Entre o questionamento agressivo e a apatia depressiva, conversação como campo de mediação subjetiva

Laboratório Digaí-Escola – CIEN-Rio – Bernadete Mara (coordenadora pedagógica e professora), Mirta Fernandes (psicanalista) e Pedro Araújo Marinho (coordenador pedagógico e professor)

Deep beneath the antílope canyon.
Photo by Ana Knezevic from Burst

Este recorte textual tem por objetivo apresentar a experiência da prática de conversação com jovens, ocorridas ao longo do segundo semestre do ano letivo de dois mil e vinte e dois com uma turma do ensino médio da Escola Alfa, em Macaé-RJ, composto por adolescentes entre 14 e 18 anos, três meninas e seis meninos.

Há a percepção, por parte dos professores, de uma resistência latente com as atividades escolares, tais como: atrasos frequentes, tanto na primeira aula como no retorno do recreio, não cumprimento de prazos na realização de atividades, e se recusar a permanecer em sala de aula, entre outros.

Na primeira conversação, poucas falas dos alunos foram recolhidas. A conversação se inicia com A., estudante mais velho do grupo, fazendo uma reivindicação; “Queremos aulas fora de sala de aula”, alguns colegas ratificam, e ressalta o fato de que todos se mantêm calados, que foram silenciados pela falta de respostas às suas demandas, mas eles continuam calados.

Depois dessa primeira fala A. continua e, num tom de crítica, acusa a escola de estúpida por não possuir um Grêmio como espaço de reivindicações e luta. Pedro, professor e membro da coordenação, interfere afirmando que a construção desse espaço pertence aos alunos e são eles que devem construí-lo. A. rebate, afirmando que a leitura de Marx seria indispensável para que tal espaço de discussão pudesse existir. Pedro continua e pergunta: “quem surge primeiro a teoria ou a ação?” Nesse momento, cessa o debate. A. parece ter sido atravessado por sua contradição e desvia o olhar.

Este primeiro encontro deixa algumas reflexões a serem feitas e nos convoca a um lugar de escuta. Existem resíduos de comunicação que não estão sendo escutados? Que falas estão deixando de ser ouvidas? Esses questionamentos nos convocam a pensar: o que fazer com isso?

Diante dos questionamentos, a equipe pedagógica se propõe a acolher a reivindicação dos estudantes de que todos os professores deveriam se envolver com a 17ª Feira de Ciências. Para isso foi proposto aos professores que buscassem se inserir nos projetos dos estudantes através dos conteúdos de suas matérias, aprofundando e orientando, sem, contudo, restringir a autonomia dos estudantes.

A segunda conversação se inicia a partir de demandas relativas ao trabalho pedagógico: definir tempos para construção dos projetos da Feira de Ciências nas aulas dos demais professores, com a inserção de seus objetivos naqueles projetos. Novamente poucos alunos se pronunciaram nessa conversação. Pontuações breves criticando as estratégias pedagógicas da maioria dos professores, exemplificadas no conteúdo no quadro da sala aula, e reclamações quanto às normas de convivência propostas pela instituição, como a impossibilidade de jogar futebol sem camisa na quadra. Manifestaram ainda insatisfação com o próprio processo da conversação, alegando que a escola oferece espaço de fala, mas não escutam.

E, nesse momento, o encontro é dominado por A., insatisfeito, insistindo que nada se fazia, nada mudava, enquanto os demais alunos se mantinham passivos, alguns no celular e outros apenas observando. Esse encontro se encerra com um impasse diante da atitude agressiva e desafiadora de A. para com os coordenadores, afirmando que os professores não mudavam, não trabalhavam com seus projetos, debochando quando a analista (Mirta) aponta as dificuldades e equívocos na comunicação, e a importância de confiar e acreditar nas possibilidades de mudança de ambas as partes (alunos e professores/escola). A. diz “se não consegue entender, então melhor mandar alguém que consiga”. Pedro já havia saído em função de seu horário de aula e Mirta encerra a reunião, apontando para o fato de que estava apenas “discutindo” com A. e os outros todos nos celulares.

Esse ponto de exasperação que resta deste encontro, para Mirta e Pedro, deixa dúvidas e questões sobre o manejo com os adolescentes, suas posições na relação com eles e uma grande incógnita sobre a função da conversação, esse espaço de escuta que é oferecido. Recolher os resíduos, suportar e acolher os equívocos, incluindo-se no impasse parece necessário.

Ocorrido o conselho de classe, diante da avaliação dos resultados da turma, há um consenso dos professores, coordenação e direção. Medidas disciplinares foram tomadas: aumento da censura ao uso do celular, terceiro atraso do mês como alerta para as famílias e suspensão no quarto atraso.

Num terceiro encontro, somente com Pedro, após a notificação à turma das medidas disciplinares que passariam a valer, aparecem diversas falas com relação às novas regras. A tônica era a dificuldade para chegar no horário. A pontualidade tornara-se difícil para a maioria desses jovens. Isso levou a direção, junto com a coordenação, a promover uma conversa sobre o assunto com a turma e, a partir principalmente das colocações de L. e de A., aceitas pelos outros alunos. A coordenação articulou com os professores envolvidos mudanças no horário para que eles pudessem chegar um pouco mais tarde à escola, o que alterou a rotina de professores e famílias, mas a reivindicação dos alunos foi atendida.

Ao longo da semana mudanças de postura foram percebidas, tais como: A. saiu de sua postura inabalável e superior, mostrando-se vulnerável para a turma, expondo suas dificuldades e se emocionando. Alguns alunos foram pontuais com o horário escolar comemorando explicitamente sua chegada no horário, se comprometeram diante da turma em apresentar o trabalho proposto para a escola e começaram a nomear incômodos com um professor.

Tendo em vista nossa experiência recente com a turma e o trabalho no laboratório, do que fica e não é necessariamente muito claro, fertilizam-se as ações. Ao suportar e acolher uma impossibilidade, produziu-se uma tomada de posição modificando a rotina pedagógica. A partir do impasse inicial colocado pelos professores, a falta de desejo e comprometimento dos alunos, e o não saber o que fazer com isso por parte dos professores, pode se localizar na conversação um impasse dos alunos diante do não-saber dos professores. Diante do que exaspera, ao fazer vacilar o lugar de cada profissional, abriu-se um espaço para construção de respostas singulares, dando lugar a algo novo e contingencial.