A judicialização das famílias: tentativa de normatização

Autor: Pedro Sandrini Imagem: yellow-and-black-pattern https://www.pexels.com/
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Laboratório Novas famílias e suas judicializações
Cristina Nogueira, Letícia Greco, Marcela Silva Andrade, Marília Oliveira, Mônica Campos Silva (Responsável), Pâmela Freitas, Thaís Campomizzi.

Verificamos que o desafio essencial ao direito de família na atualidade é a tentativa de normatizar e regular a família a partir da judicialização da parentalidade. Esta seria a intervenção do judiciário nos casos em que a filiação e as funções parentais não são exercidas e/ou não são, a princípio, reconhecidas, levando a uma demanda de regulação que pode ser realizada sem a concordância de algum dos envolvidos.

Ao ser atravessada por vários discursos em busca de sua constituição formal, a família contemporânea ganha certas problematizações.

Na atualidade, podemos perceber que a família ganhou gestores laterais – a justiça, a educação, a ciência – que vêm intervindo no seu modo de funcionar. Nesta medida, temos como consequência um excesso de regulação pelo jurídico na família, em resposta às demandas contemporâneas de normatização das relações parentais. Contudo, é importante perceber que, atualmente, em sua ausência de referência, a família permite e solicita a entrada desses discursos, e vem buscando também cada vez mais reguladores externos para sustentá-la, introduzindo uma sorte de efeitos para os quais ela também não se sente preparada.

O aumento frequente e imperioso de judicialização das famílias – tentativa de padronizar os laços familiares, desconsiderando o mal-entendido, o desejo, o segredo e o não-dito – como soluções para as questões contemporâneas, motivou a formação deste Laboratório. Sua composição contempla profissionais das diversas frentes de trabalho do TJMG que cuidam da criança e do adolescente e são orientadas pelo ECA. Assim, as questões cíveis e infracionais, bem como as disputas dentro do seio familiar e o reconhecimento das novas famílias são assuntos das conversações. Constatamos cada vez mais a interferência da lei, normatizando e regulando a família, estabelecendo padrões para constituí-las, retirando o direito à palavra, à singularidade.

Nas conversações, os técnicos falam de sua prática, extraindo um ponto comum – diante das diferentes demandas trabalho: ao ter que responder sobre o melhor interesse da criança e do adolescente, o profissional é chamado categoricamente a evitar o real. Aclarar isto que aparece como um imperativo permitiu localizar o impossível em responder que, em muitos casos, leva a encaminhamentos que excluem a singularidade, ou seja, à normatização. Uma colega da Vara Infracional testemunha que, durante uma audiência, o juiz lhe demanda dizer se o jovem que ali estava deveria se manter acautelado ou ser liberado sob a responsabilidade da família que resistia em levá-lo para casa. Esta técnica subverte a solicitação e responde, “não há resposta ainda, Doutor”, tendo como efeito um tempo maior de oferta da palavra para o sujeito e sua família. Ao permitir que um vazio de saber se estabelecesse, possibilitou também que os envolvidos pudessem se responsabilizar pela construção de uma resposta.

Deste modo, se não há como evitar o real, buscar não tamponar este buraco no saber com a prevenção padrão é uma das respostas do Cien. Procurar um cálculo, construído a partir do caso, tem sido uma das soluções apontadas pelo laboratório, apostando sem deixar, contudo, deixar a criança ou o adolescente à deriva ou que a medida protetiva não se torne preventiva, cerceando toda e qualquer possibilidade de uma nova saída.

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Outro recorte: na vara Cível da Criança e da Juventude, em que são tratados os casos de adoção e abrigamento, um impasse se apresenta. Os profissionais das Unidades Básicas de Saúde e das maternidades devem comunicar ao poder judiciário o atendimento a mulheres grávidas ou em trabalho de parto, usuárias de substância psicoativa e/ou que estejam em situação de rua ou de vulnerabilidade. Esta recomendação, protetiva e preventiva, visa retirar as crianças recém-nascidas do ambiente de extrema vulnerabilidade.

Embora o ECA indique a preferência à família extensa em casos nos quais a família principal não tenha capacidade protetiva e o acolhimento institucional seja compreendido como excepcional e provisório, pode-se perceber na prática que, a partir da intervenção do MP, o abrigamento de recém-nascidos aumentou significativamente. Nas conversações do laboratório, aparece a dificuldade diante da recomendação, pois seu caráter compulsório e o fato dos filhos serem retirados de suas mães sem qualquer medida prévia cria um clima ameaçador, autoritário, sem direto à palavra, condenando essas crianças a uma situação de orfandade. Por outro lado, a mesma recomendação aponta as consequências para uma criança vulnerável, sem proteção, exemplificando o caso em que uma mãe usuária de drogas saiu da maternidade com seu bebê, após dar à luz, e o vende. Nesta direção, para a lei, frente à incapacidade revelada pela mãe, a criança tem prioridade na atenção e proteção dos direitos.

As conversações levaram as seguintes considerações:

A oferta da palavra, em cada caso, poderia permitir a construção pelo sujeito de uma saída menos mortífera, protegendo essas crianças, mas sem retirá-las de forma generalizada e abrupta das mães, ou seja, sem uma prevenção privativa.

O caráter irreversível dessas ações cria um impasse entre proteção e prevenção.

Para os profissionais que são chamados a responder pelo melhor e maior interesse da criança, uma pergunta se estabelece: qual o lugar dado a cada criança ou adolescente nestes discursos?

A judicialização familiar compreende ainda sujeitos que, mesmo no lugar de filhos, estão vulneráveis, anônimos enquanto desejo, sem um lugar para se alojarem e se constituírem.

Como fazer um bom uso da judicialização, utilizando-a como espaço de implicação (pela palavra), intervenção e consideração dos laços para além de uma sentença judicial?