Laboratório: Medida e Liberdade O CIEN e a posição analisante

Mônica Campos Silva

A instituição jurídica trabalha com a noção de “melhor interesse” da criança e do adolescente. Para alcançar esse “melhor interesse”, no tribunal de família, uma equipe interdisciplinar assessora os juízes em suas decisões. Aliado ao discurso da ciência, o discurso jurídico convoca certo saber sobre o que é serem bons pais, cuidadores e guardiães.

A lei institucional, com seus protocolos e metodologias, busca os ideais para uma normatização, convidando os profissionais a um lugar de saber. Este convite foi de encontro com a formação de compromisso do sujeito estabelecendo aí uma sustentação, ou seja, a lei superegóica do analisante o deixava a mercê de uma exigência, que se aplicava à prática institucional. Se em um primeiro momento houve um acoplamento do sujeito – em seu lugar de técnico – com a verdade institucional, utilizando-se do sintoma e da crença nos ideais, o encontro com o real de cada caso fez ver a ineficácia dessa solução. A análise permite vacilar, para além da relação com a instituição, a verdade sobre o que é o melhor interesse de/para uma criança, modificando em sua prática a escuta desta máxima.

O percurso analítico viabiliza uma mudança na relação do sujeito com o objeto olhar, sendo possível deixar cair os ideais e permitir aparecer a condição de sujeito, descolada do discurso institucional. O abrandamento do superego possibilita um novo posicionamento na instituição, permitindo que aqueles que a procuram, com suas singularidades, possam advir, sem o aniquilamento pelos discursos instituídos. Esse giro na posição subjetiva, como consequência da análise, foi fundamental para que o sujeito pudesse se endereçar ao CIEN, extraindo das conversações interdisciplinares o lugar vazio, possibilitando que a coordenada principal na discussão dos saberes seja a singularidade de cada um.

Fragmentos de uma vinheta prática:

Fábio Magalhães

Ele seria um filho iluminado. Seus pais, frequentadores de uma seita, acreditavam ser o veículo para lhe trazer ao mundo. No entanto, a partir de seu nascimento, o pai passa a manifestar crises de violência, emitindo urros – como um leão. O relacionamento conjugal chega ao fim, com o afastamento da criança da companhia paterna, levando a mãe a pedir na Justiça a proibição de tais encontros.

Como se orientar neste caso? O que seria o melhor interesse para esta criança? Esse pai não respondia a nenhum ideal ou “saber” sobre a paternidade, e embora reafirmasse seu propósito de participar da vida e da criação de seu filho, nossa bússola para o caso e para uma possível resposta à instituição era a criança e seu modo de estabelecer sua demanda, fazendo-nos visar seu “melhor interesse”, ou seja, estar ou não com seu pai. Lançada a uma situação que lhe amedrontava, esta criança indicava uma orientação pelo pai. Em um atendimento, o filho, com três anos de idade, manifesta medo e horror ao pai, urrando como um leão. Percebido aí um traço de identificação e uma demanda ao pai, propomos ao juiz o reencontro paterno-filial de modo supervisionado.

Nos encontros com o pai, certo tratamento do real em jogo se deu. Tratava-se, do lado do pai, de uma demanda à instituição jurídica, a de “ser pai”, sendo acolhido com os limites que o próprio caso exigia. Para a criança, era um momento delicado, mas fundamental, permitindo dar certo tratamento às suas construções sobre o pai. Após as visitas acompanhadas, em que a criança pode construir seu lugar na vida do pai, bem como um lugar para esse pai “diferente” em sua vida, foi sugerido que tal convivência se iniciasse de modo gradativo fora do Fórum.

Privilegiar a questão do sujeito sem o ideal institucional de certa normatização, retirando-se da posição de saber o que é bom para ele, foi fundamental para que algo da ordem do seu “ser pai” fosse tratado e construído. O interesse maior da criança – demanda institucional – só foi acolhido porque houve tratamento da questão singular em jogo: um contorno do pai. Assim, para que o filho pudesse conviver com o pai e assim ser atendido em sua demanda subjetiva, foi necessário certo bordejamento da paternidade também com este pai. Onde havia um “pai leão”, pôde surgir um pai presença, menos demandante. Após a discussão interdisciplinar, o juiz autoriza as visitas. Através desse trabalho, pôde-se ai fazer um pai, e o filho, por sua vez, pode acolher, a seu modo, essa paternidade.