Me inclui fora dessa: o analista e o lugar do saber
Laboratório: “Rekalque, aqui bate e volta” • Belo Horizonte (MG)
Márcia Regina de Mesquita
Marcilena Assis Toledo
Paula Melgaço
O laboratório “Rekalque, aqui bate e volta” é edificado com base na proposta da pesquisa intervenção1 no espaço escolar envolvendo o diálogo possível da psicanálise com a educação e que oferta como metodologia de pesquisa a Conversação com os adolescentes e professores. Está vinculado ao CIEN que nos acolhe e orienta sobre um saber-não-saber tão caro à psicanálise e de “difícil sustentação” numa sociedade que rechaça o não saber.
A operacionalidade do laboratório se dá no início de 2013 nas instituições escolares que trabalham com adolescentes. Atualmente, conta com a participação de três profissionais na área da psicologia e psicanálise e, recentemente, uma professora da rede estadual de ensino reforça seu desejo de participar, após as conversações realizadas com os adolescentes em sua escola. De lá pra cá, o trabalho do Laboratório tem desafiado as profissionais na experiência junto às escolas.
Me inclui fora dessa são palavras de um jovem durante uma Conversação em que lhe perguntam se queria participar da proposta de trabalho em pauta na ocasião daquele encontro. Hoje, essas palavras se apresentam como tema da Jornada Internacional do CIEN. Elas podem enriquecer nossa prática nas Conversações com adolescentes que, por um motivo ou outro, não seguem a norma do social, da instituição e são etiquetados de agressivos, hiperativos, indisciplinados, briguentos, dentre outras nomeações. Tais rótulos, muitas vezes, os engessam nesse lugar de identificação oferecido pelo Outro escolar, não sem consequências para a vida desses adolescentes.
Consentir com as contingências e com o não saber nas Conversações não é uma prática executada sem dificuldades. São momentos que apontam para um “possível” sucesso a ser verificado a posteriori, ocasião de uma saída inédita daqueles que participam da Conversação. Momentos que provocam angústias, ansiedades frente ao “(não) saber fazer” ao se deparar com o furo – marca do sujeito que, de acordo com Reis, (2013) precisa “ser respeitado no que apresenta como questão” e que vai na contramão dos discursos que ofertam respostas para tamponar esse furo. Respostas que buscam no discurso da ciência um “certo apaziguamento” ao tamponar o furo, o real, o ineducável de cada um.
No primeiro semestre os profissionais do Laboratório tropeçaram nos embaraços relacionados à condução das Conversações que, em alguns momentos, pareciam fazer uso de um discurso pedagógico. Isso se dava, mesmo levando em consideração a compreensão pelos profissionais da não utilização de um roteiro definido, conhecido ou predeterminado. Ana Lydia Santiago nos orienta a construir junto ao grupo um saber sobre aquilo que está subentendido e se apresenta como mal-estar no espaço escolar. Ofertar o lugar da palavra, acolhendo-a, favorecendo o aparecimento do singular de cada um. Cabe aos profissionais que conduzem as Conversações manterem uma posição do saber-não-saber. Esse é o seu ponto primordial para propiciar, na instituição escolar, uma possível mudança através da Conversação, considerando que o saber constituído é o que se impõe na instituição de ensino. Por muitas vezes, trata-se de uma imposição “pesada” tanto para os adolescentes como para os professores e também gestores. Sendo assim, a nossa entrada na escola talvez possibilite a abertura de um lugar para o vazio onde a palavra circule. E com a escuta do analista se favoreça um tratamento para o real invasivo, se desconstrua o peso das identificações e se favoreça uma torção no posicionamento do sujeito frente às contingências.
Nas Conversações realizadas em algumas escolas municipais de Belo Horizonte foi possível escutar professores que dizem de seu mal-estar ao se depararem com os “adolescentes de liberdade assistida2” na sala de aula. Quando uma professora nos indaga sobre a utilidade de nossa pesquisa e das conversações, dizendo que “ficar só na conversa não adianta nada” nos deparamos com uma demanda por um saber sobre o real que angustia os educadores.
Conforme nos ensina Miranda (2013, p.24), os professores muitas vezes desafiam o suposto saber e tentam colocar o analista no lugar do mestre, ou seja, daquele que dá soluções prontas e generalistas. Assim, um dos grandes desafios que cabe a esse profissional é tentar manter a posição de não saber. Ainda que seja convocado a dar soluções rápidas que excluam a palavra e o saber que cada um inventa.
Essa experiência de “inclusão” do analista no lugar do mestre é vivida pelos participantes do Laboratório, nas duas instituições de ensino – do estado e do município. Os educadores esperam na entrevista de devolução que os profissionais falem sobre o que fazer e como fazer, seja com os adolescentes que não corespondem ao ideal da escola, seja com os professores frente às suas questões e desafios vividos no campo da educação. Os participantes do Laboratório não ocupam esse lugar de saber, não respondendo às demandas, mas apontam para a implicação de cada um dos professores frente ao que se apresenta como sintoma. Contudo, esses afirmam que há diferença em estar com os adolescentes esporadicamente, como ocorre nas Conversações, e de estar com eles durante todo o ano letivo.
Nas duas experiências, os adolescentes “problemas” e os adolescentes “infratores” são, tanto para a instituição como para os professores, o sujeito que encarna o impossível para o Outro. Ele é o sintoma na mira do Outro (SANTIAGO, 2008, p. 114). Encarnando o impossível para o Outro é que a pesquisa universitária, particularmente a pesquisa intervenção pode realizar-se. Segundo Santiago a pesquisa intervenção “busca contemplar a dimensão da subjetividade para ir além da mera constatação do problema”. Seu desafio está na transmissão de efeitos terapêuticos e na formação dos pesquisadores naquilo que os próprios sujeitos nos ensinam sobre seus problemas. Acreditamos que Me inclui fora dessa também cabe aos profissionais / pesquisadores nesse trabalho através das Conversações, que, por diversos momentos, tenta “incluir” o analista no discurso daquele que é detentor do saber. O trabalho se fará efetivo quando o analista, estando avisado disso, ao ser incluído no circuito das angustias dos professores e dos adolescentes, sustente seu lugar de suposto saber e se mantenha incluído fora dessa. Sustentar o lugar do não saber faz parte do processo de formação do analista, de sua experiência na psicanálise em intensão e extensão, que acontece também no espaço de Laboratório e suas discussões com os demais laboratórios dentro do CIEN.