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Robert Epstein e a construção da adolescência
Ana Martha Wilson Maia
Permanentemente conectado com os acontecimentos no mundo e vislumbrando as contribuições que a psicanálise pode oferecer às questões que atravessam a civilização, Miller tem sido “certeiro”, a cada vez que uma Jornada do Instituto da Criança chega ao final e ele anuncia o tema que orientará o trabalho, durante os dois anos seguintes.
Sua proposta foi especialmente impactante em 2015: na intervenção de encerramento da III Jornada, propôs ao Instituto e aos que participam de suas pesquisas que se dedicassem “a pensar em direção à adolescência”[1].
Com o declínio do patriarcado, entre as mutações da ordem simbólica, está a destruição da tradição. Uma nova tradição surge. Que efeitos podem ser apreendidos na forma dos adolescentes de lidarem, atualmente, com a inexistência da relação sexual, quando o Outro não mais existe[2]? Se o gozo do próprio corpo é solitário, a ilusão de se gozar do corpo do Outro não levaria os adolescentes desorientados a encarnar o corpo do Outro no grupo? Miller pontuou e desdobrou questões fundamentais e o trabalho de pesquisa se iniciou ali.
O que é a adolescência? Como vivem hoje os jovens que há pouco mais de um século se inserem no que chamamos de adolescência? São muitas as definições, tantas quantas forem as referências buscadas. Na antropologia, por exemplo, Le Breton a descreve como uma “época de ruptura, de metamorfose, de confusão, momento de uma entrada delicada em uma idade adulta cujos contornos ainda estão longe de se anunciar com precisão”[3] Seu estudo é dedicado às condutas de risco – tentativas de suicídio, toxicomanias, fugas, errâncias, distúrbios alimentares, adesão a alguma seita, entre outras – tão frequentes no que chamamos de passagem ao ato, na clínica com adolescentes. Para a psicanálise, “a adolescência é uma passagem lógica na escolha de uma posição na partilha entre os sexos, uma delicada transição em que o encontro com o real do sexo comumente suscita angústia e solidão. A queda dos ideais, o abandono das identificações parentais e o gozo indizível se presentificam na estranheza com o próprio corpo”[4]
Para Miller, as definições são controversas e não se sobrepõem porque a adolescência é uma construção, ponto em que sua intervenção introduziu a tese do psicólogo americano Robert Epstein (“que não é nada boba”, ressalta Miller) de que a adolescência é uma criação da cultura que impede que os teenagers, de treze a dezenove anos, sejam como os adultos, isolando-os em uma cultura que lhes é própria
Epstein é pesquisador visitante da University of California, em San Diego, e Fundador e Diretor Emérito da Cambridge Center for Behavioral Studies, em Massachusetts. Editor-colaborador da revista Scientific American Mind, foi editor-chefe da Psychology Today. Publicou diversos artigos em revistas, entre as quais, a Science e a Nature, cujos temas são relacionados à adolescência, sexualidade, criatividade, relações amorosas e motivação.
Em uma entrevista para a revista Época, Epstein[5] sustenta que a adolescência é uma invenção industrial de algumas culturas, uma vez que anteriormente os jovens aprendiam a se tornar adultos convivendo com eles. “Há mais de cem países em que não há qualquer vestígio desse tipo de mau comportamento juvenil – na maioria dos países muçulmanos e no Japão, por exemplo. Onde há vínculo com o mundo dos adultos, não existe esse tipo de problema”. Para ele, o comportamento problemático dos adolescentes não se deve ao divórcio dos pais, hipótese conservadorista, nem à ideia do cérebro imaturo, mito que ele derruba: “Eles passam 70 horas por semana com amigos da mesma idade. Não porque eles não queiram ficar com os adultos, mas porque os adultos não permitem que eles participem da vida adulta. Eles caem na armadilha da escola secundária e ficam isolados”.
Epstein critica a forma como são separados em classes, por idade, onde recebem os conteúdos das mesmas matérias, no mesmo ritmo. Considera que cada criança tem um modo de aprender e que a escola não é um lugar para todos. “Thomas Edson, o maior inventor que conhecemos, foi educado em casa”.
Assim, o título da matéria: “Abaixo a adolescência!” é sua forma de dizer que a adolescência não deveria existir e que devemos encarar os jovens de outra maneira, inclusive possibilitando aos adolescentes a escolha de se tornarem adultos quando queiram, a partir de suas habilidades. Epstein exemplifica com o número de negócios, milhares, que adolescentes já abriram na internet. Sobre o envolvimento com drogas, acredita que as abandonam se tiverem a oportunidade de trabalhar em uma atividade de responsabilidade, que de fato seja de interesse deles, pois na prática só conseguem atividades como varrer o chão ou trabalhar como caixa de lachonete.
O tema da responsabilidade é levantado por Epstein quanto trabalho, ao sexo e ao crime. Sobre a redução da maioridade penal no Brasil, tema polêmico que divide opiniões, sua posição é a mesma: “a lei deve proteger pessoas que são incapazes e não porque são jovens. Não é possível um jovem de 13 anos cometer um crime e ter total capacidade de entender o que fez? É claro que é.”
Estudos sobre anatomia e atividade cerebral, assim como pesquisas baseadas em técnicas de formação de imagens, justificam que um cérebro não desenvolvido completamente é a causa de problemas emocionais e comportamento irresponsável dos adolescentes. Para Epstein, “não existe um só estudo que demosntre a existência de um cérebro adolescente que seja responsável pelos problemas causados pelos jovens. […] é claro que o cérebro dos adolescentes tem um aspecto um pouco diferente do cérebro de alguns adultos. Isso não explica o comportamento”.
Epstein[6] refuta estas hipóteses, comentando que imagens de determinadas zonas do cérebro não possuem informações sobre as causas do pensamento, sentimentos e comportamento. “Existem claros indícios de que qualquer característica específica que possa ter os cérebro dos adolescentes – supondo que exista alguma – é o resultado das influências sociais, e não a causa da crise”.
Depressão, consumo de drogas e de medicamentos, suicídio, abandono escolar, etc, são considerados por Epstein uma criação da cultura moderna ocidental. E a “crise da adolescência”, o resultado de um prolongamento artificial da infância, reforçado pela infantilização pela qual tem sido submetidos pelos adultos.
É neste sentido de uma construção relativa a uma época que Miller nos apontou uma contribuição de Epstein, no debate sobre a adolescência. No tempo de incerteza quanto ao real, que Lacan articulou com o semblante, disse Miller, em sua intervenção, e uma vez que a adolescência é uma construção, “nada mais fácil que desconstruí-la”.