Laboratório O saber da Criança: Começo meio e fim.
Cláudia Regina Santa Silva (responsável do laboratório). Participantes: Beth Rossin, Cassia Rosato, Nataly Pimentel e Tatiana Vidotti.
Para início deste texto, já de saída, coloco algumas questões: Quando começa um laboratório do CIEN, e quando termina? Neste intervalo entre começo e fim, o que se pode verificar no percurso? Cada laboratório tem sua história, com pontos de intersecção, sejam pelos princípios que norteiam o CIEN, sejam pelos encontros e trocas nas conversações e nas manhãs de trabalho.
Para falar do que sustenta a existência de um laboratório, me parece fundamental tocar em pontos que são cruciais para o CIEN. O encontro entre pessoas de diversas disciplinas, um impasse no trabalho com a criança e o adolescente, e o desejo de que algo de novo possa aparecer, parece fundamental para movimentar a criação de um laboratório.
O laboratório “O saber da Criança” teve seu início em 2013 quando um encontro entre trabalhadores de instituições ligadas a crianças e adolescentes (tanto da área da Saúde como da área da Assistência Social) despertou o interesse em criar um laboratório do CIEN na cidade de Campinas. As primeiras conversações versaram sobre como um laboratório poderia funcionar. Localizamos que, da palavra fixada em impotências, ou de um impasse no trabalho com crianças e adolescentes, através dos encontros, algo poderia surgir. As questões que apareciam iam desenhando novos arranjos, saídas interessantes, a partir de algo que se deslocava de um ponto duro e poderia ir em outras direções. Esta era a aposta neste dispositivo do laboratório. E ao longo de algumas conversações ainda tímidas, leituras de alguns textos, nos encontramos com o CIEN digital e com um texto de Jacques Allain Miller “A criança e o saber”[1], texto que nos instigou. Em uma das conversações, no laboratório ainda se formando, um educador (com experiência em trabalhos com crianças em situação de rua) disse a seguinte frase: “Eu escutava muito das crianças quando trabalhava na rua: ninguém quer saber da gente, ninguém quer escutar o que dizemos. Mas nós também sabemos o que é melhor para gente”. E aí surge o mote do laboratório e seu nome: “O saber da Criança”. Como escutamos o que as crianças dizem, elas também sabem sobre elas, para além dos saberes que são construídos para elas, seja da pedagogia, da pediatria etc. O laboratório surge então nesta conversação. O saber da Criança passou então por diversas fases.
Um momento de formação.
Ainda estávamos entendendo o funcionamento. O que se caracterizava como uma conversação de fato? Os efeitos foram dando um norte. Passamos por momentos de euforia, quando percebíamos rearranjos possíveis, impasses que nos faziam caminhar
Momentos “altos”: tivemos algumas passagens onde verificávamos que de um impasse poderiam surgir novos arranjos. Também podemos contar como bons momentos as atividades promovidas na cidade (As conversações abertas para a cidade) e as conversações e os textos produzidos para as manhãs do CIEN, e os textos para o CIEN digital.
Momentos “baixos”: O laboratório também se deparou com momentos em que a demanda para o trabalho se caracterizou como demanda de supervisão, ou confusões de que o laboratório pudesse ser um local do discurso psicanalítico. Tivemos que nos perguntar como voltar ao rumo. Um trabalho que só foi possível localizando que o desejo de trabalho estava orientado pelos princípios do CIEN, sobretudo pela prevalência do impasse e de que o não saber orientava as conversações, mesmo que elas não produzissem de fato efeitos de mudanças ou outros efeitos de deslocamentos. Também passamos por momentos de esvaziamentos e outros de uma profusão de participantes.
Mas em todos os momentos, às vezes mais, às vezes menos, identificávamos um fio condutor, que sustentava tanto os momentos altos como os baixos. Neste percurso o laboratório ia tecendo sua existência sustentada nos impasses que surgiam orientados na escuta das crianças. Mas e quando esse fio condutor vai perdendo a força? O Laboratório “O saber da Criança” construiu um espaço na cidade, fez seu nome.
O que caracteriza um fim?
Nos tempos atuais uma pergunta começou a surgir: o que de fato está movimentando a existência deste laboratório? Na pandemia conseguimos sustentar as conversações mas já com a questão: como vamos incluir a voz das crianças? Conseguimos criar uma saída: recolhemos algumas falas de crianças via WhatsApp sobre como elas estavam elaborando a quarentena e o momento de pandemia. Esse foi o trabalho do ano de 2020. Mas já identificando um certo forçamento no impasse que nos fez trabalhar por esse ano. Depois deste trabalho foi possível verificar que houve uma mudança de rota, quando uma ex-participante do laboratório ligada à educação nos convidou a trabalhar junto com um grupo de estudos da Universidade de Campinas (UNICAMP). Naquele momento o laboratório teve a ideia de fazer duas conversações com esse grupo (GRE- Cotidiano- Grupo de estudos do cotidiano escolar) e o trabalho aconteceu de forma muito interessante. As conversações giraram em torno das angústias dos professores em viver a pandemia na escola e também as angústias da volta às aulas. Foi um momento rico e muito interessante. Neste ponto, vale trazer uma frase de uma participante sobre o efeito desta conversação do laboratório com o GRE Cotidiano: “Algumas reflexões circuladas nesses encontros são dignas de nota: ‘vivemos tempo de fratura’; ‘a escola não entrou em intervalo, pois a escola está sendo’ … e assim fomos produzindo laços com o outro, professora, escola e criança. Deslocamentos da escassez, falta, impotência para a invenção potente e com excesso de humanidade”. Esse trabalho aconteceu no ano de 2021. Mas reforçou a questão: Será que esse trabalho cabe neste laboratório, ou podemos extrair daí outros impasses e outras motivações de CIEN na cidade de Campinas? Já era hora de deixar cair algo que caminhava para uma cristalização, e deixar caminho para novas fagulhas, novos impasses que poderiam recorrer ao dispositivo do CIEN, como um dispositivo vivo, não como um laboratório que correria o risco de existir por um nome construído e não por um desejo genuíno.
Da conclusão.
Em uma conversação que aqui denomino conversação de conclusão, chegamos ao ponto de verificar que algo do “mote” “escutar o que as crianças tinham a dizer de seus saberes” já tinha caído. Não localizamos o que era mesmo que nos movia para querer falar de um impasse, embora sempre saíssemos bem dos encontros. Parece que esse efeito surgia mais pelo fato de falarmos entre pessoas que queriam estar juntas. A questão que se colocava nesta conversação era o motivo pelo qual estávamos lá. Algo deste “motivo” já havia caído, embora ainda identificando a vontade de estarmos juntos. Falando nesta última conversação localizamos a importância de deixar cair um laboratório que já não se reconhecia em seu impasse propulsor, para deixar algo em suspenso, talvez abrindo outros caminhos para o CIEN em Campinas. Por exemplo, com as palavras da participante, será que agora não é o momento de nos perguntarmos se há algo que passa pelo desejo de fazer um laço com a educação?
O ponto inicial do laboratório se deu em uma conversação na qual um educador social diz: como escutamos o que as crianças sabem? E teve sua conclusão em outra conversação na qual uma das participantes, no caminho até o encontro do laboratório se percebe pensando: onde mesmo podemos localizar a voz das crianças no trabalho do laboratório?
Escutamos os saberes que as crianças nos disseram em várias vozes, delas próprias, de psiquiatras, pediatras, enfermeiras, psicólogos. Mas não para sempre, e para continuar a escutá-las, faz-se necessário finalizar para talvez reabrir. Por agora o que temos a dizer é que o laboratório “O saber da criança” chegou ao fim de sua jornada.