
ENTRE-VISTA COM DAMASIA AMADEO DE FREDA
by cien_digital in Cien Digital #23, ENTREvista

Autor: Miguel Á. Padriñán
Imagem: white-paper:
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Cien Digital, novembro de 2018, por CIEN-Minas
CIEN-Minas: O CIEN, em sua especificidade, consiste em apreender, via conversação, o ponto de real ao qual se está confrontado nas diversas disciplinas diante do esforço de normatização. Você salienta em vários textos que os jovens, atualmente, apresentam um “não sabe por quê” que não é proveniente de uma verdade oculta no sintoma. Esse “não sabe por quê” parece se referir a uma desorientação pela ausência de coordenadas identificatórias sólidas. Qual é o desafio que os adolescentes colocam para a prática do CIEN atualmente?
Damasia Freda: O que é possível extrair da clínica com adolescentes e crianças para o CIEN, a partir da particularidade que encontrei – o “não saber o que se passa” –, é acompanhado de uma grande preocupação por parte das escolas e de instituições sociais. Há uma imensa preocupação por parte dos agentes sociais em relação a certos sintomas que crianças e adolescentes apresentam. Essa preocupação por parte dos agentes, por não saberem o que fazer, leva à proposição de uma normatização via protocolos dentro das escolas. Isso é uma tendência da sociedade, é uma tendência dos governos também: a normatização de incluí-los, crianças e adolescentes, dentro de protocolos de comportamentos, devido a essa desorientação que há também entre os adultos, por não saberem, por não entenderem determinadas condutas nas crianças nos adolescentes. E, atualmente, em minha prática institucional, na universidade, onde temos centros de atenção às crianças e adolescentes, o que mais me chama a atenção é a quantidade de demandas das escolas pelo que se chama de hiperatividade ou síndrome de déficit de atenção nas crianças, por lhes atribuírem uma falta de atenção, uma falta de concentração associada a uma hiperatividade. Ou que essa hiperatividade faz com que não possam se concentrar nas tarefas que se acredita serem as centrais. É importante notar que crianças vistas com base nessa catalogação não apresentam essa hiperatividade no consultório nem distração às perguntas que são feitas. Há uma normatização. Colocam-se nomes em mudanças que se apresentam na cultura, mudanças de gerações, mudanças que ocorrem com a entrada no novo milênio. Crianças que chegam a partir do ano 2000 são hoje os adolescentes tardios. Para os que nascem em 2010, 2011, por exemplo, temos que pensar que as configurações são muito distintas. Já são nascidas no mundo virtual, nas novas tecnologias; têm uma facilidade e destreza para manejar os aparatos eletrônicos que a maioria dos adultos não tem. Isso faz com que tenham uma relação distinta com o conhecimento, muito diferente da imagem que tínhamos. Há muitas informações que podem buscar simultaneamente. Apresentam, assim, uma capacidade de atenção muito distinta daquela que se pretende, de que prestem atenção ao professor ou ao educador, a essa figura do saber. Esse problema faz com que o professor ou o educador, como agente do saber, como sujeito suposto saber, como chamamos nós, psicanalistas, já não funcione mais. A instituição escolar é primitiva para essas crianças e adolescentes.
Há que se considerar que há uma mudança de paradigma no século XXI e que as crianças são os protagonistas que encarnam esse novo paradigma, e, nesse sentido, estão mais adiantadas que nós, adultos, que pertencemos a uma geração anterior. Nesse sentido, creio que os adultos estão mais desorientados que as crianças.
CIEN-Minas: Então a desorientação está mais do lado dos adultos, dos educadores?
Damasia Freda: Em relação a isso, sim. Além disso, creio que – isso é uma hipótese – se há uma desorientação ou se há condutas que manifestam alguns adolescentes que respondem a uma desorientação, os adultos não estão mais orientados que eles. Essa desorientação está localizada numa ruptura que existe entre a cultura e a sociedade no século XIX e no século XX, sede dessa transição até uma nova configuração social. Antes havia o que era chamado de instituições sólidas, a ideia de Pai ou de qualquer figura de autoridade para, de alguma maneira, representar essa figura patriarcal, como chamam algumas correntes. Desde a psicanálise – não só a psicanálise, mas a sociologia, a história, a antropologia –, classificaram o século XX como o século em que essa figura da autoridade foi desaparecendo, abrandando, se dessolidificando para que passássemos ao que chamamos de uma sociedade líquida. Essa é uma hipótese e continua sendo, de alguma maneira. Essa noção que nós, na psicanálise, chamamos de Pai. Freud chamou de Pai essa ideia central, o núcleo central do Complexo de Édipo, que podia ser descoberto a partir do sintoma, desarticulando-o e descobrindo as condições edípicas de cada um, cujo fator principal era o Pai. Lacan, cujas ideias seguimos, traz o significante Nome do Pai. Tudo isso é o que foi desarticulado durante o século XX, chegando a sua forma mais contundente no século XXI. Minha ideia, minha hipótese, é a de que a desorientação, ou, dizendo de forma afirmativa, a orientação dada pelo Pai, foi perdida. A perda dessa bússola deu lugar a uma desorientação. Observamos mais essa desorientação nos adolescentes, mais que nos adultos e mais que nas crianças. Por que mais na adolescência que em outras faixas etárias? Porque, como Freud dizia, seguramente com razão, na infância, recorria-se ao Pai como elemento, sobretudo, de identificação. Para Freud, o Pai era a primeira figura de identificação; a primeira forma de identificação era com a figura paterna, ou com o Pai como noção. Por outro lado, Freud destacava em seus outros textos que o adolescente se separava do Pai para eleger outro – os professores, tutores, enfim, os orientadores de seu futuro –, para concluir a etapa da adolescência e passar à vida adulta. Se essa noção de Pai está afetada desde o início, na adolescência, por haver essa passagem de uma figura a outra, se a figura orientadora está afetada, nos deixa nessa desorientação. Essa era minha ideia. Essa desorientação manifestada no “não sei o que me passa, não sei o que faço aqui… o que se passa comigo não tem nenhum sentido digno de ser tratado pela palavra…” se faz presente também nos agentes envolvidos com os adolescentes, porque não sabem o que fazer com eles. Então estamos todos desorientados, devido a essa crise. O orientador, essa noção de Pai, não é mais regulador das famílias, dos governos. Não encontramos mais isso.

Autor: Elcarito
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CIEN-Minas: Recentemente, no CIEN Minas, em uma conversação com professores, educadores e familiares, ficou evidente o recurso à medicalização de crianças e adolescentes como saída para impasses enfrentados no campo da educação: os professores dizem que não sabem mais o que fazer com problemas que são da família, e os familiares, por sua vez, dizem que estão solitários, sem apoio. Em outra conversação com profissionais do campo do Direito, é marcada a situação na qual, primordialmente, pré-adolescentes e adolescentes, quando adotados, são devolvidos, como mercadorias, porque não “agradam” as famílias adotivas. Uma pré-adolescente considerada insuportável faz uma peregrinação por algumas famílias. Como trabalhar com esses impasses na conversação?
Damasia Freda: Primeiro, a medicalização de crianças e adolescentes e, depois, a adoção de adolescentes que são devolvidos como objetos de mercadoria. O que chama mais atenção é como é natural para as famílias medicar as crianças, por exemplo, dar um sedativo para que não incomodem à noite; como as famílias consideram normal medicar uma criança ou adolescente porque um neurologista indica por considerar que haja um déficit de atenção. É consequência do progresso da ciência a forma quase planetária que assumiu o sistema capitalista, no qual o que se ambiciona como objetivo a ser alcançado é a mercadoria. Se há algo que designa um valor humano, algo que designa uma pessoa, já não é o que se sabe, a autoridade que se impõe, mas sim os objetos que tem. Daí as pessoas passam a ser mercadorias. Isso se vê muito claramente nas adoções. Os pais, quando vão adotar, querem uma criança com determinadas características, como objetos. As tecnologias já permitem manipular os genes não para evitar doenças, mas porque pessoas querem ter filhos com determinadas características, como objetos. Isso faz com que eu possa devolver uma criança, como um produto num supermercado, porque não me satisfaz, porque não funciona.
CIEN-Minas: Em seu livro El adolescente actual você comenta sobre a conversação no subtítulo “La conversación y la lengua desarticulada”. Você diria que, na atualidade, os adolescentes continuam falando entre si, mas numa falação sem se dirigir ao Outro, de forma desarticulada em relação ao Outro?
A conversação poderia propiciar ao adolescente fazer uma nova articulação com algum Outro?
Damasia Freda: Sim. Não digo que não. Os adolescentes conversam entre eles ou não, na medida em que conversam com os aparatos eletrônicos, conectados com muitos outros adolescentes. Teríamos que ver essas conversações também, já que hoje em dia predominam as conversações virtuais, e não a conversação com grupos de amigos.
CIEN-Minas: Teria um efeito distinto quando um analista convida para um espaço de conversação?
Damasia Freda: O que creio é uma ideia, porque também sou docente, na universidade, de alunos que também são adolescentes, de uma adolescência prolongada, porque são jovens. Creio que há uma crise de desejo de saber como a academia o propõe, tal como Freud considerava. O bom encontro com um professor era determinante para Freud. O desejo de saber, nesse sentido, está muito modificado. Os adolescentes atuais têm uma relação distinta com o saber. Eles sabem. Não é que eles não saibam, mas têm uma relação diferente. Necessitam do Google para saber as disciplinas, para saber história, geografia. O problema não é que não saibam; é que há uma ruptura com o Outro encarnado como figura de saber, como tesouro de saber. Se nós procurarmos a conversação para rearticular isso, não me parece ser recomendável, porque o paradigma está mudado. Me parece que é mais positivo entender como os adolescentes interpretam a sociedade contemporânea do que como os interpretarmos.
CIEN-Minas: Nossa última pergunta é sobre o projeto que vimos ali da rua Sapucaí, que é o CURA, sobre os grafites. O modo como o adolescente se apresenta no mundo muitas vezes passa por algo marginal, fora da Lei. A pichação, diferentemente do grafite, é vista como algo marginal, fora da Lei. O que você poderia nos dizer sobre a manifestação dos adolescentes em relação a esses dois modos de agir na cidade, tanto a pichação quanto o grafite?
Damasia Freda: A pichação, diferentemente do grafite, sempre foi uma manifestação política dos jovens e adolescentes com um compromisso social que os adolescentes atuais não mostram. As pichações estavam sempre relacionadas a manifestações políticas de oposição, reivindicação… já o grafite é uma arte. Não posso dizer muito dos murais da cidade de BH, que são charmosos e me encanta que se cubram enormes paredes de edifícios. São grafites. Recordo-me do caso de um adolescente que fazia grafites. É claro que os grafites têm essa característica de utilizar os muros, as paredes. Quando entra o município, o governo, perdem o encanto (risos). Recordo que o adolescente me relatava que saía de noite com amigos para procurar espaços diferentes, entre eles, vagões de metrô. Havia trechos com leis muito específicas, que diziam que não poderia, que proibia grafitar os monumentos históricos e os patrimônios da humanidade. Respeitavam determinados espaços. A arte é sempre transgressora; não é possível fazer arte quando sou incapaz de inovar, fazer algo novo. A transgressão – e a arte é isso também – é instalar uma Lei nova, uma nova regra dentro desse movimento artístico. Quando está muito normatizado, é difícil que a criatividade surja. A arte é, sobretudo, liberdade de expressão.
Na ditadura militar argentina, os comandantes decidiram pintar de branco os troncos das árvores até um metro e meio de sua altura. Então, eram todas iguais.
Aqui se passa o contrário. Na paisagem da cidade há essas figuras enormes, diferentes… esse vestido, por exemplo. Creio que é um tema interessante que o Brasil perceba se os grafites e as pichações continuarão existindo, seria bom tirar fotografias. Os grafites nos dizem se a cidade transpira arte ou não. Pessoalmente, me encantam os grafites e as pichações de jovens e adolescentes no Brasil e, sinceramente, espero que não as pintem de branco.
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A psicanálise bastante viva
by cien_digital in Cien Digital #14, ENTREvista
Uma entrevista com Eric Laurent1
Eric Laurent aceitou prestar-se ao jogo de questões e respostas sobre o tema de sua última obra, A batalha do autismo, publicada por Navarin em outubro de 2012.
Pergunta: O Sr escolhe um vocabulário marcial para o título de sua obra – A Batalha do autismo (La bataille de l’autisme) –, a fim de evocar os debates calorosos e os ataques contra a psicanálise que se seguiram, notadamente pela proclamação pelos poderes públicos, no ano passado, do autismo como uma grande causa nacional.
Se ampliarmos o debate, o senhor estaria de acordo em dizer que o autismo como “batalha” deve ser englobado em uma guerra mais geral, e, se a resposta for sim, poderia nos precisar seu contorno?
Eric Laurent: Batalha, combate, são palavras com as quais muitos pais de crianças autistas qualificam o confronto cotidiano com as consequências do modo de ser e do sofrimento de suas crianças. Retomei essas palavras para qualificar o confronto entre os adversários da psicanálise e esses que alguns chamam, através de um neologismo original, a “psiquiatria-psicanálise”, e nós, que desejamos propor uma abordagem plural dos sujeitos autistas em sua diversidade.

Nuno Ramos
Pergunta: A respeito disso, o que pensar do paradigma cognitivo-comportamental, do qual até mesmo alguns partidários, como o psiquiatra Laurent Mottron, e também alguns autistas de alto nível (não especialmente favoráveis à psicanálise) – colocam em questão certos tipos de tratamentos inspirados nessas teorias, como ABA: podemos considerar que esse paradigma e suas consequências clínicas fazem um sucesso na Europa no momento mesmo em que ele perde um pouco de fôlego nos países anglosaxões (como o senhor tão bem nos explica na parte sobre as vibrantes discussões em torno do DSM V)?
Eric Laurent: Constato que a via “Tudo TCC”, em particular isso que a equipe de Monttron chama “a indústria ABA-Autismo”, provoca inúmeras oposições, por razões muito diferentes. Há a oposição dos próprios usuários, os autistas de alto nível. Há a oposição dos burocratas da saúde que não querem ser arruinados pelo custo dos tratamentos individuais – ABA, especialmente proibitivos (60.000 $ anuais por tratamento). A Suécia renunciou a todo ABA para escolher tratamentos TCC mais ecléticos e lights. Há também nossas objeções, que se formulam contrariamente ainda. Esse momento de desilusão em relação a isso que era um frenesi, deve nos permitir precisar melhor o tipo de aprendizagens não estritamente repetitivas que nós sustentamos. Uma aprendizagem que possa incluir a repetição e o jogo.

Bruno Kurru
Pergunta: A questão do diagnóstico do autismo. Por um lado o senhor não pensa que, em relação ao movimento de extensão do espectro autístico, cujas questões o senhor mostra bem em sua obra, temos o interesse em afinar nossas referências de modo a localizar uma categoria operatória do autismo, ao que contribui sua teoria do “retorno do gozo sobre a borda”? Por outro lado, nesse contexto, em que seria pertinente manter o autismo sob a lógica da forclusão (o senhor evoca a “forclusão do buraco” no autismo)?
Eric Laurent: O que está em jogo é manter o que nós apreendemos das relações da forclusão e do real em um campo que não se define pela forclusão do nome do Pai. Nós não estamos mais no campo da psicose e, não obstante, os modos operatórios do sujeito se parecem, se recobrem, se separam, isso que fez o fundo das dificuldades do lugar da clínica do autismo.
O ponto fundamental, entretanto, é que existem fenômenos clínicos no autismo que não têm correspondência na psicose. Para resumir, tudo que vem da pura repetição do UM, sem implicação do corpo ou do imaginário.
Pergunta: O autismo é um significante que em sua escrita aparece sob uma dupla acepção: ele pode ser considerado como o cavalo de Troia dos inimigos da psicanálise numa “batalha do autismo”, mas se constitui também como um significante principal em nosso campo, como uma categoria operatória que permite afinar o diagnóstico de psicose.
Contudo, nessa extensão do diagnóstico do autismo a partir dos critérios estatísticos do DSM-IV, em que aparece então como uma denominação vaga que obscurece todo o campo clínico, não encontramos alguma coisa de intrínseco ao movimento de nosso mundo contemporâneo, que iria no sentido de um “núcleo autístico”, aquele de uma radical solidão de todo sujeito, próximo das elaborações de Jacques-Alain Miller sobre o Um sozinho?

Ana Miguel
Eric Laurent: Você situa muito bem as questões desse duplo movimento.
A característica epidêmica da denominação do autismo na nova clínica psiquiátrica da criança não é somente um fenômeno ligado a uma imprecisão dos critérios diagnósticos como pensa Allan Frances, o responsável do DSM IV atualmente crítico ferrenho do DSM IV.
É o resultado de um conjunto de fatores que examino no livro. É também, em última instância, a percepção, na clínica, do lugar da pura repetição que engaja o corpo. Nessa perspectiva, a solidão não é aquela do sujeito mas aquela do Um do gozo.
Pergunta: O sujeito autista e a instituição: Antônio di Ciaccia pretendia distinguir a prática com vários do trabalho em equipe, para reservar a primeira às intervenções junto aos sujeitos autistas. Poderíamos postular que essa distinção convida a pensar que o autismo é uma defesa contra a loucura. Trata-se então de se introduzir no universo do autismo respeitando essa defesa, permitindo que aí se instale um outro que a criança possa tolerar, um outro compatível com suas defesas. O senhor pensa, então, que essas elaborações nos incitam à consideração de que haveria uma prática com os sujeitos autistas distinta da prática com a criança psicótica propriamente dita?
Eric Laurent: Parece mais que o sujeito autista sai de um autismo de baixo nível de funcionamento para um funcionamento de alto nível, como se exprimem aqueles que falam nesses termos.
Digamos que, para nós, permanecemos na mesma topologia de um espaço que não é estruturado como aquele no qual se coloca o sujeito psicótico. Saímos do autismo para retornar ao autismo, mas de outra forma.
Pergunta: Tratar-se-ia, então, de considerar que o manejo do – tratamento – com, ou as intervenções junto ao autista – não são para fazê-lo cair na loucura: trata-se de fazer a criança sair de seu autismo ou de emparelhar-se com esta defesa de modo a permitir ações mais humanizantes?

Maria Helena Vieira da Silva
Eric Laurent: A metáfora segundo a qual a intervenção junto ao sujeito autista teria por horizonte “levar à loucura”, será cada vez menos admissível. É preciso renunciar a isso. Trata-se de se apoiar sobre o uso autístico do objeto para ampliar o mundo do sujeito e lhe permitir encontrar seu lugar em um Outro sempre disponível ao deslizamento da língua e à contingência.
Pergunta: Aprendemos muito bem, graças às descrições feitas pelo senhor e às reivindicações de certos grupos de pais de autistas, a importância da comunidade para esses sujeitos agrupados em associação, assim como para os autistas de alto nível que reivindicam também pertencer a esta mesma denominação.
Poderíamos ver aí um retorno ao que Lacan descreveu em seus Complexos familiares, sob a forma desses grupos familiares que tomaram como suporte os elementos da comunidade, quando a psicanálise, ao contrário, nasce no contexto da subida ao zênite do individualismo contemporâneo.
Estaria o senhor de acordo em distinguir a prática com vários do suporte do sujeito autista por uma comunidade?
O senhor não veria aí uma das razões dos recentes ataques contra a psicanálise que se inscreve contrária em relação a esse retorno dos comunitarismos?
Eric Laurent: Temos necessidade de dialogar com as associações de pais ou de simpatizantes de sujeitos autistas que possam escutar a voz daqueles que estão privados de obter direitos específicos. Essas associações, quando elas são heterogêneas, não agrupam somente pais de autistas, não apenas simpatizantes de autistas, não somente partidários de uma única abordagem, não apenas uma mesma faixa de idade, etc. serão mais sensíveis às proposições que fazemos de uma abordagem pluralizada, implementada nas instituições caracterizadas por esse modo múltiplo que é a prática com vários. Elas se afastam do modelo da comunidade de crença.

Rafael Silveira
Pergunta: Seu livro é construído em duas partes: a primeira é teórica e oferece ao leitor os avanços mais detalhados sobre o autismo, inspirados nos trabalhos do último Lacan transmitidos por Jacques.-Alain Miller, mas igualmente, de suas últimas elaborações. A segunda parte é mais política, o senhor posiciona-se aí como um cidadão esclarecido da cidade e demonstra as saídas dessa “batalha do autismo”, coloca em jogo seus laços com o Big Pharma e suas verdadeiras procuras da genética, que pretendem ao contrário cada dia fazer avanços maiores.
Pode-se considerar que o senhor dá, por tal composição, a via da posição que o clínico orientado por Freud e Lacan deve ter na cidade: informado, combativo e o mais próximo das questões políticas e clínicas? Isso pode permitir, para os jovens clínicos, por exemplo, não se deixarem levar por um certo fatalismo que pretende que a psicanálise, atacada por todas as partes, está acabando de morrer?
Eric Laurent: Como estaria acabando de morrer! Deixemos a pulsão de morte lá onde ela está, quer dizer, na civilização. A desordem no real testemunha isso suficientemente e nós o exploraremos na ocasião do próximo Congresso da AMP em 2014. A psicanálise não cessa de propor sua réplica a essa pulsão de morte. O cientificismo contemporâneo é um dos nomes dessa pulsão. Ele pensa que resolve os sintomas do vivente por um saber estatístico fetichizado, visando reduzir a particularidade a uma variação cifrada.
É preciso, aliás, distinguir a precisão preditiva da série estatística do reconhecimento dos limites desse saber. Um estatístico genial como Nat Silver, “king of quants” (rei da quantificação) como é chamado, mantém em seu blog hospedado no New York Times <http://fivethirtyeight.blogs.nytimes.com> uma crônica muito contemporânea dessa tensão e dessa delimitação necessária. Para a genética, é preciso seguir a querela das interpretações, que faz tanta raiva na ciência biológica quanto a querela das interpretações da mecânica quântica em física.

Valeria Vilar
Os exageros de Big Pharma sobre os resultados efetivos dos medicamentos, sua minimização dos efeitos nefastos, as dificuldades de interpretação dos resultados dos ensaios clínicos controlados (ECR), passaram, agora, de empresas fechadas à praça pública. Os escândalos não tocam somente aos psicotrópicos mas a todas as classes de medicamentos (cf: Vioxx, Mediator, as estatinas (statines) etc.). O jovem clínico está agora imerso em tudo isso. Ele está em um mundo em que ele mesmo toma medicamentos, como todo mundo, em que a heroína do seriado Pátria-(Homeland) toma regularmente seus psicotrópicos, onde o cenário do filme O lado bom da vida (The silver lining playbooks), com Bradley Cooper, Jeniffer Lawrence, Robert De Niro, faz de Bradley Cooper um simpático bipolar, confuso como todo mundo em seus amores. O diretor e roteirista David Russel revelou que ele fez o filme para seu filho de 12 anos, diagnosticado de bipolar. É preciso ver o filme que é um sucesso: foi prejudicado pela tradução francesa do título como Happiness Therapy.
É um modo contemporâneo no qual a loucura encontrou seu estatuto ordinário, que não é somente aquele de uma doença, mas de um modo de ser. Esses que não tomam medicamentos, substâncias psicotrópicas legais têm recursos às substâncias ilegais, leves ou pesadas.
Esse modo é o nosso, aquele em que a ciência não nos chega apenas sob os gadgets e latusas, como se exprimia Lacan, mas sob a forma dos psicotrópicos e do cálculo de nossa vida pelo computador, o tablet super portável e o smartphone. Para se orientar nesse mundo e reconhecer o lugar do sujeito não é suficiente a localização pelo GPS, é preciso as referências da psicanálise muito viva, essa de hoje.
Entrevista realizada por Dominique Holvoet e Virginie Leblanc, originalmente publicada na revista Coutil en ligneS, n. 10.
Tradução: Cristiana Pittella de Mattos
Revisão: Maria Rita Guimarães
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Robert Walser, o passeador Irônico
by cien_digital in Cien Digital #15, ENTREvista

Robert Walser, Mikroschriften, 19322
Entrevista de Philippe Lacadée por Simone Bianchi1
Ensinamentos psicanalíticos da escrita do Real
Phillippe Lacadée no seu livro Robert Walser, o passeador irônico,3demonstra a importância da ironia em Robert Walser. Sua relação irônica com a língua lhe traçou um destino bem particular. Graças à invenção de uma escrita microgramática e o método do lápis – escrita minúscula do lápis sobre os pedaços de papel – Walser conseguiu manter uma imagem de seu corpo e sustentar um mínimo de laço social. O Real que constitui o romance na obra de Walser é também o trabalho do poeta.
Simone Bianchi: Você poderia nos dizer, em poucas palavras, quem foi Robert Walser?
Philippe Lacadée: Robert Walser é um escritor suíço alemão que foi reconhecido na sua vida pelos grandes – Franz Kafka, Robert Musil, Walter Benjamin. Apesar de ser reconhecido como um grande escritor, isso não o afastou do caminho que, como ele próprio dizia, o conduzia a ser um homem ordinário mas, sobretudo, a querer “ser um ravissante zero todo redondo”4, a fim de viver uma vida simples e ser curioso de cada detalhe que sua escrita inspirava. Então, eu tentei mostrar como essa vida tão ordinária e simples é dependente da sua estrutura subjetiva tão original, sem apresentá-lo como caso clínico. Parece-me que ele ilustra a tese de psicose ordinária, quer dizer, uma psicose não desencadeada até o momento onde ele se destabiliza, o que levou sua irmã a hospitalizá-lo.
Simone Bianchi: Você evoca a vida de Robert Walser como uma vida de errâncias e vagabundagem. No seu livro O despertar e o exílio, você nomeia o poeta Rimbaud como “o príncipe da errância”5. Dois poetas que não têm o pai como ferramenta para a grande estrada da vida. Mas o que você mostra bem em Walser é a posição irônica do sujeito.
Philippe Lacadée: Sim, eu proponho ler a sua obra/vida como uma tese sobre a ironia de onde se deduz seu estilo, sua atitude e suas dificuldades em fazer laço social. Ele passa sua vida sozinho, assumindo graças à escrita, sua loucura, o que fez com que durante muito tempo não pode ser chamado de louco. Era uma loucura mais discreta – bem sustentada pelo manejo tão preciso e rigoroso da língua – que acontecia nele caracterizando-o como estranho a si mesmo e aos outros. Mas ele deveria então escrever cada detalhe encontrado na sua língua porque era isso que funcionava como suplência. Walser nos revela no corpo de sua escrita, vivendo-a mais próximo de seu corpo, o modo pelo qual o drama da sua loucura se desempenha no verbo. De fato, ele que se dizia especialista da escuta, sentia um grande sofrimento psíquico em falar com o Outro. De fato, ele dizia: “quando eu quero falar, eu empresto imediatamente o ouvido para ter um auditório”6. Sua relação irônica com a língua lhe traçou um destino bem particular, contrariamente as aparências, como se o seu discurso não lhe permitisse fazer laço social.
Simone Bianchi: Você mostra também como sua posição em relação à língua ensina sobre o autismo.
Philippe Lacadée: Sua posição nos ensina sobre a questão do autista, ou seja, aquele que escuta a si mesmo, como indica muito bem nas crianças Tanner, mas também, notadamente no Brigand, sobre as vozes escutadas por ele, mas que lhe inspirava na criação dos personagens fictícios, especialmente as mulheres. Assim, se Robert Walser escuta a si mesmo, como dizia Lacan do autista, ele admitiria também ouvir as vozes femininas – as quais eram apenas das mulheres que ele encontrara, aquelas dos seus romances – e ficar frequentemente surpreso com ele mesmo pelas suas estranhezas. É a famosa confissão ao médico que se encontra no Brigand que é uma verdadeira lição irônica sobre a esquizofrenia.
Simone Bianchi: Você o apresenta como “o passeador irônico” e você nos diz que o passeio, título de um dos seus romances, foi vital para ele.
Philippe Lacadée: O passeio que organiza toda sua vida é um passeio na língua. Ele passava sua vida andando e passeando, para paradoxalmente, manter-se imóvel e escutar a sonoridade da língua veiculada pelo detalhe do barulho ou a estranheza de uma palavra entendida. Mas também ele parava para falar em voz alta e lá no que ele nomeia o duplo silêncio, ele ressonava com a sonoridade, não da língua articulada ao Outro do sentido, mas à lalíngua, como nos ensinou Lacan, ou seja, aquela do bem dizer antes de ter sentido.
Simone Bianchi: Você ilustra bem como a relação dele com as palavras e a sonoridade foi essencial.
Philippe Lacadée: As palavras impostas e a vontade das palavras que ele deduziu da sonoridade, eis em torno do que gira toda a sua escrita. Escrevendo: “As palavras, que eu estou prestes a pronunciar, têm toda uma boa vontade delas”7, ele testemunha quantas vezes ele foi parasitado por essa língua que veiculava os pensamentos e as palavras, e obedecia uma sonoridade que apenas ele entendia.
Ele está comprometido com as palavras pela maneira de enodar o seu gozo ao significante mestre, recusando-o de modo irônico através de sua posição subjetiva: ser a garçonete. Assim, foi o genial comprometimento com as palavras, até mesmo se representar com as palavras que revelavam a escrita na palavra, que se tornou o servo. Ele poderia dizer: “Eu gozo, então eu obedeço”. De fato sua obediência consiste em consentir ser o representante da escrita do mestre, enquanto criança que alugava a bela pluma encontrando a solução: se transformar em garçonete “para fazer a menina, então meninando alegremente sem parar”8. “Quando eu exercia realmente as funções de um “homem que faz tudo”, eu tinha dúvidas que um “romance do Real”, poderia sair deste fragmento de vida, que de um ato do Real poderia sair um ato literário? Oh, não de modo nenhum”9.
Simone Bianchi: O que quer dizer a simplicidade aparente da escrita dele?
Philippe Lacadée: Este homem que nos encanta pela simplicidade de seus escritos, pela precisão de suas palavras, pela “sua depravação da língua”10, pela seriedade de suas palavras mas, sobretudo pela lição de ironia, encontra na escrita de sua pluma a maneira de se manter numa certa saúde mental: “Onde está a saúde, onde está a doença?”11. O que não cessa de se escrever. Escrever se coloca mais perto do seu corpo, como se sua existência se definisse em torno da escrita que lhe proporciona uma felicidade singular ou que o rejeita como um parceiro muito caprichoso: “um homem que não rabisca pode apenas beber seu café de manhã? Tal homem ouse a respirar mal.”12 Não se falaria dele como um trabalhador, um faz tudo, um romancista manual, “ um torneiro que escreve, que corta, bota, forja, recorta, bate, digita ou crava as frases juntas”, um passeador, “um ouvidor o mais genial”, um folhetinista. Esse “solidário mundano” mas, sobretudo esse “homem estranho”, se dedicava a incarnar até a morte, já escrito no seu romance As crianças Tanner13, a substância viva que falta à escrita. Tudo o que se tem a dizer é eclipsado pelo ato de escrever: “apareceu que ele era mais apto a escrever e viver dos romances. Nossas imaginações são exatamente reais tanto quanto as nossas outras realidades”14.
Simone Bianchi: Você fala de uma crise da escrita e do estatuto particular desses textos miniaturizados ao extremo.
Philippe Lacadée: É uma escrita secreta e privada, onde vemos o reflexo dos distúrbios psíquicos de Walser que os conduziram desde 1929 ao Asilo Waldau e que, como pensava Carl Seeling, não merecia que a decifrássemos? Não, esta escrita miniaturizada não é um sintoma de uma doença mas, ao contrário, seguindo ao pé da letra as palavras de Walser, um meio de cura, significando para Walser a possibilidade de conservar e de renovar em permanência sua força criativa. Graças a Lacan podemos fazer de sua escrita miniaturizada o equivalente do Sinthoma de Walser, a invenção que lhe permite “curar-se literalmente” e alcançar “a singular felicidade”15. De fato Walser se colocava a escrever assim desde o que ele chamou de “sua crise da escrita” e “seu período de decadência”, surgidos de modo brusco durante os seus últimos anos em Berlim, onde ele experimenta um deixar cair do corpo, um verdadeiro tormento vivido sob o modo de uma falha da mão. Ele teve que deixar a cidade em 1912 para retornar à Berna, onde ele gostava de ouvir a si mesmo na sonoridade de lalíngua.
Simone Bianchi: Por que ele inventa o método do lápis?
Philippe Lacadée: Ele inventa então o seu método do lápis que lhe permite miniaturizar sua escrita. Esse processo do lápis tem uma significação muito precisa: mantê-lo na ilisibilidade e fazer calar “essa coisa incongruente que saía da pluma”, essa escrita na palavra que, de repente, colocava-se a dizer alguma coisa – equivalente das epifanias de Joyce – e que o perseguia.

Robert Walser, Mikroschriften, 19322
Robert Walser microscripts courtesy de Robert Walser Archive, Bern courtesy New Directions and Christine Burgin
Simone Bianchi: Você poderia precisar o que você nomeia “o lago acústico”, que parece ter uma importância na vida dele, no nível do “território do lápis” tornar-se o território sonoro dele.
Philippe Lacadée: Assim, seu território do lápis torna-se seu território sonoro, seu lago acústico16 o qual ele mantém, já que o encontramos ao longo dos seus escritos, ao ponto de fazer um livro, “Seelend”, enquanto se protegia através da miniaturização de sua escrita. Neste sentido, ele esclarece o lugar e a função da letra no último ensino de Lacan. Digamos que graças ao território do lápis, ele inventa do que se proteger do seu território da escrita, lá onde ele “ouve a si mesmo”, espaço de gozo, que ele nomeará seu lago acústico, espaço de escrita reduzida a uma letra, enquanto recusava a escrita do significante também portador de sentido lisível pelo Outro. Sua carta à Max Rychner na qual ele revela o modo pelo qual se dissolve para ele a escrita da pluma, permite melhor compreender o que estava em jogo na sua escrita – “Toda história do meu trabalho e da minha vida” – e a maneira pela qual ele soube se servir da escrita para tratar a sua grande sensibilidade à sonoridade do significante, ao que ele entendia das palavras17.
O “dito-esquizofrênico” como dizia Lacan, parece ter encontrado a saída da escrita para se manter no laço social. A invenção do seu método do lápis lhe ofereceu um novo recurso frente ao seu “dito-esquizofrênico, tomado sem o recurso de nenhum discurso estabelecido”18.
Simone Bianchi: Você demonstra nos dois capítulos como a escrita, às vezes tão simples e estranha de Walser, ilustra a teoria da dupla escrita no ensino de Jacques Lacan.
Philippe Lacadée: A lição clínica de Walser mostra como o seu modo de escrita é também uma verdadeira lição clínica sobre o gesto da escrita e da teoria da dupla escrita, contida no ensino de Jacques Lacan como Jacques-Alain Miller soube nos demonstrar. O método do lápis esclarece essa teoria da dupla escrita como restauração do sentido mas, também do significante e do saber. O significante pertence à palavra. O significante, em sua natureza, não é senão que o suporte fônico do sentido.A posição subjetiva de Walser é sua relação com a sonoridade do significante e a fonação. O significante, antes de tudo, é um fenômeno de fonação, e é a isso que Walser é muito sensível. Se sua escrita de pluma já tinha valor de sintoma para ele, o método do lápis e a escrita miniatura que se deduz, tem valor de sinthoma para nós.
Simone Bianchi: Enfim seu livro presta homenagem ao poeta como aquele que está à frente da psicanálise.
Philippe Lacadée: É nisso que o poeta, por estar à frente da psicanálise, nos esclarece: sua escrita miniatura, radicaliza de algum modo, os dois modos da escrita, ou seja, o significante e a letra; ela marca a distinção entre a escrita que não fala para ele e o desenho da escrita miniatura.
Tradução: Simone Bianchi.
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Permutação da Coordenação: Falando com seus participantes!
by cien_digital in Cien Digital #16, ENTREvista
Fernanda Otoni Brisset, Nohemi Brown, Siglia Leão, Lucíola Macedo, Rodrigo Lyra,
Miguel Antunes, Ana Martha Maia e nota da Comissão de Coordenação e Orientação do CIEN Brasil (2014-2016)
CIEN Digital: Você acaba de permutar o trabalho de Coordenação do Cien no Brasil. Este intenso período de dedicação ao CIEN resultou em avanços de trabalhos dos Laboratórios, testemunhado em realizações de eventos e publicações. No que lhe inspirou a seguinte afirmação de Judith Miller:
“A publicação escrita das transformações produzidas pela prática da Conversação, própria ao CIEN, garante um meio de proteção do dizer em relação ao Charybde em Scylla contemporâneo que leva do amordaçamento à passagem ao ato.”
Judith Miller

Jasper Johns, The Critic Sees, 1962
Fernanda Otoni Brisset: Essa feliz expressão Charybde em Scylla, utilizada ai por Judith Miller, remonta à antiguidade e, geograficamente, refere-se ao estreito de Messina que passa entre a ilha da Sicília e o sul da Itália. Esse estreito trazia muitos perigos aos marinheiros que ao tentar sair dos turbilhões de água formados pelas correntes de uma ponta do estreito, encontravam com o perigo dos recifes, na outra extremidade. Conta Odisseia que Ulisses para escapar do canto das sereias, jogou-se nesse estreito, caminho ainda mais perigoso, tendo que enfrentar dois monstros terríveis, descritos na mitologia grega como Charybde e Scylla. Charybde, três vezes ao dia, engolia e regurgitava quantidades enormes de agua, tragando para a guela adentro navios e peixes. Scylla que, aparentemente, era uma ninfa belíssima, escondia, da cintura para baixo, tentáculos enormes em cuja ponta guardava a cabeça de cães raivosos ávidos para devorar navegantes. Daí a expressão “cair de Charybde em Scylla” para indicar situações cuja presunção de escolher um caminho sem perigos pode levar do mal ao pior. O que seria então esse Charybde em Scylla contemporâneo ao qual Judite Miller se refere?
Hoje em dia, o Outro não funciona mais como bússola. O simbólico não é mais o que era, inaugurando a geração dos desbussolados, sem um Outro a qual se crer, cujo vazio de saber abriu nosso mundo à soluções além Édipo, orientadas pelo real. Contudo, a ironia do contemporâneo daí se deduz!
O desmantelamento das pedagogias tradicionais e outras ordens, efeito desse novo tempo, gerou uma nova desordem. Esta foi tomada como um perigo a ser evitado pelos gestores das populações que aliaram-se ao cientificismo e burocracias administrativas para perseguir um caminho estreito, guiado por ordens de ferro, a fim de suturar o vazio real do corpo do Outro que não existe mais. Fábricas de falsas verdades e procedimentos seguem, a todo vapor e sem cessar, visando tal intento. Avaliam comportamentos, ditam protocolos, prescrevem manuais de condutas perseguindo a pretensão de garantir um contemporâneo sem risco. A criança foi tomada como objeto precioso de intervenção e cuidado e protocolos de controle de qualidade exigiu amordaçar o seu dizer em prol do saber maestral que a antecede. Não tarde, vimos como tal direção vai cair no estreito do impossível, que leva do mal ao pior: a mordaça do dizer faz ratear o enodamento do corpo vivo à língua que o habita.
Dos numerosos laboratórios do CIEN-Brasil podemos extrair a forma singular com que esse contemporâneo recai sobre a criança e jovens modificando sensivelmente a forma como eles falam e vivem o que se agita em seus corpos, o que também afeta a prática e discursos dos que cuidam deles. É justo aí, que o CIEN encontra o seu lugar e instala as conversações para que cada um possa encontrar palavras para transmitir os impasses que a criança não pode sair sem falar, a não ser através de posições sintomáticas, acontecimentos de corpo e passagens ao ato que recobrem o seu dizer. As conversações estabelecidas pelo CIEN com as crianças e jovens, bem como com aqueles que cuidam deles, resgatam o valor do dizer da criança como um saber autêntico que lhe é próprio e porta a verdade da qual sofre o infantil. Hoje, esse dizer está em perigo, está cada vez mais desacreditado, em prol das falsas verdades que amordaçam sua língua.
O CIEN é uma resposta da psicanálise responsável por lançar o discurso analítico lá onde navegam outros discursos, a fim de abrir porosidades, arranjar espaços para que a língua se livre das mordaças tecnocientíficas e fale livremente, abertos à audição do inconsciente, para que este possa ter um destinatário, conforme comentou Jacques-Alain Miller. Por essas vias, os laboratórios do CIEN testemunham as transformações quando as conversações abrem os tampões dos ditos distúrbios de conduta para dar vazão ao dizer da criança que ali foi recoberto e que demanda ser escutado. Navegar por esses mares da linguagem é preciso, não há o Outro da garantia, e por essas veredas aguardamos, por esse furo vivo, a enunciação de um saber singular, autêntico, que sabe bem dizer a palavra que não pode ser dita toda, mas cujo trauma a criança carrega em sua língua e busca um destinatário que suporte o impossível de sua transmissão.
‘As publicações são formas de proteção desse dizer’, como ressalta Judith Miller, pela força com que guardam e transmitem o saber recolhido no dizer da criança sobre seus impasses, as soluções inéditas que o transformam e subvertem, ao tomar por guia a língua viva que pulsa nos corpos das crianças e jovens falantes. As publicações transmitem o que esse dizer ensina aos laboratórios do CIEN sobre as variadas e singulares formas de habitar um mundo falante, dando seu testemunho de que é possível dispensar o asilo num certo tipo de contemporâneo que procura os estreitos sem riscos e encontra, desde que o mundo é mundo, o caminho que vai de Charybde em Scylla, a mil por hora, leva do mal ao pior.
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Assepsia com respeito ao traço, à marca, à memória: defesa ao trauma
by cien_digital in Cien Digital #16, ENTREvista

Toz (Tomaz Viana), Seleção Natural, 2012
Entrevista de Mercedes de Francisco responde à Marga Auré
Marga Auré: Como você compreende o conceito do trauma?
Mercedes de Francisco: Minha primeira associação com o traumatismo é o neologismo de Lacan – troumatismo, que introduz o buraco no interior desta palavra. Esse buraco remete à impossibilidade da relação sexual e, ao mesmo tempo, aproxima-nos à marca, à letra.
A vulgarização do traumatismo levou a que, socialmente, ele seja considerado como algo de que se deva defender, do qual se tem que evitar :não obstante, toda uma série de respostas promovidas preventivamente são condenadas ao fracasso.
É assim que se rouba da experiência traumática seu valor de marca singular impossível de coletivizar.
Um fato em si mesmo não pode ser considerado traumático. Poderá tomar esse valor somente se para o sujeito se tratar do encontro contingente entre o gozo do corpo e a palavra.
O troumatismo inaugura o campo do sinthoma – o que não cessa de se escrever – amarrando o “não há relação sexual” com o “há” disso que se repetirá todo ao longo de nossa vida.
Marga Auré: O que a psicanálise de orientação lacaniana pode propor diante de um traumatismo?
Mercedes de Francisco: Primeiramente a psicanálise de orientação lacaniana propõe não se guiar pela ideia de “para todos, igual”. Socialmente são catalogados os fatos que são supostos, em si mesmos, serem traumáticos e, a partir disso, os psicólogos especializados “em trauma”- desculpem-nos a ironia – vão ajudar as vítimas. De certa maneira elas são homogeinizadas sob o mesmo significante.

Nick Georgiou, Paper image, 2014
Estamos num tempo marcado pelo choque, pelo que chocante e isso pode ser confundido com o que, para a psicanálise lacaniana, é uma experiência traumática.
Walter Benjamin, apoiando-se em Freud, demonstrou-nos que, na experiência do homem moderno, a recepção de choques converteu-se numa regra e a consequência disso é uma tomada de consciência rápida, uma defesa face ao impacto, pois há um fluxo incessante de excitações que colocam à prova a tolerância dos sujeitos. Esse enorme aumento da tolerância frente aos choques que se produzem de maneira contínua, tem como preço esterilizar a consciência para a experiência pois o que é característico do choque em relação à experiência é não deixar traços, de se dissolver na consciência na medida em que é tolerado por ela.
Essa assepsia com respeito ao traço, à marca, à memória, é uma forma de defesa frente a uma realidade permanentemente preenchida de estímulos impactantes. Suportamos, cada vez mais, imagens desconcertantes que proliferam através da televisão, da internet, do cinema, etc … que nos provocam um sentimento desagradável mais que pode ser facilmente superado. Defendemo-nos em nos tornando insensíveis, mas, de certa maneira assim também perdemos nossa capacidade de viver uma experiência, de que o acontecimento nos deixe marcas, de que a memória nos enlace à nossa própria narração.
A psicanálise propõe uma experiência com a palavra, com a pontuação, com o “poético” enlaçado ao real. Ela propõe ao ser falante que não renuncie à dignidade da experiência traumática, isto é, uma experiência com o real que deixou um traço, uma marca.
Marga Auré: Como você compreende a frase de Eric Laurent que está na brochura das Jornadas 43 da École de la Cause Freudienne:
“Depois do trauma, é necessário reinventar um Outro que não existe e inventar um caminho novo que se desenha preferentemente pela via do insensato do fantasma e do sintoma”.
Mercedes de Francisco: Esta frase me sugere a relação com o acaso e a contingência. Na experiência traumática produz-se o encontro com a inexistência do Outro pela via do acaso, do imprevisto, do que não conhece nenhuma lei. A partir desse acaso, organiza-se, de forma contingente, uma lei que responde ao enlaçamento singular, – como se disse antes -, do gozo com o significante e que determinará nossa vida.
Do puro sem sentido do acaso organiza-se uma escritura sinthomática e, através da construção fantasmática, um sentido.

Jeff Koons, balloon dog sculpture, 2010
Esse momento inicial que é o trauma e ao qual se retornará a cada encontro em nossa vida que o evoque, é o que mais nos aproxima a esta experiência do real sem lei frente ao qual nos defendemos.
Para exemplificar esse último ponto, evocarei um encontro traumático, arriscado, vivido por mim em minha juventude. Frente a um mau encontro com outro desconhecido e violento, num momento de certa vulnerabilidade ‘alegre”do corpo, a resposta que, sem pensar, encontrei __“rogar-lhe” __ permitiu parar essa violência e apenas sofrer pequenas lesões físicas. Poderia dizer que consegui sair incólume, no sentido objetivo, mas é evidente que não foi assim, no sentido subjetivo.
Frente a este encontro imprevisível, arbitrário, sem lei nem causa, o primeiro que surge é uma pergunta: porque comigo?
As respostas que o sujeito dá a essa questão é a maneira de se defender frente a esse “real sem lei”, “sem sentido”, “sem causa”.
Essas respostas não são novas, elas remetem àquelas que o sujeito forjou no momento inicial traumático. Mas esse material já conhecido não me permitiu fechar a hiância que o “mau encontro” havia aberto. Podia reconhecer o insensato do fato e de minha tentativa de encontrar a explicação mas não era possível parar essa inércia.
Não imediatamente, mas depois de algum tempo, isso permitiu uma demanda de análise e, no percurso analítico, pode-se separar a escritura sinthomática que presidiu a vida do sujeito. “Agora”, em “cada ocasião”, essa escrita que marcou o corpo, em vez de encobrir, mostra o real sem lei, o buraco que se apresenta no interior do fato traumático.
Agradecemos a amabilidade de Mercedes de Francisco em autorizar a publicação desta entrevista concedida a Marga Auré por ocasião da 43a jornadas da ECF, em novembro de 2013.

A criança responde!
by cien_digital in Cien Digital #17, ENTREvista

Bill Gekas, Joker’s child, 2011
Nina Krivochein
Atualmente com onze anos, Nina comanda o projeto itinerante Autores Mirins em escolas no Rio de Janeiro e em todo o país.
Com a proposta de incentivar a escrita, a leitura e a aquisição de cultura literária, desde os sete, ela publica em seu blog resenhas e críticas de cinema, teatro e livros infantis. São dela também, os livros A vaca que não gostava do pasto (Editora Vermelho Marinho, 2011) e A menina que tinha cães invisíveis (Faces Editora, 2013). Como repórter-mirim, ela se dedica a assuntos do universo infantil, na revista eletrônica Nice For Kids.
CIEN Digital: – Como foi que você pôde se pensar uma escritora? Como surgiu o seu interesse pela literatura, que leva você a querer ler, comentar e escrever histórias sobre crianças?

Nina Krivochein
Nina: – Eu comecei a ter vontade de ser escritora quando a minha mãe lançou o seu primeiro livro, Fragmentos do Desencontro. No dia ,subi numa cadeira e disse para todos que o próximo lançamento seria o meu e estavam todos convidados!
Todos acharam fofo, mas não me levaram a sério. Então, eu cheguei em casa e escrevi o meu primeiro livro: A vaca que não gostava do pasto.
Sempre tive contato com o livro e quando eu era bem pequenininha e ainda não sabia ler, minha mãe lia o livro para mim e depois relia. Então, ela fechava o livro na metade e pedia para que eu mudasse o final. Então, comecei a perceber que alguns livros tinham erros e que outros poderiam mudar e, desde então, critico os livros, sejam eles bons ou ruins!
CIEN Digital: – De que maneira escolhe a capa de seus livros e imagens para o blog? Como é o processo criativo: primeiro você escreve e depois a ilustradora desenha seus personagens? Você opina sobre as ilustrações? Em geral, as imagens dos personagens correspondem àquilo que você imaginou ao criá-los? Se há diferença, o que você faz? De qual personagem você gosta mais? Alguma representa você ?
Nina: – No meu primeiro livro, eu quase não participei, mas no segundo, A menina que tinha cães invisíveis, eu participei mais. Os cachorrinhos invisíveis, por exemplo, eu queria que eles fossem pontilhados, mas Atlan Coelho, o ilustrador, desenhou igual a fantasminhas e negociamos para que fossem como ele desenhou, só que com patinhas! A Bruna, personagem do livro, na história eu escrevi que ela tinha os cabelos castanhos, mas ele desenhou a Bruna com o cabelo ruivo e como eu gostei muito, acabei mudando a cor dos cabelos dela na história. Nem sempre a imagem do personagem é como eu imaginei, mas eu acabo gostando dele como é.
Eu não gosto mais nem menos de nenhum personagem. No meu coração, gosto igualmente de todos, inclusive os personagens dos livros que ainda não foram publicados: A formiga Fifi e o Tigre Enzo, Bete, a Barata, A senhorita Redundância e o Senhor Pleonasmo, O padeiro Pão Duro e o mistério das crianças enfarinhadas. A história da Bruna aconteceu comigo, e por isso acho que ela me representa.
CIEN Digital: – Como você escolhe o tema de seus livros?
Nina: – Na verdade eu não escolho os temas, porque segundo a teoria da mamãe: nós não escolhemos o tema, ele é que nos escolhe! Escrevo histórias de coisas que me chamam a atenção, igual ao livro da vaquinha, que escrevi por causa de uma visita que fiz à fazenda da minha tia e notei que o cercado das vacas era muito pequenininho e achei que elas pudessem se sentir tristes.
CIEN Digital: – Constantemente, a mídia divulga novos modelos de tablets, celulares e jogos eletrônicos, seduzindo crianças, adolescentes e até adultos para seu “consumo”. Muitas pessoas passam horas de seus dias diante de seus aparelhos eletrônicos. O que você acha que leva crianças e adolescentes a preferirem os aparelhos tecnológicos em vez da leitura ou escrita de um livro, ou mesmo a brincar e conversar com os amigos?
Nina: – Eu acho que é uma questão de limites. Vejo que os pais entregam um aparelho eletrônico como única diversão para crianças e elas ficam sem acesso aos livros desde pequenas. Eu acho que jogar demais emburrece, porque nós, crianças, ficamos no automático, clicando várias vezes na mesma coisa sem pensar em nada, e aquilo vai te viciando, te viciando, te viciando. E depois você só quer saber daquilo. E você esquece das coisas boas de verdade, como conversar com seus amigos, brincar, correr e até ler.
CIEN Digital: – Você posta sua agenda de compromissos em seu blog. Há muitas atividades decorrentes de sua vida de escritora, do projeto Autores Mirins, de resenhas, etc. Você tem problemas com o tempo? Dá tempo de fazer os deveres escolares? Como reage quando não consegue fazê-los? E sua família? E a escola? Os joguinhos eletrônicos – você fala deles em seu blog- ocupam muito de seu tempo? Que tempo você tem para brincar?

Nina Krivochein, A menina tinha cães invisíveis, Faces Editora, 2013
Nina: – Eu tenho um combinado com a minha mãe de só fazer a visita do projeto uma vez por mês, para que eu não canse e não atrapalhe meus estudos.
Para fazer minhas resenhas não tenho problemas, pois eu escrevo na sexta e só publico na segunda para ter o fim de semana todinho só para rever a resenha.
Eu não tenho problemas com o tempo porque é tudo organizadinho. Tenho hora para ler, para escrever, para estudar, para descansar, para almoçar, para brincar. E também para os joguinhos eletrônicos!
Normalmente, eu consigo fazer tudo, mas quando não consigo é um perrengue total, e embola tudo! Pois faço uma coisa na hora da outra e não dá tempo de fazer as outras!
Como meus pais trabalham em casa, com a minha família tenho interação total, a gente faz todas as refeições juntos, estudamos juntos, nos divertimos e até discutimos de vez em quando. E como decidimos não ter empregada, ainda colocamos a mesa e arrumamos a cozinha juntos.
Sempre que eu faço resenhas, ganho uma hora de tablet. Na rotina, tenho uma hora por dia.
CIEN Digital: – Você vê alguma diferença nas histórias sobre crianças contadas por um adulto e nas escritas por uma criança?
Nina: – Eu acho que as histórias das crianças têm um ponto de vista que os adultos não têm mais. Por exemplo, o arco-íris, as crianças pequenininhas podem ver como uma magia dos unicórnios, e alguns adultos primeiro veem como um fenômeno meteorológico. Eu vejo muita diferença, porque uma história escrita por uma criança é um ponto de vista de uma criança. E a história escrita por um adulto é outro ponto de vista, completamente diferente.
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Ser mãe hoje e o consumo da criança
by cien_digital in Cien Digital #18, ENTREvista

Adriana Duque, Samuel (From the series Pinocchios), 2011
Cristina Drummond
Cristina Drummond coordena a XIX Jornadas da EBP-MG, O que quer a mãe hoje? e CIEN Digital lhe propôs a conversa sobre a interface dos temas, porque também estamos nos preparando para a VII Jornada Internacional do CIEN – Crianças saturadas. Conforme o Argumento que veiculamos novamente no CIEN Digital, são crianças saturadas, fartas, saciadas, termos que indicam a satisfação, mas levada até o fastio, acarretando diversas patologias do desejo e sintomas no corpo.
CIEN Digital: Você encontra uma relação entre o estado de saturação das crianças e o modo como as mães educam seus filhos hoje?
Cristina Drummond: Podemos sim, pensar que na maioria dos casos, são ainda as mães que educam seus filhos, só que de uma maneira um pouco distinta daquela de antigamente. Antes, a mãe sempre podia dizer que iria contar para o pai… quando ele chegasse. Há algo no contemporâneo que podemos tomar como efeito do discurso da ciência e do declínio da função paterna que deixa as mães mais sozinhas diante da função de educar seus filhos e que favorece uma posição da criança menos protegida da fantasia materna.
Se, por um lado, assistimos a milhões de ofertas de objetos que supostamente preencheriam a falta, o desejo e a demanda das crianças, por outro lado também temos a própria criança oferecida como objeto para preencher algo da mãe. Lacan nos ensinou que a criança está articulada ao falo, mas que ela é fundamentalmente um objeto em uma de suas distintas faces, seja de causa de desejo, de objeto dejeto ou de objeto estranho. O que se apresenta como uma grande dificuldade nessa questão da educação das crianças é que a criança pode estar no lugar de objeto real condensador de gozo que não deixa de estar articulado ao fantasma materno. Estar na posição de objeto faz com que muitas vezes a criança realize a presença deste para a mãe. É importante pensarmos que o que está em questão na relação de uma mãe com seu filho é a relação da mãe com a falta, sendo que esta nem sempre está inscrita como castração.
O termo “saturação” me parece interessante não apenas porque fala do excesso, mas também porque não sabemos muito bem que falta esse excesso está buscando preencher. Se o que se busca é preencher uma demanda da criança, o efeito rapidamente será o de criar uma nova demanda e um novo objeto a ser consumido. O que se alimenta é a gulodice do supereu. O problema é que quem acaba consumida e entediada é a criança, nesse processo que tampona a falta, ao invés de localizá-la.
Dessa maneira a criança se vê alienada do campo do saber e desresponsabilizada por seu mal estar na vida. Se educar é um dos impossíveis em Freud, educar sem colocar em questão a falta, tal como encontramos tantas situações atualmente, reduplica esse impossível, já que dessa maneira ele não é tratado, mas evitado.
CIEN Digital: Na atualidade, quais as dificuldades e impasses que uma mãe encontra para interpretar as demandas de seu filho?
Cristina Drummond: Nas situações contemporâneas, a demanda e o desejo estão, mais do que nunca, confundidos. Lacan nos ensinou que a demanda é sempre uma demanda de amor. Muitas vezes, o objeto que a criança pede tem por trás um pedido de amor, ou de escuta, ou mesmo de uma palavra ou um não. Acontece que essa demanda vem confundida com choro, com sintomas, com respostas que as crianças dão e que não são muito fáceis de serem escutadas porque elas não são ditas claramente.

Kaws, Hold the line 2011
vista de instalação Galeria Honor Fraser
Nesse mundo de consumismo onde passou a existir o mercado kids, cheio de ofertas endereçadas às crianças, é difícil resistir à proposta de alienação e de adição. As crianças querem o que está na televisão, nos shoppings, o que os colegas levam para a escola, o brinquedo do vizinho. E a cada dia elas vão encontrar um novo objeto que ainda não viram e não têm, e logo esse objeto vai ser absolutamente imprescindível. Interpretar a demanda da criança ao pé da letra e atendê-la o tempo todo, tal como assistimos muitas vezes em cenas de nosso cotidiano, é desconhecer que há algo para além da demanda.
Uma criança é capaz, desde muito cedo, de se posicionar diante do mundo e do Outro e de buscar explicitar seu desejo. A questão é que nem sempre conseguimos entendê-la. As mães, no anseio de serem boas, tomam o caminho mais fácil que é o de cobrar, atender e seguir o modelo universal e que não dá lugar para a particularidade de seu filho. Elas estão sempre pensando que sabem o que o filho necessita, o que é melhor para ele e que a criança não é capaz de fazer escolhas.
A grande dificuldade me parece ser a de introduzir a palavra e a escuta. Se não conseguimos escutar o que está em questão em cada demanda, se as atendemos o mais rapidamente possível, estamos trabalhando a favor da surdez e alimentando a posição de insaciabilidade e de tédio das crianças. Vale sempre lembrar que o dom de amor é dar o que não se tem, e que introduzir a falta em nosso mundo é uma arte cada vez mais difícil de ser exercida. No entanto, essa é a única chance para que a particularidade de cada sujeito tenha lugar em sua vida.
CIEN Digital: As mães também encontram-se saturadas? Pelos saberes, pela ciência e objetos de consumo? Quais as consequências para ela e para os filhos?

Mai-Thu Perret, Synthesis of the Universe
The Renaissance Society, 2006
Cristina Drummond: Certamente as mães também se encontram num mundo repleto de ofertas de modelos para serem boas mães. Infelizmente as crianças não nascem com bula e essa receita para exercer a função de mãe não existe.
Todas as indicações de Lacan sobre essa questão são no sentido de situar a falta entre a mãe e a criança e de dizer que essa relação traz em seu coração a sexualidade feminina, ou seja, o que não pode ser universalizado. Eu acho que isso quer dizer que é importante situar uma distância entre a mãe e a criança, um espaço que muitas vezes vai ser ocupado por objetos, mas objetos que vão mediar essa relação, construir sua borda e não objetos que vão preenchê-la ou ainda saturá-la.
Isso pode ser visto desde a mais tenra infância, por exemplo, na relação de amamentação. Hoje existem até programas no celular para se contabilizarem os minutos que um bebê deve mamar em cada peito. Por mais que existam os saberes dos médicos, dos nutricionistas, dos psi para dizerem qual é a fórmula da alimentação correta, não há como escapar da situação em que a mãe tem que interpretar o choro do bebê e ela sempre pode caprichosamente dar o leite ou recusá-lo. Não há como escapar das inúmeras dificuldades que uma mulher pode encontrar diante da função de alimentar seu filho e muitas vezes de uma repulsa de exercer essa função. Não há também como escapar das dificuldades que um bebê pode apresentar para ser alimentado ao fazer uma anorexia precoce, ao não aceitar ser alimentado, ao recusar ser acolhido pelo outro.
Então: basta dizer as regras do bom exercício da função materna? Muitas vezes eu acho que esse excesso de orientações desorienta e angustia extremamente as mães. Nessa relação entre a mãe e o filho há uma falta de saber, que é de estrutura, e apesar de os saberes serem muito úteis, não podemos tomá-los como absolutos e como regras a serem seguidas. Preservar a transmissão de um desejo que não seja anônimo implica em fazer uso desses saberes sem perder a singularidade. Não existe laço sem sintoma e por isso não existe a possibilidade de uma relação de uma mãe com seu filho que não seja sintomática.
CIEN Digital: Algumas mulheres perdem os filhos porque o Estado afirma que elas não têm condições de cuidar deles, não podem ser mães. O recolhimento compulsório dos bebês do crack, como ficou conhecido no campo do Consultório na Rua, é um outro exemplo. Ser mãe, ser pai também, é atualmente autorizado por este Outro do Estado. Como a psicanálise de orientação lacaniana pode contribuir neste cenário? O que ela tem a dizer sobre o que é ser mãe hoje?
Cristina Drummond: Essa decisão que você cita é paradigmática da intervenção do Outro do Estado na função da maternidade. É como se houvesse um modelo de boa mãe a ser seguido e implementado. Em seguida, bastaria se enquadrar nesse modelo para que as coisas caminhassem bem.
Ora, esse tal modelo não existe, mas também não podemos dizer que não existam mães que sejam muito difíceis e até mesmo mortíferas para seus filhos.
O que aprendemos com Lacan é que o amor materno é contaminado por um ilimitado que tem como avesso o ódio e que esse ódio pode se manifestar em situações graves que podem chegar ao ponto de levar uma mãe a matar o próprio filho.
Essa e outras manifestações da pulsão de morte não estão necessariamente ligadas à condição de uma drogadição. Que uma mãe seja toxicômana, não implica que ela seja tóxica. Uma mãe que faz uso de crack pode encontrar em seu filho uma ancoragem que lhe permita dar um outro sentido para sua vida. E tal dependência não é sinônima de que ela irá abandonar seu filho ou mesmo submetê-lo a situações de maus tratos. Não é possível fazermos tais equações.

Mariana Mauricio, Nosso Filho, 2012
Há, para além dos ideais sociais e do imaginário da boa relação entre uma mãe e seu filho, um real que nenhuma decisão jurídica pode regular. Não quero com isso dizer que o recurso à lei não seja necessário e útil em muitos casos, mas é preciso que isso seja considerado em cada caso. Penso que devemos e podemos fazer uma aposta de que uma mãe que adote seu filho e deseje cuidar dele possa se autorizar a fazê-lo.
CIEN Digital: Pensando, especialmente desde a proposta do CIEN, o que você poderia dizer sobre o trabalho de outras disciplinas nesta época de excessos? Por exemplo, os professores ou os trabalhadores da área da saúde, saturados por demandas institucionais, saberes, objetos (inclusive drogas lícitas): quais as consequências para as crianças e adolescentes?

Francesco Clemente, Arrival, 2013
Cristina Drummond: Realmente, estamos atravessando um tempo onde a interface entre os saberes e a parceria dos profissionais que trabalham com as crianças e adolescente é fundamental. As demandas de sucesso e de boas respostas muitas vezes não dão lugar para que as particularidades dos sujeitos sejam consideradas.
Estamos mais do que nunca fragilizados com a violência, a desorientação, o tédio, a falta de inserção no campo do saber. Todos os dias escutamos situações de difícil manejo e cuja solução não está pronta, e por isso mesmo deverá ser inventada. A lei não consegue organizar um rumo para as crianças e adolescentes e as antigas soluções não funcionam.
O excesso do uso da internet, o desinteresse pelo saber, o excesso de competição, tem tornado difícil o laço entre os sujeitos e trazido à cena situações de agressividade e de dificuldade no laço. Tratar dessas múltiplas manifestações de gozo desregulado me parece ser uma tarefa que convoca a tornar cada vez mais presente a proposta do CIEN, que nos possibilita uma presença do discurso analítico muito mais efetiva no mundo, já que o que se busca é permitir que esse discurso possa orientar a leitura desse real sem lei.
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Entrevista
by cien_digital in Cien Digital #19, ENTREvista

Richard Butler, noisymouth, 2013
Hélène Deltombe[1]e Damasia Amadeo Freda[2]
A adolescência, tema ao qual o Campo Freudiano nos convida ao trabalho, nos é apresentada por Freud como um período traumático em que o jovem é colocado à prova: alguns enigmas de sua existência se atualizam. Nesse turbilhão e por vezes desespero, há uma abertura para novos arranjos e ajustes subjetivos necessários. Novos sintomas surgem como resposta ao real em jogo nesse momento de crise, delicada transição, que produz um despertar, como nos ensina a literatura.
Espaços de conversação tornam-se fundamentais pois cada saber abordará esses sintomas a partir do modo como define o real.
Investigar o adolescente hoje nos permite encontrar duas autoras, duas psicanalistas, que nos brindam cada uma com seu livro, referências para nossas pesquisas.
A primeira, Hélène Deltombe em Les enjeux de l’adolescence nos permite entrar em seu consultório, ela nos dá um testemunho de sua clínica com os adolescentes. Apesar dos impasses e dificuldades com o corpo e com a linguagem, o jovem – que está num momento decisivo entre a infância e uma aposta para o futuro -, pode através da palavra, no encontro com essa psicanalista, visitar a trama de sua existência e descobrir nela uma via singular de seu desejo.
A segunda autora, Damasia Amadeo Freda, em seu livro El adolescente actual, nociones clínicas, também nos demonstra sua experiência como psicanalista. Ela nos ensina como os adolescentes são os que mais manifestam o declínio da autoridade e do saber, e também nos revelam as temperaturas das modificações do amor: seus sintomas são paradigmas do real de nossa época. Essa clínica, mais que qualquer outra, nos coloca diante questões e invenções. As duas psicanalistas em seus livros transmitem diversos índices de que há algo novo na adolescência. E como a psicanálise é viva, atenta ao que faz exceção para cada sujeito pois não há nenhum método ou técnica válida para todos. Podemos retirar deles a lição de como é preciso – aos parceiros dos adolescentes -, não ceder sobre seu desejo e que uma aposta deve ser, a cada encontro com o jovem, renovada. Neste sentido, são livros que certamente vão interessar aos profissionais de disciplinas diversas!
CIEN Digital: Quais os desafios da adolescência?
Hélène Deltombe: Para além dos traumatismos que cada um pode encontrar em sua existência – os acontecimentos marcantes, as palavras que ferem, as relações que perturbam, as violências – a adolescência é em si um período traumático pois se trata de arrancar-se de sua família e de preparar seu futuro. O adolescente, na incerteza e na angústia da solidão, é tomado pelos conflitos íntimos entre ideal, procura do amor, vontade de gozo, e ele se sente desorientado, o que favorece a formação de sintomas e as passagens ao ato. E ainda mais que, na puberdade, as pulsões se assinalam com violência e fazem vacilar o equilíbrio que o sujeito havia, mais ou menos, conquistado durante a infância, mas que era em parte imaginário, e não é mais suficiente para responder às questões essenciais: como deixar seus pais, como encontrar o Outro sexo, como assumir sua própria sexualidade, o que é o amor?

Marcel Broodthaers, La Tour Visuelle, 1966
Os adolescentes dos dias atuais referem-se menos às gerações precedentes que aos seus semelhantes, aos quais preferem se conformar sob o modo de identificação, não somente pelos gostos comuns, formas de culturas compartilhadas, as modas, mas também por sintomas que correm o risco de não serem considerados como tais, nem pelo seu entorno nem por eles mesmos, enquanto dão ao adolescente o sentimento de uma identidade comum que os conforta nessa via.
A adolescência não é mais a revolta contra o pai que ela foi há tempos, os sintomas não se desenvolvem mais por identificação a um traço do pai, mas tomam a forma de epidemias, sobre o modo de identificações recíprocas no seio de uma faixa etária.
Certas adicções, como os jogos eletrônicos, são um exemplo; o alcoolismo e a toxicomania, que comportam o risco de um processo de marginalização, são um outro.
Os sintomas correm o risco de serem reduzidos a índices de pertencimento a uma faixa etária em lugar de se revelar como um apelo à escuta de um sofrimento íntimo.
Esse é, entretanto, desde sempre, o papel de um sintoma, na condição de que o adolescente não se perca numa procura desenfreada de gozo como único recurso contra a angústia, se abrigando em um grupo identitário que lhe evita de se situar como sujeito tendo questões para resolver, para discernir seu desejo.
CIEN Digital: O que um adolescente pode encontrar em um psicanalista?
Hélène Deltombe: Hoje, o adolescente está muito só em sua luta para encontrar seu lugar na sociedade. Com a falta de ritos de iniciação, o encontro com um psicanalista pode se constituir para ele em uma chance de encontrar o apoio transferencial necessário para se engajar na via de seu desejo.
Nesse encontro, o adolescente pode formular o que faz traumatismo para ele: os dizeres de seus pais, as pulsões que o transbordam, o peso do gozo do Outro. A questão que se coloca em cada caso é a de saber se subsistem marcas indeléveis, para encontrarmos uma forma de reduzir o peso mortífero; ou ainda, como transformar esse impacto por um esclarecimento mais justo sobre a existência, segundo os significantes do sujeito.
O discurso analítico suscita uma palavra própria para restituir ao sujeito sua parte de verdade e um saber sobre seu ser a partir do surgimento das formações do inconsciente – lapsos, atos falhos, sonhos. É uma palavra que segue o ritmo próprio do sujeito a fim de favorecer o encontro do real com a linguagem. A aposta a ser feita é aquela de uma entrada decisiva no laço social segundo a singularidade de seu desejo.
O real do gozo é esvaziado pelo processo de palavra que oferece o dispositivo analítico, que permite à linguagem furar o real, fazer efração no real em jogo para o sujeito em relação a um traumatismo, ou face ao gozo do Outro, ou ainda, quanto a seu masoquismo ou da pulsão de morte em jogo.
Quando o sujeito está em impasse com uma violência que não cessa de transbordar, o apelo pode ser feito à psicanálise para lhe permitir se inscrever na linguagem, para tratar suas relações com os outros de um modo simbólico em vez de permanecer em um nível imaginário, onde as paixões se desencadeiam.

Ana Cristina César, do livro A teus pés, 1982
CIEN-Digital: O que a psicanálise aprende com os adolescentes?
Hélène Deltombe: Podemos compreender que seja difícil para um adolescente resistir aos chamados de identificação aos outros adolescentes, a vinculação a um grupo social efêmero quando ele desempenha o papel de uma tábua de salvação. Na puberdade, as pulsões se assinalam com violência e fazem vacilar o equilíbrio que o sujeito tinha mais ou menos encontrado durante o período de latência. Se o grupo que o adolescente pertence privilegia as experiências de gozo, acontece que o adolescente descobre a dimensão sexual na brutalidade das confrontações e das passagens ao ato cuja violência o afunda na confusão. São momentos de desaparição do sujeito que colocam em perigo sua relação com a linguagem.
Cada adolescente tem a necessidade de descobrir os laços possíveis – diferentes para cada um – entre real, imaginário e simbólico, afim de viver uma sexualidade que favoreça a realização de si. A questão é de tentar « fazer a coalescência, por assim dizer, dessa realidade sexual e da linguagem », bem como Jacques Lacan o indica por essa fórmula concisa em sua Conferência em Genebra sobre o sintoma em 1975. Dessa forma, não é o pai enquanto tal que é o ator principal que permite ao adolescente se emancipar, mas muito mais seu engajamento na linguagem. O essencial é conseguir enlaçar o real em jogo com o imaginário e o simbólico através da linguagem.
CIEN-Digital: Quais diferenças a senhora encontrou entre o adolescente de hoje e o adolescente dito freudiano?
Hélène Deltombe: O processo de identificação ao semelhante substituiu a identificação ao pai, tradicionalmente no centro da construção da personalidade. Classicamente, observava-se o adolescente se desligar da admiração pelo seu pai liberando-se de sua dependência, identificando-se aos traços de sua personalidade. Esse processo não é mais possível em uma sociedade onde o pai não é mais uma figura exaltada, inclusive na infância.

Jean Cocteau, Porte du ciel, 1972
Até mesmo, o período do declínio paterno se foi. Não são mais os pais que hoje são derrubados, são os jovens que são excluídos. Não há acesso ao saber para um número crescente de jovens, exclusão do trabalho com o aumento do desemprego. Nota-se a ignorância, e mesmo o analfabetismo de um número importante de adolescentes, um aumento de desigualdades que resultam em um processo de segregação que tem cada vez mais precocemente lugar.
Constatando esse fenômeno, Jacques Lacan tirou as consequências subjetivas, sobre o plano teórico como sobre o plano clínico. Ele também indicou a conversão necessária a se fazer sobre o plano clínico passando de uma situação social onde prevalecia o Nome-do-Pai, a uma sociedade onde possam ser eficientes os Nomes-do-Pai, quer dizer, significantes, instituições, elementos de cultura capazes de constituir apoios fundamentais para os adolescentes.
Nessa conjuntura de carência da função paterna, os sintomas tomam uma nova forma. Nós os chamamos sintomas do laço social porque isso toca o laço com os outros: alcolismo, toxicomania, bulimia, anorexia, delinquência, suicídios, padrões de vestuários, modos de comportamentos, modos de expressão que acentuam os fenômenos de ruptura e de processo de marginalização dos adolescentes.
O analista não tem outra alternativa que aquela de se deixar guiar por essa demanda paradoxal, a de encontrar o bem-estar enquanto a forma de adicção adotada pode levar à morte. O desejo do analista não pode encontrar essa via senão articulando-se a essa procura, trata-se « de fazer do gozo uma função e de lhe dar sua estrutura lógica ».[3] Apesar do paradoxo que comporta uma demanda, trata-se de confiar na palavra, pois o processo da palavra no dispositivo analítico permite aos significantes surgirem. Há uma lógica do encadeamento do significante que vai ter prioridade sobre sua vontade de gozo.
« A linguagem está ligada a alguma coisa que no real faz furo. É dessa função de furo que a linguagem opera sua tomada sobre o real. Não há verdade possível senão essa de esvaziar esse real »[4]
CIEN-Digital: O que há de atual na adolescência?

Richard Serra, instalação Ramble Drawings, 2015
Damasia Amadeo Freda: Há determinados comportamentos que falam de uma complexidade, de um agravamento na adolescência atual. Para tomar uma só via, podemos ver uma gradação de comportamentos que, em definitivo, apontam para o mesmo. Por exemplo, as lesões que o adolescente inflige em seu corpo – as auto-lesões -, são marcas, pequenos traços, signos de algo que não sabemos bem, nem os psicanalistas, nem eles mesmos, signo do que é. Logo, estão também, o assédio ao semelhante e por pura diversão; um assédio que impacta o corpo do outro e que tem um nome: bulling. Que se trate de um acosso virtual ou de um ataque real, o fim é o mesmo: produzir dano no outro. Em outro extremo, temos a imolação de adolescentes na radicalização religiosa, a qual consiste na destruição total do corpo, o de quem se imola e o do outro ao qual se ataca com esse ato, um outro multiplicado e anônimo nesse caso.
Evidentemente, temos que diferenciar cada um desses comportamentos, mas todos tem um denominador comum: o dano do corpo. Há aí um índice de algo novo na adolescência que bem poderia se enquadrar dentro das características próprias do registro imaginário que, sabemos bem, hoje predomina sobre o registro simbólico. No caso da radicalização, pareceria tratar-se, também, de um chamado desesperado e extremo à re-instauração da lei, mas uma lei impiedosa e feroz.
É claro que também há outras características da adolescência atual, mas me interessa colocar em relevo essas porque são um signo da mudança de época e que os adolescentes encarnam lamentavelmente.
CIEN-Digital: Em sua experiência clínica, os adolescentes se nomeiam a si mesmos “adolescentes”?
Damasia Amadeo Freda: É interessante sua pergunta, e teríamos que estar mais atentos para ver se eles se nomeiam “adolescentes”. Não me é particularmente presente escutá-los falarem de si mesmos como adolescentes. Por exemplo, defender um direito ou justificar uma ação invocando esse nome. Por outro lado, é certo que a sociedade os nomeia “adolescentes”, é certo que o Outro os enquadra dentro desse nome. Mas é certo que dentro dessa categoria – que é uma nomeação -, se incluem os Nem-Nem, os diferentes nomes das tribos urbanas ou de manifestações que, por serem desconhecidas e recentes, rapidamente se catalogam com nomes de síndromes novas, como é o caso da afluenza. Trata-se de sub-nomeações dentro de uma nomeação maior que é a adolescência mesma.

Hernan Bas, Wine River (Fountain of Youth), 2010
É importante poder indagar com maior precisão sobre essa temática, porque vai na linha do que lhes dizia anteriormente a respeito do chamado a uma ordem. A nomeação é também uma forma de ordenar elementos semelhantes, é sem dúvida uma tendência ao ordenamento, e temos que estar atentos a sua vinculação e a sua instalação como possível substituição frente ao declínio de outra ordem, a patriarcal.
CIEN-Digital: O que é a adolescência para eles?
Damasia Amadeo Freda: A clínica e os exemplos anteriores mostram que para eles é um momento muito difícil, muito mais complexo do que em outra época, porque está marcado por uma grande desorientação, da qual podem derivar ações erráticas, em omissões, mas também em soluções extremas, como é o caso da radicalização religiosa.
CIEN-Digital: E para a psicanálise, o que é um adolescente?
Damasia Amadeo Freda: Fundamentalmente, é a possibilidade de interrogar e investigar sobre as modificações da subjetividade da época. A adolescência de hoje está nos dando a temperatura de um tipo de subjetividade muito mais abrangente do conjunto social. A adolescência nos dá a idéia de uma desorientação subjetiva que busca desesperadamente um norte, o qual não é tão certo que se possa encontrar facilmente.
Com respeito ao adolescente em si, a psicanálise pode ser um bom instrumento para ajudá-lo a encontrar uma orientação mais de acordo ao próprio desejo. Porque os desejos, os genuínos, muitas vezes se encontram aprisionados entre as palavras e por tal motivo não encontram uma boa forma para se expressarem. Então é questão de lhes dar a palavra para que esses desejos se expressem e encontrem melhor rumo.
Entrevistas e Tradução: Cristiana Pittella de Mattos
Revisão: Sérgio de Mattos
Notas:
1 Hélène Deltombe é psicóloga, psicanalista, membro da École de La Cause Freudienne (ECF) e da Associação Mundial de Psicanalise (AMP).
2 Damasia Amadeo de Freda é psicanalista, membro da Escuela de la Orientación Lacaniana (EOL) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP).
3 Miller J.-A., « Une lecture du séminaire D’un Autre à l’autre », Revue la Cause freudienne n°65, Paris, Navarin, 2007, p.105.
4 Lacan J., Le Séminaire, Livre XXIII, Le sinthome, Paris, Seuil, mars 2005, p.31.

ENTREvista: Jacqueline Dheret
by cien_digital in Cien digital #20, ENTREvista

Doug Aitken, MORE, 2013
Cien Digital : O que você encontra de essencial como marca da adolescência em sua prática no CIEN?
Jacqueline Dheret: Na adolescência, a experiência do mais singular é o que está mais em evidência e o mais íntimo, o mais fora da norma se manifesta então, as vezes ruidosamente. Procuro, nas conversações que temos no Cien, acentuar, tornar legível, este ponto: é preciso que o adolescente possa se subtrair de uma compreensão anterior. Ser interpretado pelo Outro deprime, convoca mais à inércia do que à revolta.
Restam nesse caso, os gozos imediatos que adormecem. A marca da adolescência é o mais fora da norma de cada um que emerge e que ainda não tomou a forma de sintoma.
Cien Digital : Há no Brasil um movimento pela diminuição da maioridade penal, de 18 anos para os 16 anos. Em sua opinião o que está em jogo nessa idéia?
Jacqueline Dheret: Lembro-me da revolução na opinião pública, em julho de 1974, quando o presidente Giscard d’Estaing reduziu a idade da maioridade civil e legal para 18 anos. Uma reivindicação legítima das gerações jovens, recusada pelos mais tradicionalistas. Na época, eu trabalhava na “Aide sociale à l’enfance” – Assistência social à infância -, organismo público que atendia aqueles que não têm família. Idealisticamente era a favor! Mas via os efeitos que esta medida iria provocar, iríamos dizer aos jovens que eram atendidos: agora se virem! Vocês são maiores. Hoje, eles assinam contratos de trabalho por um ano, o que na situação social atual prolonga a dependência desses jovens em relação à família, inclusive para aqueles que ainda estudam, nos contentamos em dizer: “Na maioridade, cada um tem que se virar!”
Cien Digital : Falamos de uma solidão moderna como uma situação onde o sujeito se encontra sem ideal, sem o Outro. Isso coloca em jogo uma nova solidão, um gozo solitário. Quais são as chances do adolescente, nos dias hoje, fazer laços?
Jacqueline Dheret: A solidão sempre houve e ela é de estrutura. A tentação dos ideais é ao contrário, muito presente nos adolescentes que podem ter o sonho de encontrar uma estabilidade em uma nomeação ou, sou isso, aquilo, etc. Na Idade Média, na tradição do Ocidente, casava-se depressa a jovem adolescente… Davam-lhe um Outro, consistente! Na época da inexistência do Outro, percebemos melhor que, ao procurar o que lhe corresponde, o adolescente se perde. Como fazer com o seu corpo, com o do outro? Nenhum Outro pode responder e preocupo-me principalmente com os movimentos que visam reconstituir Outros consistentes, na época do sem o Outro lacaniano. Os adolescentes têm muitos recursos para inventar laços e não lhes faltam contingências para criá-los. Saibamos ficar atentos a isso!
Cien Digital : O que a prática do CIEN lhe ensina como psicanalista?

Ana Maria Pacheco, Terra ignota 1994
Jacqueline Dheret: Na França, os clínicos que se referiam a Freud nos anos 70 estimavam que essa idade da vida não era um momento favorável para encontrar um analista. Era a época de uma certa ortodoxia que Lacan soube abalar. A relação com o real está no cerne do encontro do psicanalista com o adolescente: se pensamos em “crise” e particularmente, “crise de autoridade”, se tomamos as coisas a partir da idéia ericksoniana do desenvolvimento, ignoramos o sujeito implicado nesse momento de “delicada transição”. Sempre gostei de atender adolescentes e minha experiência no Cien, escutar os profissionais que também trabalham com eles, – professores, médicos, educadores, juízes de menores, etc… -, ajudou-me muito a modificar minha maneira de fazer no meu consultório. É a oportunidade que conta! Muitas vezes quando alguém me fala de um adolescente que preocupa seus pais e os que convivem com ele, me disponho a atendê-lo. E quase sempre funciona, às vezes por muitos anos… Não ousaria fazê-lo antes de ter aprendido com o Cien! Tento fazer com que meus encontros com um jovem possam fazer contenção ao vazio que o atrai ou ao agir que se apresenta com frequência como uma solução. O ato permite alojar o que do pulsional não consegue se articular ao inconsciente estruturado como linguagem.
Freud dizia que “a libido se fixa no médico” e não é evidente, na adolescência, que esse ponto de real faça signo do sujeito que sabe.
Aprendo muito nas conversações interdisciplinares que mantemos no Cien, sobre o que os adultos podem fazer para que os fenômenos de gozo encontrem um modo de se enodarem ao simbólico e passíveis de serem vividos.
Cien Digital : Segundo J.A.-Miller em seu texto “Em direção à adolescência”, os jovens tem aderido à causas triunfantes, em que há uma aliança entre a identificação e a pulsão agressiva. Porque os jovens procuram uma saída por esse tipo de laço?
Jacqueline Dheret: É uma maneira muito exata de dizer as coisas. A adolescência é passional, e o eu, na adolescência, se desfaz. Daí, talvez a proposta de J.-A. Miller de falar da adolescência como momento de construção. Tínhamos ao contrário uma tendência em falar de desconstrução! É um ponto clínico essencial que pode ser esclarecido pelo texto de Lacan: A agressividade em psicanálise. Freud já tinha a ideia de que o Eu é uma organização passional.
Cien Digital : Nesse mesmo artigo, Miller diz que a única maneira de acabar com esse tipo de discurso do Estado Islâmico é vencê-lo. Como você entende essa orientação?
Jacqueline Dheret: Sobre esse último ponto, é preciso distinguir o propósito do discurso daqueles que invocam o Estado Islâmico, dos jovens que podem ficar tentados a se juntarem a eles. Encontramos alguns deles. Os primeiros se apresentam como guerreiros, mas estão a serviço de uma organização criminosa. São bárbaros que devem ser combatidos. Eles se embriagam com a identidade de mártir que eles propõem aos outros. E é claro, eles encontram alguns deles: os mais jovens, os mais frágeis podem ser atraídos por esses convites para se tornarem heróis.
Tradução: Márcia Bandeira
Revisão: Cristiana Pittella de Mattos
Read moreEntrevista com Beatriz Udenio Cien Digital, Julho de 2017
by cien_digital in Cien digital #21, ENTREvista

Imagem: Mehmet Ali Uysal
por Síglia Leão
Cien Digital: “Os laços sociais e suas transformações” é o tema da próxima Jornada Internacional do CIEN. Você poderia nos contar um pouco sobre a escolha desse tema?
Beatriz Udenio: Claro que sim. Voltamos à questão dos laços sociais uma década depois de ter tratado do tema em uma jornada do CIEN sobre “O porvir dos laços sociais”. Desde então, até os dias de hoje, as novas formas de comunicação, os meios, os jogos virtuais, os dispositivos móveis e as redes, merecem uma nova e profícua conversação acerca das consequências de tudo isso sobre a palavra, os corpos e a situação atual das crianças e adolescentes.
É o que tentamos apresentar como questões a serem compartilhadas na Conversação de setembro, a partir do Argumento elaborado para a jornada.
Cien Digital: Em relação ao formato dessa Jornada, há algo de novo quando se pensa em uma “Conversação Internacional Americana”?
Beatriz Udenio: Há algo novo ao colocar diretamente no título da jornada a palavra Conversação. Isto implica que o dispositivo da conversação é o que sustenta toda a jornada de intercâmbio. É dar legitimidade aquilo que vem sendo feito há muitos anos no CIEN.
Vocês no Brasil tem sustentado várias conversações do CIEN. O que chamamos Conversação? Qual é o seu segredo? No Campo Freudiano, as conversações propõem um debate sobre questões centrais e candentes do campo da experiência. Isto se realiza durante um tempo delimitado, o tempo que dura a conversação, sem ideias pré-concebidas, deixando-se ser surpreendidos pelo novo que pode surgir desse intercâmbio, e concluindo com a possibilidade de recolher alguns pontos discretos de saber que emergem do trabalho entre vários.
Além disso, o título enfatiza que se trata da comunidade ligada ao CIEN fundamentalmente na América Latina.
Cien Digital: Considerando que você está no CIEN desde a sua fundação, o que poderia nos dizer sobre a trajetória do CIEN e sobre sua importância para o Campo Freudiano hoje?
Beatriz Udenio: É uma pergunta muito oportuna essa que vocês formulam, considerando os movimentos mais recentes propostos por Jacques-Alain Miller ao conjunto do Campo Freudiano, sob a ideia da “movida” – me refiro à “A movida Zadig”.
Atrevo-me a dizer que, no enquadre do CIEN – criado por Miller em Buenos Aires, em julho de 1996- a orientação de abrir a intervenção da psicanálise nas questões sociais, sobretudo as referidas à situação das crianças e adolescentes nos diferentes discursos que os atravessam, representou e continua representando uma movida para a extensão, assim a psicanálise tem se engajado e se engaja em questões das políticas que sustentam as mais variadas instituições públicas e privadas, as quais recebem crianças e adolescentes cotidianamente.
Como dizia Juan Carlos Indart nas pontuações e perspectivas, por ocasião do encerramento da Jornada de 2013 “Me inclui fora dessa”: “no CIEN não se trata somente de expressar nossas ideias sobre o mal estar na cultura, publicá-las e difundi-las, mas também incluir-se nos discursos da época, de uma certa maneira”.
Essa certa maneira é a que Miller chamou em determinado momento de “extimidade”. É esta extimidade, que consegue esburacar, quando consegue, o modo discursivo mais atual, burocrático, aquele das etiquetas e avaliações.
E é a partir disso, que os trabalhos do CIEN se transformam em caixas de surpresa: ao incluir-se, a partir de fora, nesses discursos dominantes, dando lugar à surpresa.
Cien Digital: Em alguns momentos, aparecem casos clínicos nas conversações dos laboratórios do CIEN. Há um lugar para eles nesse contexto? Quando e de que modo poderiam, esses casos, trazer contribuições?
Beatriz Udenio: Este é um tema que convém elucidar. Desde o início, as experiências do CIEN se orientaram em trabalhar sobre o que acontecia com profissionais que recebiam as crianças e adolescentes e que não eram psicanalistas. A prática analítica –Judith Miller insistiu sempre nisso- é deixada ao lado em nossas investigações. A rigor, a bem da verdade, isso não se modificou.
É certo que, em algumas ocasiões, em alguns laboratórios, foi abordado o efeito do trabalho interdisciplinar a partir da localização da leitura feita das vicissitudes de uma criança ou jovem por algum psicólogo em formação, mas só quando envolvia outros profissionais que se ocupavam da criança. Se ocorreu dessa forma é porque nesse trabalho de laboratório, tal psicólogo ou psicóloga pôde ser mais sensível à singularidade dessa ou daquela criança, ou seja, ao que é próprio a cada um –como assinalou Éric Laurent em sua intervenção durante a Jornada do CIEN “Me inclui fora dessa”. Alguém que soube fazer com essa ou aquela criança ou adolescente, para além do seu saber disciplinar. Mas, certamente são razões inconscientes que fazem com que seja esta pessoa, e não qualquer uma, a que consegue fazer com que um sujeito se sinta, como alguém único, ou seja, como um caso de exceção. Assim – dizia Éric Laurent – no CIEN passamos do regime da proibição ao regime da exceção: cada um como exceção.
Mas, volto a sublinhar que o fundamento dos laboratórios do CIEN se constitui a partir do efeito que se constata nos profissionais de outras disciplinas, que se servem daquilo que a psicanálise pode aportar para proteger, estar atentos e sustentar o lugar, não avaliável de cada sujeito e suas soluções, como único e incomparável.
Cien Digital: Como AE, você poderia nos dizer sobre o lugar que teve e tem o CIEN na sua permanente formação analítica?
Beatriz Udenio: Fiz um desdobramento de algo disto na apresentação que realizei durante a Jornada do CIEN “Crianças saturadas”, que ocorreu em São Paulo, em setembro de 2015. Falei ali sobre “encontrar meu traço de exceção”. Trata-se de uma dialética: como encontrei o CIEN no ano de 1996 e como desde então, o CIEN foi acompanhando não somente minha formação, mas também os avanços e meus achados na própria análise.
Refiro-me ao modo como fui captando cada vez mais claramente o porquê do meu gosto pelo trabalho inter-disciplinar, em relação com a montagem da minha solução sinthomática.
Também sublinhei que quando escolhemos a psicanálise para transitá-la como analisantes, como também para fazer dela uma prática, esse traço próprio, único, está ali para ser despojado dos sentidos neuróticos para que se torne útil, uma ferramenta de vida.
Para mim foi assim. Para isto contribuíram minha chegada ao mundo em um “inter-línguas”, de línguas diversas, onde foi preciso tramitar aquilo que experimentava como um “fora de lugar” até fazer-me um lugar com esse “inter” mesmo. Assim foi tomando forma meu gosto por andar daqui para lá, entre diferentes grupos. E quando encontrei o CIEN, tudo aquilo ressoava em mim, repercutindo no que eu mesma havia experimentado e que a análise havia me permitido construir como modo instrumental de fazer com isso, dialogando com outros, com aqueles mais outros que os da própria paróquia.
Trata-se de um modo de fazer com o êxtimo. Por isso, “Me incluo fora dessa”, a frase daquele adolescente que participou de um laboratório de Belo Horizonte, ao qual Fernanda Otoni se referiu em 2013, me capturou desde o princípio, até o ponto de propô-la como título para a Jornada daquele ano.
Permite dar lugar ao modo que cada um –profissional, criança, adolescente- pode encontrar um lugar para situar-se nas bordas daquilo que, em ocasiões, se vive como algo insuportável.
Este traço (des)localizador, afinado na análise, define meu modo de localizar-me naquilo que Lacan denominou como nó entre a extensão e a intensão da psicanálise, espécie de localização topológica, êxtima, que determina minhas escolhas de experiência institucional e como isso se inscreve em meu sinthoma.
Tradução: Paola Salinas
Revisão: Glacy Gorski