Laboratório: aFinarte Como se balizam os Laboratórios do CIEN
Cláudia Reis
“O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam”.
Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas
O aFinarte nasceu de um desejo antigo de quatro pessoas, transferidas com a psicanálise, criarem um laboratório do CIEN em Ribeirão Preto. Está em formação desde março de 2012 e a finalidade é a constituição de um espaço de endereçamento de demandas nas áreas da educação, saúde, direito e arte, provenientes de profissionais vinculados a diferentes instituições onde crianças e adolescentes desafiam um saber estabelecido e a produção de respostas aponta para um não-saber com tais desafios. Diante da dificuldade criava-se um encaminhamento para profissionais que atuavam fora da instituição, ou seja, diante de um não-saber demandava-se um Outro.
Segundo Philippe Lacadée1, pode estar na origem de um laboratório “um psicanalista que consentiu em sair de seu consultório para ir ao encontro de outras disciplinas”. Assim, em setembro de 2012, os profissionais que, em algum momento, demandaram o saber psicanalítico, foram convidados a constituir um laboratório de pesquisa que acolhe a interdisciplinaridade, as questões, impasses e o desejo de cada um.
Em cada encontro uma instituição apresenta as questões referentes ao real em jogo para a Conversação. Enquanto lugar de acolhimento da diversidade e de sustentação de uma posição que fluidifica o saber das normas e avaliações, observam-se os efeitos do fazer-se ouvir, ou seja, um deslocamento das posições de rigidez e engessamento que muitas vezes provocam os impasses.
Como nomear?
Atentos à questão do singular, toma-se por empréstimo à música a ideia do nome: “afinar é uma arte e cada instrumento tem a sua afinação específica”, comenta a professora de música. “A fina arte da escuta”, diz a psicanalista.
Interdisciplinaridade, diversidade de instituições, afinações e desafina-ções.
Algumas questões nos acompanham em relação ao laço institucional; à especificidade de profissionais de diferentes instituições poderem potencializar o efeito da alteridade e extimidade; à rivalidade imaginária e competição de saberes, avessas à proposta do CIEN que enseja que “as disciplinas iluminem umas às outras”.
Enfim, como se balizam os laborató-rios do CIEN?
Até este momento sustentamos o significante “laboratório em formação”.
A transferência ao trabalho do CIEN me fez participar da Conversação que aconteceu no IPSM-MG sobre os “Impasses nas conversações dos laboratórios do CIEN”2, contribuindo com as questões do laboratório aFinarte. Tal Conversação se constituiu num espaço onde diferentes experiências foram relatadas, enfatizando o impasse, a conversação e o efeito.
A partir da Conversação em Belo Horizonte, num tempo de elaboração, precipitou-se um momento de concluir pela inscrição do laboratório aFinarte no CIEN Brasil. Houve também um desdobramento em torno da questão “como se balizam os laboratórios”, com a localização de questões singulares que passam pela prática, pela política e pela psicanálise.
Pesquisando o significado da palavra “baliza”3, encontrei, dentre outros, o sentido “do que marca um limite, um sinal, que serve de referência ao trânsito, à navegação e a alguns esportes. Nomeia o pequeno furo que se faz nos cascos das canoas em construção para, cavando, regular sua espessura. É também o nome da árvore mantida de pé para garantir a formação de novas reservas florestais, na derrubada das matas”. Algumas articulações foram se configurando entre os significados encontrados e alguns significantes do CIEN.
O que há de específico na interdisciplinaridade que o CIEN inventa apresenta-se marcado por um traço de união, proposto por Philippe Lacadée que, segundo Judith Miller, consiste em “saber não saber”4. Na prática do laboratório cada disciplina se depara com dificuldades, com a falta, com o impossível que cabe à psicanálise “sinalizar, marcar os limites”.
O “pequeno furo”. Esse é o real da psicanálise a ser sustentado diante da consistência dos outros discursos. Esse real diz respeito à noção de sujeito marcado por uma falta que precisa ser respeitado no que apresenta como questão, ao contrário de outros discursos que insistem em responder na tentativa de fazer o Outro existir. Em lugar de depositar respostas, “cavar” até que se invente a “espessura singular”. Tarefa difícil a ser sustentada com o auxílio da análise de cada psicanalista presente nos laboratórios, uma vez que a insistência da pulsão é real.
Os impasses apontam para a dimensão de algo que não vai bem, da crise, que por sua vez revela estruturas que não funcionam mais. Nesse processo, o excesso precisa ser retirado, “árvores são tombadas”, mas uma, “a baliza”, “é mantida de pé para garantir a formação de novas reservas florestais”. O que deve ser “mantido de pé” é o sentido do traço quando se escreve interdisciplinaridade conforme orientação do Campo Freudiano. Traço que por um lado representa união e por outro marca o impossível de preencher. O que deve ser “mantido de pé” pelo discurso da psicanálise é o espaço para o não saber.