GOZAÇÕES
Claire Brissom
“O que é o assédio escolar na adolescência?” Tal é o título escolhido para uma conversação pública com os professores do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, iniciada em 2018 por um laboratório do CIEN, o Centro Interdisciplinar sobre a Criança. Nós visamos a noção de “assédio escolar”[1], que se tornou há alguns anos o principal instrumento para interpretar a violência da interação entre jovens. Surgido em torno dos anos 2010, este significante ganhou uma adesão incrível até a consagração, em 13 de fevereiro de 2019, de um “direito à escolaridade sem assédio escolar”, votado pela Assembleia Nacional. Este significante é revelador de um contexto político, dedicado a criar vastas categorias para nomear e objetivar o mal-estar social, sem perceber os efeitos auto-realizadores dos dispositivos de prevenção.
A conversação interdisciplinar em torno de situações práticas, discutidas caso a caso, revelou a inconsistência do binário assediador/assediado. Uma situação apresentada por um professor tutor do oitavo ano do Ensino Fundamental nos ensinou muito.
Recém-chegado em uma escola rural, o professor é interpelado por dois irmãos gêmeos que se queixam de serem tratados de “cocô de vaca” e de “bunda suja” por três rapazes da turma. Divertem-se de forma maldosa, verbalmente ou por SMS, com a ligação dos irmãos aos trabalhos da fazenda da família. Num primeiro momento, o professor tenta minimizar a situação, mas inventaram um rap do agricultor cujo refrão é conhecido na turma. As falas dos gêmeos nas aulas desencadeiam imitações sonoras e zombarias dos alunos; no recreio, são recebidos com mugidos. Isso persiste, apesar das reprovações e se intensifica quando os irmãos manifestam desespero.
A diretora convoca os autores das gozações. Virada teatral: quando o mais atrevido dos três é recebido sozinho, desaba e confessa ser ele próprio um alvo, pela sua obesidade e porque ele é, também, filho de agricultor – mas não de criador de gado, ele se apressa para especificar, que é filho de horticultor. Seu pai não trabalha “no rabo das vacas”, eles têm uma televisão, um vídeo game e ele não tem que trabalhar na terra do pai.
O professor se lembra de ter “caído da cadeira”, face à resposta desse rapaz. “O que fazemos agora?” – ele se interroga. Como tratar esse assediador assediado. Como abordar esta pequena diferença que ele formula para ser diferenciado dos mais “cocôs de vacas” do que ele? Aliás, o pai do rapaz se aborrece ao saber dos fatos. “Nada disso entre nós, somos gente da terra! Os inimigos não são eles!” – Isto se passa logo após os atentados terroristas de 2015, na França. O ideal paternal de um “nós” solidário do “gente da terra” comparava, manifestadamente e muito de perto, o filho ao estrume. No discurso do rapaz era preciso ressaltar a televisão e o vídeo game para aí se opor e instaurar, entre o criador de gado e o horticultor, uma outra segregação.
A decisão tomada pela instituição foi de não punir. Isso foi antes da lei sobre o assédio. Nós juntamos de um lado este rapaz, o mais implicado nas gozações, com o mais atingido dos dois gêmeos e, de outro, o segundo gêmeo, com os dois outros jovens. A dupla e o trio tiveram que produzir uma apresentação sobre o assédio, a partir de textos da lei vigente. Cada um se encarregou da proposta com seriedade. Os trabalhos, de qualidade, foram aclamados pela direção e o ano terminou sem nenhuma outra situação de assédio, sem outro incidente.
O efeito “cair da cadeira” seria hoje anulado pelo imperativo do protocolo e das punições. Um estágio de sensibilização ao assédio seria prescrito aos três “autores”, com a responsabilização dos pais pelas despesas e as “vítimas” seriam definitivamente identificadas como tais. Aqui, a situação foi tratada pela via de uma interpretação: não pela identificação de uns e de outros com papéis definidos a priori, não pela punição e a vitimização, mas, ao contrário, por um dispositivo que diferenciou “os gêmeos” um do outro, como também os “agressores”, uns dos outros.
Esta maneira de responder talvez tenha constituído, para cada um, uma solução pela contra-violência simbólica, sem reproduzir a lógica da exclusão que nós procurávamos prevenir.