos, te matar”. Do banheiro Marion chama sua mãe “não me sinto bem, eu queria ir para casa”.

Ela contata aquela que lhe disse: “se você voltar ao colégio eu te matarei”. Ela a tranquiliza, mas continua a lhe dizer “Você nos deixa tontos pra fazer do seu jeito, é convencida, vou lhe quebrar, você se acredita popular, tenta nos chocar e acredita que todos os caras te adoram”. Ela chama então seu namorado e diz “é melhor terminar o namoro para que os outros não te façam mal”. À noite ela se abriga nos braços de sua mãe, mas não lhe diz de sua ruptura amorosa e não diz dos pedidos de desculpas que deve fazer publicamente diante de toda classe para pedir perdão a Lila. “Ela não vai ter coragem de mexer com a menina, se ela aparecer eu vou matá-la!”

Quando informam a Alban a morte de Marion ele diz “Não é verdade, porra, não fiz nada, eu sou de jogar vídeogame”. No dia seguinte da tragédia é sua vez de receber ameaças de morte, seu pai decide então muda-lo de colégio. Sobre a página do Facebook intitulado Rip (Reast in Peace) aberta por seus colegas, as causas do suicídio não deixam nenhuma dúvida para eles e todos se dão conta de que o uso da língua injuriosa desarticulada do outro e seus objetos gadgets lhes fazem desbussolados. “O pior é que fizeram isso para brincar e hoje choram”.

Walter Nomura (Tinho), ‘Conversando com meus Mestres do passado’, oléo sobre tela, 2011

O efeito da linguagem e o mais-de-gozo

É disso que se trata em adolescentes como esses, de lhes oferecer entrar na linguagem mais do que em uma norma ideal14. A palavra é um dom da língua feita ao outro sobre um fundo de promessa, e assinala onde cada um, por mais pobre que seja, aceita se vestir de palavras para se ver amável e até digno de ser amado, servindo-se de seu sintoma. É aí que saberá o que deve ao Outro do símbolo com a condição de que lhe tenha sido oferecido o caminho certo, ou seja, que tenha sabido dizer sim à sua presença no mundo da palavra. Por isso o sujeito se realiza na falha onde surgiu como inconsciente, pela falta que produziu no Outro, seguindo a marca que Freud descobre como a pulsão mais radical: a pulsão de morte.

O supereu lacaniano é o rosto da pulsão de morte no qual são presos muitos jovens de hoje. É por isso que se busca estender o registro dos objetos a para além da lista natural a todos os objetos da indústria, da sublimação da cultura, a tudo que pode vir completar. São gotinhas de gozo, por vezes de pequenos nadas que dão o estilo de vida de muitos de nossos adolescentes e seu modo de gozo, lá onde reina a face do que Freud nomeia pulsão de morte.

É no momento da adolescência que chamei de o exílio (l’éxil) 15que se encontra esse furo no real sustentado pela divisão mais visível do corpo e do gozo. Com frequência é com esses produtos da civilização que a falta a ser do corpo procura se alimentar, se cortar, se ocultar, onde para alguns e cada vez mais a dívida simbólica foi devastada. A pulsão de morte se chama, aqui, a gulodice do supereu quando o símbolo não é mais o que se apresenta para marcar autoridade e devora o sujeito.

Como disse Éric Laurent, os adolescentes buscam também, como muitos sujeitos modernos, a presença do Outro entre eles16. O perigo de uma certa juventude sem qualidades e tragicamente sem memória nos remete ao que dizia Jacques Lacan em 196117 quando adiantava que a dívida simbólica pode não estar sob a responsabilidade de alguns sujeitos; desde então eles não se sentem mais responsáveis e se encontram “incumbidos de uma desgraça ainda maior desse destino de não ser nada”18. Não se desnudam à particularidade do sintoma para reinventar seu lugar no mundo.

Esses adolescentes diretamente conectados em um mundo imediato sem a mediação do Outro, se apresentam diretamente em ato e usam da escola para colocar em jogo seu desencadeamento pulsional no qual o se fazer ver e se fazer escutar ocupam a encenação de seus corpos. A pulsão de morte direta em estado bruto conduz ao pior de uma conduta desbussolada e fora de limites. É o que tornou a escola difícil para Marion, um espaço vazio à possível intervenção do Outro, resultando em fracasso a função do “ponto de apoio” do professor19. Nesse lugar é possível fazer valer o que é mais eficiente, mais do que se apoiar sobre um ponto ideal, com frequência rejeitado pelo adolescente, pois ele se orienta pela solução do ponto de apoio já encontrado, o sujeito com seu sintoma: “o insuportável do sintoma pode se transformar em ponto de apoio para que o sujeito reinvente seu lugar no Outro”20. “É na roupagem do discurso como tal que o sujeito pode se identificar e se apoiar para suportar o efeito de linguagem que é a angústia”21. As provocações linguajeiras, os insultos, os comportamentos desrespeitosos ou violentos são um modo particular de se situar na linguagem cobrindo toda a falta porque a linguagem do adulto, portador dessa falta, é muito angustiante e não cumpre mais a autoridade como antes. “A insolência não é mais que cobertura”22. Ela contém uma questão essencial que aguarda sua resposta, uma verdadeira resposta.

Para concluir Freud indica que a escola não deve esquecer a particularidade do sintoma, ela “não deve reivindicar para si mesma o lado cruel da vida” e “não querer ser mais que um lugar onde se goza a vida”, sobretudo quando é o sentido da vida, até o limite, que alguns adolescentes colocam em questão. Freud nos convidava a não recuar diante do sintoma “pouco satisfatório”, sobretudo quando, tal como o representa Marion, ele é a pantomima do teatro em sua versão da pulsão de morte.

Tours, 25 mai 2014

Tradução: Lucia Mello
Revisão: Raquel Veiga e Maíra Barroso Leo