ISSN 2178-499X
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Editorial – Março 2016

by cien_digital in Cien Digital #19, Editorial

Folkert de Jong, Les Saltimbanques, 2007

Maria Rita Guimarães

Caro leitor e amigo do Cien Digital,

Centro de Investigação e Estudos da Infância e Adolescência – CIEN – tal como está indicado no título em português, mantém o adolescente como objeto de sua pesquisa e prática, orientado pela “concepção que Jacques Lacan tinha das diferentes tarefas que esperava do psicanalista de suas Escolas, para estar, ele disse, à altura de seus deveres no mundo”, como nos ensinou  Judith Miller.

Nessa orientação, nada mais esperado que os efeitos de entusiasmo entre todos que participam e trabalham em prol do CIEN, produzidos pela intervenção de Jacques-Alain Miller no ato de encerramento da 3a Jornada do Instituto da Criança, pronunciada em 21 de marco de 2015. Pouco depois, em 5 de abril, domingo de Páscoa, ao escrever o prefácio do livro de Damasia Amadeo Freda, ele mesmo se referirá àquelas considerações, deixando-nos, em Nota bene, importantes referências para a continuidade da pesquisa Em Direção à Adolescência. Essa intervenção de Miller convida  ao trabalho, logo aceito por Ana Lydia Santiago, a quem agradecemos muito a contribuição e a possibilidade de publica-la. Ela nos aporta os pontos essenciais retirados de sua leitura da orientação de Miller, em duas vertentes:

  • Os aspectos clínicos da adolescência
  • A adolescência na clínica do parlêtre.

Já estamos, portanto, com a pesquisa em andamento, e ainda mais nos animamos por ser, certamente, o tema de trabalho de várias seções da EBP, tal como será para a XX Jornada de Psicanálise-EBP-MG, cujo título, já anunciado na Agenda/2016, é: jovens.com: corpos e linguagens, a se realizar em 02 e 03 de setembro de 2016.

Mas, o que é a adolescência ?

A essa pergunta, Miller[1] responde “que nenhuma definição é unânime. O que é certo existir, seguindo Freud no texto Três ensaios, é a puberdade.” Miller utiliza duas expressões que determinam limites temporais para distinguir adolescência e puberdade:

Terminus a quo que se refere a uma temporalidade a partir da qual se começa a contar um prazo, é referido à puberdade.” A puberdade é o terminus a quo da adolescência. Tem uma realidade cronológica”.

terminus ad quem não possui tal qualidade cronológica, portanto, se há uma realidade para a adolescência, trata-se de uma realidade sociológica. Não se sabe quando a adolescência termina, a não ser seguindo o que dela fala a sociedade.

Através de Em direção à adolescência[2] soubemos do livro de Epstein: The case against adolescence. Se seguimos Miller diremos que se trata de um slogan simpático. Aqui você poderá ler o escrito de Alexandre Stevens, que leva o mesmo título do livro, amavelmente cedido para essa publicação, no qual Stevens faz uma análise rigorosa do pensamento de Epstein. Ele destaca que para o autor há grande infantilização dos teenagers e que tal fato se acha na origem dos fenômenos que surgem na adolescência. É o que nos está confirmado por Miller,[3] ao dizer que Lacan “não está distante dessa ideia, atento como estava aos signos da “intromissão do adulto” no jovem.”

Gregory Euclide, All of your diamonds slipped green points into the ease of not knowing, 2012Gregory Euclide, All of your diamonds slipped green points into the ease of not knowing, 2012

Ainda sobre o pensamento de Epstein, não deixe de ler a contribuição de Ana Martha Maia que destaca o argumento do autor para a afirmação de que a adolescência é uma construção cultural e, igualmente, a ideia dele sobre a responsabilização dos jovens. Ao avesso da infantilização dos teens, uma prática realizada por Paula de Paula, a partir de parcerias institucionais, nos dá o testemunho de como a causa psicanalítica orienta na aposta do desejo do sujeito. Uma intervenção junto aos jovens, em escolas de Belo Horizonte, fundamentada na política do desejo de Freud e Lacan.

Ah, Freud igualmente está conosco através de sua intervenção na reunião de trabalho das quartas feiras, em Viena: exatamente na reunião de 13 de fevereiro de 1907. Tema? O despertar da Primavera, de Frank Wedekind. Uma frase que nos chama a atenção para o que se antecipa à problemática da inadequação sexual: “…direi, e sublinho isso, que as teorias sexuais das crianças constituem um tema que merece ser estudado como tal, ou seja: como as crianças descobrem a sexualidade normal?”

Domenico Cosenza, a quem igualmente devemos agradecimentos não apenas por sua autorização a Cien Digital, mas sobretudo pela precisão de seu ensinamento, nos diz: “O enigma que constitui o inconsciente do sujeito entra assim em jogo no coração do processo de iniciação sexual do adolescente” e classifica esse fato como primeiro tempo lógico, onde existe relação sexual, que é representável em uma cena que inclui o sujeito. Duas perguntas fundamentais: como o adolescente acede a esse primeiro tempo lógico na atualidade? Se não for possível, – agora que já não há véu em torno do enigma- há chance para o segundo tempo lógico -, que seria a inexistência estrutural do papel sexual?

“Do jogo com o véu ao véu arrancado”, de Christiane Page e Laetitia Jodeau-Belle, é extraído – com a gentil autorização das autoras – do livro delas, “A não-relação sexual na Adolescência”, que vai de mãos dadas com o texto de Domenico Cosenza, num diálogo que nos propõe a reflexão sobre a sexualidade do adolescente contemporâneo. As autoras demonstram como os dramaturgos, os cineastas, de Wedekind aos da contemporaneidade, percorrem a temática da não-relação sexual. No entanto, se o “véu levantado não mostra nada” corresponde à época de Wedekind, na atualidade não é assim. Em nossos tempos, com o véu levantado verifica-se a ascensão do objeto na cena. “Questão de época”.

Que palavras e ensinamentos nos trazem duas psicanalistas,cada uma autora de livro recente sobre adolescentes, entrevistadas por Cristiana Pittella para essa edição? Hélène Deltombe, autora de Les enjeux de l’adolescence e Damasia Amadeo Freda, autora de El adolescente actual, com suas respostas às questões que lhes foram endereçadas, nos deixam um fecundo campo de trabalho.

Os Laboratórios do CIEN têm sua prática onde for que uma demanda de trabalho junto aos adolescentes aconteça. Como as questões dessa prática se  apresentam complexas e delicadas, exigem rigor, cada vez mais, em seu debate. Virgínia Carvalho nos deixa um elenco de perguntas que nos colocam na tentativa de respondê-las fazendo jus “à altura de nossos deveres no mundo”.

Desejamos-lhe boa leitura !

 


Notas:

1  MILLER, Jacques-Alain. Prefácio ao livro El Adolescente actual de Damasia Amadeo Freda. Bs. As. Unsam Ed. 2015.

2  _______________ Em direção à adolescência, acesso em http://minascomlacan.com.br/publicacoes/em-direcao-a-adolescencia/

3  O. citada, p.12.
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Sexualidade: Intervenção de Freud sobre O Despertar da primavera

by cien_digital in Apresentação, Cien Digital #19

Auguste Rodin, une main entre les cuisses dite Naissance de Vénus

S. Freud[1]

[…] Podemos pensar que Wedekind tem uma profunda compreensão do que é a sexualidade. Para nos convencer é suficiente verificarmos como no texto explícito dos diálogos passam constantemente subentendidos de caracter sexual. […]

Para retornar ao O Despertar da Primavera direi, e sublinho isso, que as teorias sexuais das crianças constituem um tema que merece ser estudado como tal, ou seja: como as crianças descobrem a sexualidade normal? No fundo de todas as concepções equivocadas que elas podem fazer, há sempre um núcleo de verdade. […]

Considero como uma notação muito fina por parte de Wedekind a de mostrar entre Melchior e Wendla um empuxo ao amor objetal sem escolha de objeto, dado que não estão de modo algum apaixonados um pelo outro. O fato que Wendla, a masoquista, não ter sido espancada por seus pais, prova igualmente que Wedekind não se deixa enganar pelos clichês habituais – caso contrário, ele a teria apresentado como tendo sido espancada na sua infância. Ao invés, ela se queixa de não tê-lo sido de forma suficiente. Isso é verdade: geralmente os que foram espancados severamente na sua infância não se tornam masoquistas. […]

A ênfase que Wedekind dá à última cena, aquele humor mordaz, é perfeitamente justificado do ponto de vista poético. O que ele quer dizer é: tudo isso é só infantilidade, um absurdo. Podemos certamente, com Reitler, ver nos dois personagens, Moritz e o homem mascarado, as duas correntes que dividem a alma de Melchior, que é ao mesmo tempo atraído pela morte como pela vida. Também é verdade que o suicídio é o ápice do auto-erotismo negativo.

E, a esse respeito, a interpretação de Reitler é exata: negar o amor a si mesmo é suicidar-se. Durante essa última cena, não há nada mais que o humor no interrogatório a que é submetido o homem mascarado. Encontra-se atrás dos pensamentos mais profundos. O demônio da vida é ao mesmo tempo o diabo, ou seja, o inconsciente. Tudo se passa, efetivamente, como se a vida estivesse submetida à questão. Esse tipo de exame é um traço característico que reencontramos regularmente nos estados ansiosos. Num acesso de angústia, por exemplo, um sujeito começa por se interrogar supostamente para verificar se ele ainda mantém sua razão.

Porque, por trás, a Esfinge ronda a angústia (“Esfinge” significa o “Estrangulador” – (“étrangleur”). A questão que está na base de todas essas interrogações é, indubitavelmente, a que surge da curiosidade infantil sobre a sexualidade: de onde vêm as crianças? A Esfinge apenas coloca a questão inversamente: o que é, portanto, que vem depois? Resposta: o ser humano. […]

Tradução: Maria Rita Guimarães

Notas:
1  Intervenção sobre O Despertar da primavera, texto des Minutes da Sociedade Psicanalítica de Viena (XIIIe Minute), redigida por Otto Rank, International University Press, New York, 3 vol., 1962-1974, traduzida ao francês por Jacques-Alain Miller. Acessível no site http://www.colline.fr/sites/default/files/archive/0.651604001267619461.pdf
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A iniciação na adolescência: entre mito e estrutura

by cien_digital in Cien Digital #19, Hífen

Geoff Mc fetridge • Us as a logo 2, 2011

Domenico Cosenza

Em nossos dias, a ideia da adolescência como momento de crise estruturante na experiência do sujeito foi colocada em questão. O debate coloca em dúvida o tamanho do corte, da discontinuidade no tempo da experiência infantil, como o alcance liberador e a separação para o jovem em relação ao modo de vínculo com seus pais. De acordo com alguns autores do campo sociológico e psicológico é, em particular, a adolescência de nossa época a que torna problemática a noção de crise da adolescência. O modo de vida dos adolescentes colocaria em evidência um “analfabetismo introspectivo”[1] “un hedonismo moderado”, um conformismo e um pacifismo que chocam com a imagem codificada do jovem rebelde, contestador da tradição. Nessa perspectiva, a leitura psicanalítica da passagem pela adolescência tende a ser reconduzida numa variante contemporânea da representação romântica do processo de formação do jovem, reduzido a um mito: o adolescente como Sturm un Drang,[2]tempestade e pressão[3] em que a leitura freudiana em termos de remodelação da economia pulsional não seria nada mais que uma sutil reformulação no campo da clínica.

Mais além da apreciação que possamos fazer desta leitura, o que importa é a questao que pode resultar para os psicanalistas, relativa ao estatuto de adolescência e os efeitos da transformação que as mutações histórico-sociais podem produzir nela.

Que é, de fato, a adolescência na época em que o Outro não existe? Como os adolescentes de hoje governam o encontro com o real do sexo e da morte? É quando a operação de proibição e de vigilância sustentada pela função paterna mostra, neste momento de nossa civilização, os signos de um declínio progressivo. Como os adolescentes tramitam este encontro com o real sem poder contar, em alguns casos, com o papel estruturante do Nome do Pai sobre a função de orientação do Ideal do eu e sobre sua ação de regulação humanizante do gozo? Como podem colocar em marcha um movimento de separação, quando é o Outro social que lhes ordena gozar sem limite, quer dizer, não se separar? Essa é verdadeiramente a questão, relevante no registro ético e clínico, que o nó da adolescência contemporânea comporta para nós, hoje em dia.

Mernet Larsen • Gunfighters, 2001

A sexualidade na adolescência: a passagem da puberdade à iniciação sexual

O problema se situa com o papel do adolescente contemporâneo com a sexualidade como pedra angular de seu desenvolvimento. Com o real do sexo, na brilhante passagem da puberdade. Freud, de fato, coloca a questão essencial acerca da qual o sujeito adolescente busca sua resposta. Nesse sentido, o adolescente apresenta-se para a psicanálise, segundo a eficaz fórmula de Alexandre Stevens, como “sintoma de puberdade”[4]. Trata-se para o sujeito adolescente de se situar em uma posição desejante que lhe seja própria, sob o relógio pulsional que atravessa seu corpo durante a puberdade. A essa exigência responde ativamente, depois da passagem da puberdade – o ciclo menstrual para a menina e a ejaculação para o menino – o tempo lógico da iniciação sexual para o adolescente. Ele é, portanto, introduzido na união com o gozo com o outro sexo, o que lhe abre à experiência e à questão do papel sexual.

Em seu “Prefácio a O despertar da Primavera“, de Wedekind, Lacan formula dois tempos essenciais neste processo, que subtraem a experiência do adolescente de uma linearidade psicológica gradual, que fará da iniciação sexual o tempo de realização necessário na passagem da puberdade à adolescência. Antes de tudo, introduz a eminência do inconsciente do sujeito como dimensão que, através do sonho, põe em cena o papel sexual do adolescente com seu “parceiro”: “sem o despertar de seus sonhos”[5] os jovens não precisariam mais do que isso para fazer amor com as garotas, escreve Lacan. O enigma que constitui o inconsciente do sujeito entra assim em jogo, no coração do processo de iniciação sexual do adolescente. No fundo, é um primeiro tempo lógico desse processo: a elevação do papel sexual ao nível do inconsciente, que o faz existir para o sujeito numa representação singular, imaginária, como um enigma, num quadro fantasmático onde se presta ao fantasma. Por conseguinte, o primeiro tempo é para o adolescente onde existe relação sexual, que é representável em uma cena que o inclui. Em segundo lugar,Lacan ilustra em que consiste o nó real que tal experiência iniciante revela ao adolescente, definindo-o como verdadeiro princípio de iniciação: “que o véu levantado ( sobre o mistério da sexualidade) não mostra nada”[6]. Outro modo de dizer que a “sexualidade faz furo no real”[7]. Podemos situar aqui o segundo tempo lógico do processo de iniciação sexual na adolescência: aquele no qual o adolescente encontra, nas primeiras vicissitudes da vida sexual com seus parceiros, como experiência que faz trauma para ele, a inexistência estrutural do papel sexual.

É no curso desse segundo tempo que o adolescente experimenta que na relação sexual o gozo é irredutível e não faz relação. Esse tempo em que “não há relação sexual” está em relação estrutural com o primeiro tempo, no curso do qual, ao contrário, a relação sexual existe, é representável para o sujeito e funciona como um véu inconsciente do furo da não-relação sexual. É exatamente nesta tensão dialética entre o que pode fazer existir a relação sexual (T1) e o encontro traumático com sua inexistência (T2), entre o tempo do véu e o tempo do trauma, que se estrutura a iniciação sexual do adolescente.

Ricardo Villa, Dividir para governar, 2014

Existe iniciação sexual do adolescente contemporâneo?

A perda do véu ao redor do enigma da sexualidade só pode se ressentir sobre a relação do adolescente contemporâneo com o sexo. Lacan destaca isso, remarcando a dimensão pública do alçamento do véu no mundo atual ao redor da questão da puberdade.[8] O efeito de tal operação, que é solidária à decadência da função paterna, pode se representar, tal como o sublinha o sociológo Gilles Lipovetsky[9] __citado num artigo de Serge Cottet__[10] no “desencantamento do sexo”, pela “banalização da liberdade sexual”[11], na “indiferença[12] e na apatia[13] amorosa da maior parte dos adolescentes contemporâneos. Essa dificuldade, segundo a qual o sexo faça enigma para o adolescente contemporâneo, dá prova de um beco sem saída no processo de sintomatização da puberdade mesma, colocada em jogo fundamental para a psicanálise na experiência do adolescente.

Podemos situar, principalmente, uma dificuldade do adolescente contemporâneo em se situar no T1 da iniciação sexual, isto é, no encontro do sujeito com o sexo como enigma inconsciente representável na “Outra cena”. O primeiro nível de dificuldade para o adolescente de hoje consiste em fazer existir a relação sexual. Fazer existir um Outro do Outro, num mundo que se caracteriza por um fechamento _ para não dizer de uma recusa_ do inconsciente; condição que não permite ao sexo obter para o sujeito um valor enigmático. Em segundo lugar, essa ausência de estruturação do sexo como representação inconsciente traz prejuízo ao modo de encontro, para o adolescente, do tempo T2, esse da iniciação como trauma da inexistência do Outro do Outro. De fato, como sublinha Jacques-Alain Miller,[14] sem véu, sem ideal, não há trauma subjetivável.

Como pode o adolescente levar a cabo sua vida com sua própria iniciação subjetiva, nas condições atuais em que a inexistência da relação sexual, a ausência de um Outro que funcione como garantia, apresentam-se como um dado que se difunde socialmente como uma verdade intríseca ao niilismo de hoje?

Os chamados transtornos de conduta na adolescência, as práticas compulsivas caracterizadas por suas frequentes passagens ao ato, típicas da adolescência e mais ainda na adolescência contemporânea, apresentam-se, como sugere Philippe Lacadée, como fracassos e alternativas ao processo de estruturação de um sintoma no sentido freudiano do termo, impasse no trabalho de nomeação do real que não se nomeia.

Paul Kaptein, Two forms of stillness, 2014

Para o adolescente, contudo, os sintomas podem, em muitos casos, assumir um valor paradoxal, uma tentativa desesperada para fazer existir a relação sexual, para construir o Outro do Outro e encontrar uma via de acesso à sexualidade. Resta ao analista lhes permitir posicionarem com palavras esta função incluída no coracão de seus atos desordenados, condição preliminar de uma subjetivação. E levá-los a transformar seu sintoma em elemento não generalizável, mas, ao contrário, em algo que se possa fantasiar.

O problema dos adolescentes de hoje em dia a respeito do sexo se apresenta, portanto, inverso ao olhar das épocas precedentes. De fato, não se trata para eles de conseguir em primeiro lugar levantar o véu que reveste o mistério do sexo depois de havê-lo construído inconscientemente. Porém, do que se trata, principalmente, é de introduzir um véu, permitir o surgimento da fantasia que limita e faz sustentável o desvio do jovem adolescente exposto sem mediação alguma ao objeto que não se nomeia, em jogo na relação entre os sexos.

É unicamente assim que se tornará possível, por meio do trabalho de nomeação, confinar a inexistência da relação sexual como trauma subjetivável, preservando-se assim, de recair sobre as derivas do sem limite próprio da adolescência contemporânea.

Tradução: Maria Rita Guimarães

Notas:

1 Francesconi, M., ”No più non ancora. Una riflessione psicoanalitica sul perturbante del crescere in adolescenza”, en Barone, L. ( comp.), Emozioni e disagio in adolescenza, Unicopli, Milán, 2004, p.168.

2 Offer, D., Shoner-Reichl, K.A. (1992) “Debunking the Myths of Adolescence: Findings from Recent Research”, Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 31, p.1.003-1.013.

3 NT: o termo Drang geralmente foi traduzido para o português por “pressão”; entretanto, em alemão, o termo também tem a acepção de “ânsia”, “afã”, “urgência”, “anseio”, “ímpeto” e “desejo intenso”, e evoca sentidos que vão além de “pressão”. Ao se perderem esses nexos geralmente agregados ao termo Drang, que tal como “ânsia” em português unifica em uma mesma palavra a polaridade entre a “necessidade” e a “pressão” de um lado e a “vontade” e o “anseio” de outro — portanto, que interligam a conotação de “urgência” e “desconforto” com as conotações de “busca de alívio” e “desaguadouro” —, perdem-se aspectos teóricos fundamentais deste termo enquanto conceito teórico. Freud afirma ser Drang a essência da pulsão, e de fato é o Drang que promove a ligação entre o somático e o psíquico no percurso da pulsão. Acessível em http://www.imagoeditora.com.br/hotsite_freud/imagens/criterios.pdf

4 Stevens, A., “Adolescência, sintoma da puberdade. Curinga, Belo Horizonte, EBP-MG, 2004, n. 20, p.27-39.

5 LACAN, J., Prefácio a O despertar da Primavera, Outros Escritos,J. Zahar Editor, R.J., 2003, p.557.

6 Ibdem, p.558.

7 Idem

8 Idem

9 LIPOVETSKY, G., Le Bonheur paradoxal. Essai sur la societé d’hyperconsommation, Gallimard/Folio, Paris, 2006.

10 COTTET, S., “Le sexe faible des ados: sexe-machine et mythologie du coeur”. La Cause freudienne, n.64, Navarin/Seuil, Paris, octubre de 2006, p. 67-75.

11 Ibdem, p.71.

12 LIPOVETSKY, G., L’ère du vide. Essais sur l’individualisme contemporain, Gallimard/Folio, Paris, 1989, p.52.

13 Idem

14 Effets thérapeutiques rapides en psychanalyse. La conversation de Barcelone. sob a direção de J.-A. Miller, Navarin, Paris, 2005, p.40.
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Entrevista

by cien_digital in Cien Digital #19, ENTREvista

Richard Butler, noisymouth, 2013

Hélène Deltombe[1]e Damasia Amadeo Freda[2]

A adolescência, tema ao qual o Campo Freudiano nos convida ao trabalho, nos é apresentada por Freud como um período traumático em que o jovem é colocado à prova: alguns enigmas de sua existência se atualizam. Nesse turbilhão e por vezes desespero, há uma abertura para novos arranjos e ajustes subjetivos necessários. Novos sintomas surgem como resposta ao real em jogo nesse momento de crise, delicada transição, que produz um despertar, como nos ensina a literatura.

Espaços de conversação tornam-se fundamentais pois cada saber abordará esses sintomas a partir do modo como define o real.

Investigar o adolescente hoje nos permite encontrar duas autoras, duas psicanalistas, que nos brindam cada uma com seu livro, referências para nossas pesquisas.

A primeira, Hélène Deltombe em Les enjeux de l’adolescence nos permite entrar em seu consultório, ela nos dá um testemunho de sua clínica com os adolescentes. Apesar dos impasses e dificuldades com o corpo e com a linguagem, o jovem – que está num momento decisivo entre a infância e uma aposta para o futuro -, pode através da palavra, no encontro com essa psicanalista, visitar a trama de sua existência e descobrir nela uma via singular de seu desejo.

A segunda autora, Damasia Amadeo Freda, em seu livro El adolescente actual, nociones clínicas, também nos demonstra sua experiência como psicanalista. Ela nos ensina como os adolescentes são os que mais manifestam o declínio da autoridade e do saber, e também nos revelam as temperaturas das modificações do amor: seus sintomas são paradigmas do real de nossa época.  Essa clínica, mais  que qualquer outra, nos coloca diante questões e invenções. As duas psicanalistas em seus livros transmitem diversos índices de que há algo novo na adolescência. E como a psicanálise é viva, atenta ao que faz exceção para cada sujeito pois não há nenhum método ou técnica válida para todos. Podemos retirar deles a lição de como é preciso – aos parceiros dos adolescentes -, não ceder sobre seu desejo e que uma aposta deve ser, a cada encontro com o jovem, renovada. Neste sentido, são livros que certamente vão interessar aos profissionais de disciplinas diversas!

CIEN Digital: Quais os desafios  da adolescência?

Hélène Deltombe: Para além dos traumatismos que cada um pode encontrar em sua existência – os acontecimentos marcantes, as palavras que ferem, as relações que perturbam, as violências – a adolescência é em si um período traumático pois se trata de arrancar-se de sua família e de preparar seu futuro. O adolescente, na incerteza e na angústia da solidão, é tomado pelos conflitos íntimos entre ideal, procura do amor,  vontade  de gozo, e ele se sente desorientado, o que favorece a formação de sintomas e as passagens ao ato. E ainda mais que, na puberdade, as pulsões se assinalam com violência e fazem vacilar o equilíbrio que o sujeito havia, mais ou menos, conquistado durante a infância, mas que era em parte imaginário, e não é mais suficiente para responder às questões essenciais: como deixar seus pais, como encontrar o Outro sexo, como assumir sua própria sexualidade, o que é o amor?

Marcel Broodthaers, La Tour Visuelle, 1966

Os adolescentes dos dias atuais  referem-se menos às gerações precedentes que aos seus semelhantes, aos quais preferem se conformar sob o modo de identificação, não somente pelos gostos comuns, formas de culturas compartilhadas, as modas, mas também por sintomas que correm o risco de não serem considerados como tais, nem pelo seu entorno nem por eles mesmos, enquanto dão ao adolescente o sentimento de uma identidade comum que os conforta nessa via.

A adolescência não é mais a revolta contra o pai que ela foi há tempos, os sintomas não se desenvolvem mais por identificação a um traço do pai, mas tomam a forma de epidemias, sobre o modo de identificações recíprocas no seio de uma faixa etária.

Certas adicções, como os jogos eletrônicos, são um exemplo; o alcoolismo e a toxicomania, que comportam o risco de um processo de marginalização, são um outro.

Os sintomas correm o risco de serem reduzidos a índices de pertencimento a uma faixa etária em lugar de se revelar como um apelo à escuta de um sofrimento íntimo.

Esse é, entretanto, desde sempre, o papel de um sintoma, na condição de que o adolescente não se perca numa procura desenfreada de gozo como único recurso contra a angústia, se abrigando em um grupo identitário que lhe evita de se situar como sujeito tendo questões para resolver, para discernir seu desejo.

CIEN Digital: O que um adolescente pode encontrar em um psicanalista?

Hélène Deltombe: Hoje, o adolescente está muito só em sua luta para encontrar seu lugar na sociedade. Com a falta de ritos de iniciação, o encontro com um psicanalista pode se constituir para ele em uma chance de encontrar o apoio transferencial necessário para se engajar na via de seu desejo.

Nesse encontro, o adolescente pode formular o que faz traumatismo para ele: os dizeres de seus pais, as pulsões que o transbordam, o peso do gozo do Outro. A questão que se coloca em cada caso é a de saber se subsistem marcas indeléveis, para encontrarmos uma forma de reduzir o peso mortífero; ou ainda, como transformar esse impacto por um esclarecimento mais justo sobre a existência, segundo os significantes do sujeito.

O discurso analítico suscita uma palavra própria para restituir ao sujeito sua parte de verdade e um saber sobre seu ser a partir do surgimento das formações do inconsciente – lapsos, atos falhos, sonhos. É uma palavra que segue o ritmo próprio do sujeito a fim de favorecer o encontro do real com a linguagem. A aposta a ser feita é aquela de uma entrada decisiva no laço social segundo a singularidade de seu desejo.

O real do gozo é esvaziado pelo processo de palavra que oferece o dispositivo analítico, que permite à linguagem furar o real, fazer efração no real em jogo para o sujeito em relação a um traumatismo, ou face ao gozo do Outro, ou ainda, quanto a seu masoquismo ou da pulsão de morte em jogo.

Quando o sujeito está em impasse com uma violência que não cessa de transbordar, o apelo pode ser feito à psicanálise para lhe permitir  se inscrever na linguagem, para tratar suas relações com os outros de um modo simbólico em vez de permanecer em um nível imaginário, onde as paixões se desencadeiam.

Ana Cristina César, do livro A teus pés, 1982

CIEN-Digital: O que a psicanálise aprende com os adolescentes?

Hélène Deltombe: Podemos compreender que seja difícil para um adolescente resistir aos chamados de identificação aos outros adolescentes, a vinculação a um grupo social efêmero quando ele desempenha o papel de uma tábua de salvação. Na puberdade, as pulsões se assinalam com violência e fazem vacilar o equilíbrio que o sujeito tinha mais ou menos encontrado durante o período de latência. Se o grupo que o adolescente pertence privilegia as experiências de gozo, acontece que o adolescente descobre a dimensão sexual na brutalidade das confrontações e das passagens ao ato cuja violência o afunda na confusão. São momentos de desaparição do sujeito que colocam em perigo sua relação com a linguagem.

Cada adolescente tem a necessidade de descobrir os laços possíveis  – diferentes para cada um – entre real, imaginário e simbólico, afim de viver uma sexualidade que favoreça a realização de si. A questão é de tentar « fazer a coalescência, por assim dizer, dessa realidade sexual e da linguagem », bem como Jacques Lacan o indica por essa fórmula concisa em sua Conferência em Genebra sobre o sintoma em 1975. Dessa forma, não é o pai enquanto tal que é o ator principal que permite ao adolescente se emancipar, mas muito mais seu engajamento na linguagem. O essencial é conseguir enlaçar o real em jogo com o imaginário e o simbólico através da linguagem.

CIEN-Digital: Quais diferenças a senhora encontrou entre o adolescente de hoje e o adolescente dito freudiano?

Hélène Deltombe: O processo de identificação ao semelhante  substituiu a identificação ao pai, tradicionalmente no centro da construção da personalidade. Classicamente, observava-se o adolescente se desligar da admiração pelo seu pai liberando-se de sua dependência,  identificando-se aos traços de sua personalidade. Esse processo não é mais possível em uma sociedade onde o pai não é mais uma figura exaltada, inclusive na infância.

Jean Cocteau, Porte du ciel, 1972

Até mesmo, o período do declínio paterno se foi. Não são mais os pais que hoje são derrubados, são os jovens que são excluídos. Não há acesso ao saber para um número crescente de jovens, exclusão do trabalho com o aumento do desemprego. Nota-se a ignorância, e mesmo o analfabetismo de um número importante de adolescentes, um aumento de desigualdades que resultam em um processo de segregação que tem cada vez mais precocemente lugar.

Constatando esse fenômeno, Jacques Lacan tirou as consequências subjetivas, sobre o plano teórico como sobre o plano clínico. Ele também indicou a conversão necessária a se fazer sobre o plano clínico passando de uma situação social onde prevalecia o Nome-do-Pai, a uma sociedade onde possam ser eficientes os Nomes-do-Pai, quer dizer, significantes, instituições, elementos de cultura capazes de constituir apoios fundamentais para os adolescentes.

Nessa conjuntura de carência da função paterna, os sintomas tomam uma nova forma. Nós os chamamos sintomas do laço social porque isso toca o laço com os outros: alcolismo, toxicomania, bulimia, anorexia, delinquência, suicídios, padrões de vestuários, modos de comportamentos, modos de expressão que acentuam os fenômenos de ruptura e de processo de marginalização dos adolescentes.

O analista não tem outra alternativa que aquela de se deixar guiar por essa demanda paradoxal, a de encontrar o bem-estar enquanto a forma de adicção adotada pode levar à morte. O desejo do analista não pode encontrar essa via senão articulando-se a essa procura, trata-se « de fazer do gozo uma função e de lhe dar sua estrutura lógica ».[3] Apesar do paradoxo que comporta uma demanda, trata-se de confiar na palavra, pois o processo da palavra no dispositivo analítico permite aos significantes surgirem. Há uma lógica do encadeamento do significante que vai ter prioridade sobre sua vontade de gozo.

« A linguagem está ligada a alguma coisa que no real faz furo. É dessa função de furo que a linguagem opera sua tomada sobre o real. Não há verdade possível senão essa de esvaziar esse real »[4]

CIEN-Digital: O que há de atual na adolescência?

Richard Serra, instalação Ramble Drawings, 2015

Damasia Amadeo Freda: Há determinados comportamentos que falam de uma complexidade, de um agravamento na adolescência atual. Para tomar uma só via, podemos ver uma  gradação de comportamentos que, em definitivo, apontam para o mesmo. Por exemplo, as lesões que o adolescente inflige em seu corpo – as auto-lesões -, são marcas, pequenos traços, signos de algo que não sabemos bem, nem os psicanalistas, nem eles mesmos, signo do que é. Logo, estão também, o assédio ao semelhante e por pura diversão; um assédio que impacta o corpo do outro e que tem um nome: bulling. Que se trate de um acosso virtual ou de um ataque real, o fim é o mesmo: produzir dano no outro. Em outro extremo, temos a imolação de adolescentes na radicalização religiosa, a qual consiste na destruição total do corpo, o de quem se imola e o do outro ao qual se ataca com esse ato, um outro multiplicado e anônimo nesse caso.

Evidentemente, temos que diferenciar cada um desses comportamentos, mas todos tem um denominador comum: o dano do corpo. Há aí um índice de algo novo na adolescência que bem poderia se enquadrar dentro das características próprias do registro imaginário que, sabemos bem, hoje predomina sobre o registro simbólico. No caso da radicalização, pareceria tratar-se, também, de um chamado desesperado e extremo à re-instauração da lei, mas uma lei impiedosa e feroz.

É claro que também há outras características da adolescência atual, mas me interessa colocar em relevo essas porque são um signo da mudança de época e que os adolescentes encarnam lamentavelmente.

CIEN-Digital: Em sua experiência clínica, os adolescentes se nomeiam a si mesmos “adolescentes”?

Damasia Amadeo Freda: É interessante sua pergunta, e teríamos que estar mais atentos para ver se eles se nomeiam “adolescentes”. Não me é particularmente presente escutá-los falarem de si mesmos como adolescentes. Por exemplo, defender um direito ou justificar uma ação invocando esse nome. Por outro lado, é certo que a sociedade os nomeia “adolescentes”, é certo que o Outro os enquadra dentro desse nome. Mas é certo que dentro dessa categoria – que é uma nomeação -, se incluem os Nem-Nem, os diferentes nomes das tribos urbanas ou de manifestações que, por serem desconhecidas e recentes, rapidamente se catalogam com nomes de síndromes novas, como é o caso da afluenza. Trata-se de sub-nomeações dentro de uma nomeação maior que é a adolescência mesma.

Hernan Bas, Wine River (Fountain of Youth), 2010

É importante poder indagar com maior precisão sobre essa temática, porque vai na linha do que lhes dizia anteriormente a respeito do chamado a uma ordem. A nomeação é também uma forma de ordenar elementos semelhantes, é sem dúvida uma tendência ao ordenamento, e temos que estar atentos a sua vinculação e a sua instalação como possível substituição frente ao declínio de outra ordem, a patriarcal.

CIEN-Digital: O que é a adolescência para eles?

Damasia Amadeo Freda: A clínica e os exemplos anteriores mostram que para eles é um momento muito difícil, muito mais complexo do  que em outra época, porque está marcado por uma grande desorientação, da qual podem derivar ações erráticas, em omissões, mas também em soluções extremas, como é o caso da radicalização religiosa.

CIEN-Digital: E para a psicanálise, o que é um adolescente?

Damasia Amadeo Freda: Fundamentalmente, é a possibilidade de interrogar e investigar sobre as modificações da subjetividade da época. A adolescência de hoje está  nos dando a temperatura de um tipo de subjetividade muito mais abrangente do conjunto social. A adolescência nos dá a idéia de uma desorientação subjetiva que busca desesperadamente um norte, o qual não é tão certo que se possa encontrar facilmente.

Com respeito ao adolescente em si, a psicanálise pode ser um bom instrumento para ajudá-lo a encontrar uma orientação mais de acordo ao próprio desejo. Porque os desejos, os genuínos, muitas vezes se encontram aprisionados entre as palavras e por tal motivo não encontram uma boa forma para se expressarem. Então é questão de lhes dar a palavra para que esses desejos se expressem e encontrem melhor rumo.

Entrevistas e Tradução: Cristiana Pittella de Mattos
Revisão: Sérgio de Mattos

 


Notas:
1  Hélène Deltombe é psicóloga, psicanalista, membro da École de La Cause Freudienne (ECF) e da Associação Mundial de Psicanalise (AMP).
2  Damasia Amadeo de Freda é psicanalista, membro da Escuela de la Orientación Lacaniana (EOL) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP).
3  Miller J.-A., « Une lecture du séminaire D’un Autre à l’autre », Revue la Cause freudienne n°65, Paris, Navarin, 2007, p.105.
4  Lacan J., Le Séminaire, Livre XXIII, Le sinthome, Paris, Seuil, mars 2005, p.31.
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Apresentação do texto “Em direção à adolescência” de Jacques-Alain Miller

by cien_digital in Cien Digital #19, Contribuições

Cayce Zavaglia, Sophie, bordado a mão, 2013

Ana Lydia Santiago

Intervenção de encerramento da 3ª Jornada do Instituto Psicanalítico da Criança

O texto que me cabe apresentar hoje -̶ Em direção à adolescência, de Jacques-Alain Miller – é, em resumo, uma proposta de orientação para os trabalhos preparatórios para a 4ª Jornada do Instituto Psicanalítico da Criança, prevista para acontecer em Paris, em abril de 2017. Consiste, pois, numa indicação de pontos cardeais para um estudo da adolescência.

A leitura desse texto permite-me dividi-lo em duas grandes partes, que designo Aspectos clínicos da adolescência e, mais especificamente, A adolescência na clínica do parlêtre.

I – Aspectos clínicos da adolescência

Pode-se considerar a tendência a se definir a adolescência como uma construção, independentemente de várias outras perspectivas de estudo possíveis ̶ a biológica, a psicológica e outras ̶ , como o aspecto epistêmico mais geral desse texto de Miller. Dizer que a adolescência é “uma construção” incorpora o espírito da presente época ̶ ou seja, uma vertente pós-moderna, segundo a qual tudo é construído, tudo é artifício significante.

A tese de Miller é a de que esta época nega o real, por representar um período muito incerto quanto ao real, que prefere conferir importância preponderante a signos. Que são signos? São semblantes, um misto de simbólico e imaginário. Sobre esse ponto, a originalidade de Lacan e da psicanálise resume-se a articular o semblante com o real. Levar em conta o real, o real da pulsão, esse é o ponto que se deve priorizar em qualquer pesquisa psicanalítica sobre a adolescência.

Na maior parte das pesquisas psicológicas, considera-se que, por se tratar de uma construção, a adolescência pode ser descontruída. Miller cita, a propósito, a obra Contra a adolescência: redescobrindo o adulto em cada adolescente, livro de Robert Epstein, psicólogo e jornalista americano, cujo título, ressalta ele, propõe um slogan simpático. Nessa obra, o autor defende a tese de que, na atualidade, são os adultos que criam a experiência adolescente e, assim, impedem os jovens de agir como adultos. Se, antes, os adolescentes conviviam com os adultos e os tomavam como modelo, hoje, os adultos levam os jovens a viver entre pares, segundo uma cultura que lhes é própria e susceptível a variações de moda e às mais diversas manifestações socioemocionais. Essa é a construção dos adultos para a adolescência, afirma Epstein. Resolver o problema consiste, então, em desconstruí-la.

Egon Schiele, Zwei sich umarmende Frauen, 1911

I.1 – O que é a adolescência para a psicanálise?

Tanto para Freud quanto para Lacan, a puberdade representa uma escansão sexual, um corte no desenvolvimento da personalidade. O tema central do terceiro ensaio, de Freud, antes referido, é este: quando a sexualidade tem início no período púbere, há uma supressão da diferença entre os sexos, a abolição das predisposições à posição feminina ou à posição masculina, o que implica consequências significativas para a sexualidade, que passa a incluir o outro sexo.

Essa supressão é um fato plenamente observável nas meninas. Elas, que, desde muito cedo, bancam a mulher e, para tanto, adotam uma posição adulta, demonstrando precocidade em relação à posição sexual, apresentam, no período púbere, atributos essencialmente masculinos. Toda a preparação presente no seu jogo lúdico – cuidar de bonecas, fazer “comidinha”, ir ao shopping, resolver problemas pelo celular, levar o cachorro ao pet shop e outros –, que constitui um exercício da posição feminina, desaparece, na puberdade, por trás de uma reivindicação viril.

No que concerne aos rapazes, em sua condição de meninos, sempre “às voltas com os mais inflamados tormentos da infância”, o adulto intromete-se marcando a puberdade. A propósito, considere-se o exemplo, reportado por Lacan, do teenager André Gide: aos 13 anos de idade, ele prometeu a si mesmo proteger sua prima Madeleine, de 15 anos, portanto dois anos mais velha que ele. Esse acontecido expressa a imiscuição do adulto na criança, a antecipação da posição adulta no menino.

Ainda na perspectiva da eliminação da diversidade entre os sexos na puberdade, deve-se atentar ao fato de que, nessa faseo narcisismo se reconfigura. É importante, pois, verificar os modos de articulação do Eu Ideal e do Ideal do Eu no desenvolvimento da personalidade, tal como elaborado por Freud, em “Introdução ao narcisismo”, e por Lacan, tanto no esquema R quanto ao longo de O Seminário, Livro 3, As Psicoses.

Bojan Jevtić, Kiss, 2015

Miller convida, então, seu leitor a precisar toda a mutação que ocorre na puberdade ̶ ou seja, a supressão da diferença entre os sexos, pela antecipação da posição adulta e pela reconfiguração do narcisismo.

I.2 – A contemporaneidade da adolescência

O que há de novo sobre a adolescência? O novo pode ser lido em função dos impasses dos adolescentes diante do individualismo democrático resultante da derrocada de ideologias e do enfraquecimento do Nome do Pai. Como se sabe, esse enfraquecimento tem como efeito uma desorientação, antes garantida pela ordem simbólica. No texto em discussão, Miller extrai de estudos clínicos sobre a adolescência produzidos recentemente por integrantes da AMP, os principais sintomas da adolescência no momento atual, de que trato a seguir.

  1. A procrastinação

    A procrastinação da adolescência não é um sintoma novo. No século passado, mais precisamente em 1923, Siegfried Bernfeld já a sinaliza e, neste século, Robert Epstein, já referido, bem como Philippe La Sagna, nosso colega da AMP, retomam esse tema. Este último afirma que, na adolescência, há “um sujeito, que está diante de várias opções possíveis e que as coloca um pouco à prova”.

    Miller relaciona tal conduta dos adolescentes à incidência dos aparelhos e instrumentos digitais, que se traduz numa singular extensão do universo dos possíveis. Há uma multiplicação do elemento do possível, das escolhas possíveis de objetos, que devem ser aferidos para se saber qual o melhor. Tal aferição pode, no entanto, se tornar uma indecisão infinita, cujo efeito implica o adiamento de qualquer opção para o mais tarde possível. Assim, conclui ele, a própria adolescência é uma procrastinação em relação à escolha de objetos.

  2. A autoerótica do saber

    A incidência do mundo digital curto-circuita a mediação do adulto no que diz respeito a acesso ao saber, que não está mais no professor ou nos pais, mas no celular que os adolescentes trazem no bolso ou em outros instrumentos digitais que eles têm à sua disposição. O saber não é mais do Outro nem relativo a desejos dele. Assim, não mais é preciso seduzir, ser obediente ou ceder à exigência do Outro e o saber passa a incluir alguma atividade, de preferência autoerótica.

  3. Uma realidade imoral

    Em outros tempos, os ritos de iniciação enquadravam o acesso à adolescência num registro sagrado, místico. Hoje, porém, os progressos da cogitação pubertária; o uso do pensamento abstrato, que, em linhas gerais, é a capacidade de pensar sobre coisas não concretas – como o amor, o futuro e as regras morais – e de estabelecer hipóteses sobre fatos imaginários, permite aos adolescentes avaliar diferentes alternativas e optar por aquela que mais lhes convém. Segundo Piaget, essa é uma característica dos jovens a partir dos 12 anos de idade.

    Marco Focchi, nosso colega da AMP, em um estudo sobre a adolescência, observa que, presentemente, os pensamentos abstratos conduzem à desidealização oriunda da queda do grande Outro do saber. A propósito, recomendo a todos assistir ao vídeo Aspirational – Kirsten Dunst Selfie Short Film Called Aspirational, de Matthew Frost, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=rwDbOmPQNx0, que é um exemplo desta desidealização, na atualidade.

    Consequentemente, não há sublimação, investimento da libido no saber valorizado pela cultura; em vez disso, observa-se uma “realidade degradada e imoral”. Como afirma Miller, esse aspecto encontra-se na origem das teorias do complô, que, por sua vez, incitam ampla adesão de estudantes e universitários. Tal adesão é indicativa do Outro com que os adolescentes têm que se haver ̶ um Outro degradado e nocivo, um Outro mau. A realidade imoral, portanto, concerne ao Outro do complô ̶ ou seja, a uma desconfiança paranoica em relação ao outro, visto como aquele que tem intenção de destruir o sujeito.

  4. Socialização sintomática

    Hélène Deltombe, também nossa colega da AMP, em O inconsciente da criança, obra recentemente publicada, ao estudar os sintomas que se articulam ao laço social ̶ entre eles, o alcoolismo, a anorexia/bulimia, a delinquência, o suicídio ̶, demonstra que tais sintomas podem se tornar, na adolescência, fenômenos de massa. Essa socialização do sintoma indica que a socialização dos adolescentes pode acontecer de forma sintomática, marcada pela pulsão de morte.

  5. “Outro tirânico” ou quando as demandas do Outro são tomadas como exploração, como ordens superegoicas

    Daniel Roy destaca duas formas de presença do Outro tirânico na vida dos adolescentes: de um lado, a demanda do Outro familiar ou escolar é recebida por eles como um imperativo tirânico; do outro, durante momentos de crise provocadas por adições, os pais e os educadores, na tentativa de protegê-los, instauram regras tirânicas. O autor enfatiza que a interpretação do desejo do Outro familiar ou escolar e o entendimento do desejo da sociedade de tiranizá-los impõem uma autoridade brutal aos adolescentes.

    Miller destaca, a propósito, os trabalhos de dois outros colegas nossos da AMP, que estudam a ocorrência na adolescência de fenômenos sintomáticos decorrentes de mutações da ordem simbólica e do declínio do Lugar do Pai.

  6. A destituição da “tradição”, que afeta, também, os pais

    Vilma Coccoz, de Madri, estuda casos em que os pais se fazem amigos de seus filhos, apenas porque já não sabem mais como ser pais, como exercer a função do Outro que orienta.

  7. Déficit de respeito

    Lacadée, de Bordeaux, destaca a “demanda de respeito” dos adolescentes como uma busca desarticulada do Outro. Ninguém sabe quem pode satisfazer tal carência, pois não há suposição no Outro. Miller traduz essa demanda dos adolescentes nesta frase interjetiva: “Como seria bom ser respeitado por alguém que respeitássemos!” E observa que esse lugar – o de quem merece respeito – está vazio.

II – A adolescência na clínica do parlêtre

As mutações da ordem simbólica – tema de estudo dos últimos congressos do Campo Freudiano –, o declínio do patriarcado ou a perda de potência da voz do Pai associam-se à quebra dos constrangimentos naturais promovida pela ciência, à medida que esta passa a manipular a procriação, a transmissão de saberes e o saber fazer.

Essa interferência da ciência no campo do saber acarreta, por via de consequência, a perda dos registros tradicionais, que ensinavam o que convinha fazer para ser homem ou mulher. Tais registros advêm tanto de religiões quanto do common decency – ou seja, a decência que, comum a todas as classes sociais, orientava as pessoas no sentido de como ser “uma boa moça” ou “um bom rapaz”.

Katsushika Hokusai. One Hundred Tales (Hyaku monogatari), 1830

Segundo Miller, a “tradição”, no ensino de Lacan, designa a religião judaico-cristã. As mutações da ordem simbólica pelo discurso da ciência vêm destruindo, portanto, as tradições dessa religião, deixando um vazio no lugar. É nesse vazio que, bruscamente, se inscreve outra “tradição”: a do Islã, que, então disponível no “mercado”, permanece intocada diante das mutações na ordem simbólica que ocorrem no Ocidente e chega ao mundo ocidental, tornando-se acessível a todos por meio da divulgação e da globalização promovidas pelos diversos canais de comunicação contemporâneos.

O que Miller assinala é que o Islã, por não se deixar intimidar pelo discurso da ciência, estabelece um meio de controlar a relação sexual e, assim, organiza o laço social sobre a não relação. Dessa forma, estatui o que é preciso fazer para “ser homem, para ser mulher, para ser pai, para ser mãe digna desse nome” . Enfim, a “tradição” islâmica não vacila em instruir, em propor normas que ordenam os sexos separadamente e de maneira altamente diferenciada. Cito Miller:

Ele [o Islã] faz da não relação um imperativo que proscreve, que proíbe as relações sexuais fora do casamento e de uma maneira muito mais absoluta que nas famílias, que são criadas com referência a outros discursos, em que, hoje, tudo é laxista, permissivo.

Na tradição do Islã, Alá não é um pai, é o Um absoluto, sem dialética e sem compromisso; é o Deus Um e único, que não “dá brecha” para historietas de romance familiar.

Em face da desorientação promovida como efeito do saber da ciência, o Islã desponta para os adolescentes como uma “boia de salvação” com vistas à organização do laço social com a não relação. Miller enfatiza que a “tradição” islâmica poderia, inclusive, ser vislumbrada como uma solução para o problema do corpo do Outro, não fosse o desvio a que deu origem: o Estado Islâmico. Eis o empecilho levantado por ele quanto a essa “tradição”: o Estado Islâmico é um discurso do Mestre que se apoia no Islã, mas implica consequências altamente destrutivas.

II.1 – A questão fundamental do corpo do Outro

Neste ponto, Miller retoma o terceiro ensaio de Freud sobre as transformações da puberdade e ressalta o problema da transição do gozo na adolescência. E aponta que, para Freud, no momento da puberdade, há uma mudança de estatuto do modo de gozo, que passa da satisfação autoerótica para a satisfação copulatória.

De acordo com Lacan, porém, isso não acontece. Considerando a proposta freudiana de que, nessa fase, todas as pulsões parciais ligadas às zonas erógenas se unificam em direção a um único objeto exterior, ele adverte que tal posicionamento é uma ilusão, que se conecta com toda uma ”mitologia do par perfeito”, em que os gozos se correspondem, juntamente com o amor e outras manifestações sentimentais. Por isso, o gozo é essencialmente autoerótico: goza-se da fantasia. Não há gozo do corpo do Outro, só o do próprio corpo. Mas a ilusão imaginária de se gozar do corpo do Outro embala o império das imagens.

Esse esclarecimento permite a Miller introduzir uma questão fundamental e, a meu ver, de grande atualidade: Pode o corpo do Outro se encarnar no grupo? O grupo, a seita, não dá certo acesso a algo do tipo “Eu gozo do corpo do Outro, logo faço parte”?

Keith Haring, sem título, 1984

Cantar junto não cria certa harmonia, não eleva o espírito, não é da ordem da sublimação? Assiste-se, no momento atual, a significativa proliferação de grupos: os chamados de “células religiosas”em que se pretende cultivar o espírito; os de mulheres, mães que desistem da vida matrimonial e dizem preferir o casamento com Deus para sustentar o cuidado com a prole; os de jovens que se reúnem, também em células, para orar, mas em que prevalece a prática da exclusão do diferente com base em critérios socioeconômicos. Há sublimação nesses grupos? A sublimação, informa Miller, não satisfaz diretamente a pulsão. Trata-se, então, de uma nova aliança entre a identificação e a pulsão? Essa questão parece-me central e concorde com a proposição de Lacan de que o desejo do Outro determina identificações entre sujeitos. Resta, assim, a pulsão que não se satisfaz por essa via.

Seguindo esse raciocínio, Miller interpreta as cenas de decapitação que o Estado Islâmico divulga pelo do mundo. Como ele esclarece, tais cenas se tornaram um bom marketing para a adesão de novos seguidores, como uma forma de aliança entre a identificação e a pulsão agressiva. Não se trata, de forma alguma, de sublimação. Nesse caso, está-se diante do discurso do Mestre:

Em S1, o sujeito identificado como servidor do desejo de Alá se faz agente da vontade. […] S1 é o carrasco; S2, a vítima ajoelhada; a flecha de S1 em direção a S2, a decapitação. Eu satisfaço essa vontade de morte.

No Cristianismo, impõe-se a “vontade de castração inscrita no Outro”, pois a relação é a de pai e filho. O processo resultante leva à castração do próprio sujeito, ao que Lacan descreve como o narcisismo supremo da causa perdida: “Eu me mortifico, eu me privo, eu me castro e eu sou grande porque sou devotado à causa perdida”.

No Estado Islâmico, não há pai nem filho. Trata-se, essencialmente, de vontade de morte inscrita no Outro. A relação está, portanto, a serviço da pulsão de morte do outro: “Eu corto a cabeça do outro e eu estou no narcisismo da causa triunfante”.

Nesse contexto, a proposta da desradicalização dos sujeitos submetidos ao discurso do Mestre revela-se uma ilusão. Não é possível descontruir essa construção, porque não se trata de semblante. Essa construção está ligada ao real do gozo.

Concluindo, afirma Miller: “Como eu acho que estamos lidando com o real, a conclusão política a tirar dessa consideração psicanalítica é que, face ao discurso do Estado Islâmico, a única maneira de acabar com ele é vencê-lo”.

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he Case against adolescence de Epstein

by cien_digital in Cien Digital #19, Contribuições

Lisa Sminorva, bordado, 2015

Alexandre Stevens[1]

ADOMANIA, ADOBASHING, WHAT ELSE ?

Depois de terem desconfiado dos adolescentes, eis que hoje os adultos os invejam. O movimento americano nomeado « Mortified » incita os adultos que sofrem de reconciliação consigo mesmos, a lerem em público passagens embaraçosas de seus diários íntimos de adolescente a fim de « expurgar o teen deles […] e até mesmo reivindicá-lo»[2]. Mas será que por causa disso o opróbio desapareceu? Robert Epstein, descoberto para nós por Jacques-Alain Miller, propõe sobre esse ponto uma tese decidida que não é sem consequências políticas. Alexandre Stevens retifica.

Na terceira jornada do Institut de l’Enfant[3], Jacques-Alain Miller apresentou o adolescente como uma construção a partir de perspectivas que não se recobrem – cronológica, biológica, comportamental, cognitiva, sociológica ou, mais ainda, artística. Uma construção sempre pode ser desfeita e ele observa o dinamismo com que Robert Epstein desconstrói o conceito mesmo de adolescência. É o que expressa precisamente o subtítulo da obra: « Rediscovering the Adult in Every Teen »[4].

Epstein afirma sua tese desde o primeiro capítulo « O Caos e a Causa ». Só depois do fim dos anos 1800 é que esse tempo da vida foi isolado do mundo dos adultos com o objetivo de tratar a suposta dificuldade da adolescência e a desordem desses jovens. Ora, ele sustenta, é o contrário que se produz: essa discrepância, longe de tratar os problemas dos adolescentes, os produz. A « crise » da adolescência, que podemos observar, é a consequência imprevista dessa prolongação da infância. Nunca, com efeito, no curso da história, houve tantas leis ou regulamentos que restringissem as escolhas dos teenagers – segundo o termo inglês que ele prefere visivelmente ao de adolescente. É que, efetivamente, ele critica nossa sociedade ocidental, sobretudo a americana, por considerar os adolescentes a partir apenas da cronologia, da idade.

Essas restrições que tocam os teens trazem às vezes paradoxos insensatos, tais como o seguinte: em alguns estados americanos, alguns políticos querem proibir o ato de fumar aos menores de 21 anos sob o pretexto de que antes dessa idade não se tem um juízo suficientemente claro sobre as condições de saúde. Mas ao mesmo tempo, dezenas de milhares de jovens americanos de 18 anos são enviados à guerra no Iraque sem que se pense que o juízo deles seria insuficiente para medir que isso poderia lhes ser nefasto.

Kati Horna, Invierno en el patio [Winter in the Courtyard], 1939

Epstein denuncia as incoerências do sistema. Nesse sentido, ele inverte algumas evidências do discurso corrente. Todos os adolescentes seriam capazes de tomar responsabilidades sozinhos? Não, com certeza. Mas todos os adultos também não e alguns jovens conseguem isso perfeitamente. Ele vai mais longe: é porque se pensa que eles são incapazes de ser responsáveis que eles frequentemente não tomam decisões que poderiam estar aptos a tomar. Enfim, infantiliza-se excessivamente os teens. Ele propõe, aliás, um teste de infantilização para que cada um possa medi-la. Pensar os adolescentes como menos capazes que os adultos lembra, segundo ele, que há pouco tempo, numerosos americanos pensavam os negros como inferiores aos brancos e as mulheres como mais fracas que os homens.

Ele examina em detalhe a série de « distúrbios » dos adolescentes e os limites que lhes são impostos. O amor e a sexualidade seriam assumidos de modo mais sensato pelos adultos? Por que pensar que uma jovem de 13 anos seria inapta a decidir livremente ter relações sexuais com um rapaz de 25, se ela sustenta isso? R. Epstein vai longe em sua perspectiva e sabe disso, pois toma a precaução de dizer que ele não pode simplesmente responder a essa questão dentro do que é a sociedade americana hoje. Ele responde, no entanto, que mesmo se se lhe recusa o direito, uma jovem de 13 anos é bastante capaz de fazer suas escolhas nesse plano. Da mesma forma para o casamento. Ele acredita nos sentimentos recíprocos, quer dizer, ele acredita na relação sexual.

E depois, por que os teens não poderiam decidir fumar, beber, dirigir, se eles demonstraram que podem fazê-lo? Dirão que eles não são ainda suficientemente sensatos? Mas quantos adultos não dirigem depois de ter bebido? Acontece a mesma coisa em relação ao exército e ao risco corrido se engajando nele. Aliás, a história da França não seria o que ela é se Joana d’Arc não tivesse podido usar armas.

Nenhuma razão de biologia cerebral, nem de medida cognitiva (teste de QI) permite pensar que os adolescentes seriam insuficientemente desenvolvidos. E as leis religiosas estão no mesmo sentido: Maria teve Jesus na idade de 13 anos, Jesus ensinava no templo aos 12 e para os judeus o Bar Mitzvah acontece pouco depois da puberdade. Aliás, se os teens dos USA são os mais atormentados do mundo, nada disso existia nos aborígenes australianos onde a passagem da infância ao estado adulto se fazia por um simples rito que ocorria pouco depois da puberdade.

Etam Cru, Moonshine, 2013

Para R. Epstein, todos os distúrbios dos adolescentes têm a ver com a infantilização deles. A prova disso lhe é dada duas vezes por Freud: primeiro Sigmund não considerou verdadeiramente o conceito de adolescência, mas insistiu apenas sobre a vida adulta e infantil; em seguida, Anna, que recebeu de seu pai uma instrução muito estrita durante sua adolescência, descreve os distúrbios dos teens e os seus próprios! Eis a prova: Freud não acredita na adolescência, mas produziu os distúrbios dela em sua filha, infantilizando-a.

Essa desconstrução da adolescência, que R. Epstein opera dessa maneira, atrai uma certa simpatia. E pode-se mesmo encontrar nela certas posições próximas das nossas nas cinco ideias de base que ele propõe: cada um é único; as competências individuais valem mais do que os a priori que se possa ter; cada um tem um potencial irrealizado; as etiquetas diagnósticas do tipo DSM são perigosas.

Além disso, quando ele descreve o desenvolvimento e os dramas da adolescência como não sendo determinados apenas pela transformação hormonal, nós não podemos senão estar de acordo com ele. Entretanto, não pela mesma razão! Ele denuncia a infantilização dos adolescentes que ele coloca na origem dos fenômenos da adolescência, enquanto, com Lacan, nós consideramos a adolescência como um sintoma da puberdade, já que tudo isso não se produziria « sem o despertar de seus sonhos »[5].

Em R. Epstein, não há nenhum real encontrado pelo sujeito. A puberdade é aí principalmente um momento simbólico particular. Para o resto, tudo é calculável por testes, que ele, aliás, nos propõe, teste de infantilização e, sobretudo, testes de competências. Não se trata certamente de dar todas as liberdades aos adolescentes. Pelo contrário, trata-se de avaliar as competências de cada um dentre eles. Tal como ele diz muito simplesmente: « agora nós devemos tomar um novo ponto de vista sobre os teens avaliando-os sobre a base de suas competências individuais »[6]. O teste de competências se tornaria assim o novo rito de passagem em nossas sociedades ocidentais?

Com certeza a sociedade vai resistir em segui-lo nessa via, diz ele, especialmente por razões econômicas porque a invenção do termo « adolescente » deu lugar ao desenvolvimento de todo um mercado voltado para ele.

Mas, enfim, não é difícil captar que se tantos adultos são finalmente tão infantis e tão pouco responsáveis quanto alguns teens, seria melhor avaliar todo mundo. O projeto simpático de um pouco de liberdade calculada para os jovens poderia bem se transformar numa obscena avaliação generalizada.

Tradução: Cristina Drummond

 


Notas:
[1] ELLE de 22 de maio de 2015.
[2] In: Hebdo-blog n. 46, 24 de junho de 2015.
[3] 21 de março de 2015.
[4] Epstein R., The Case Against Adolescence: Rediscovering the Adult in Every Teen, Quill Driver Books, 2007.
[5] Lacan J., « Prefácio a O despertar da primavera », Outros Escritos, RJ: Jorge Zahar, 2003, p. 557.
[6] « now we need to take a fresh look at teens, evaluating them based on their individual abilities ».
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Robert Epstein e a construção da adolescência

by cien_digital in Cien Digital #19, Contribuições

Audrey Kawasaki, Just the Two of Us, 2013

Ana Martha Wilson Maia

Permanentemente conectado com os acontecimentos no mundo e vislumbrando as contribuições que a psicanálise pode oferecer às questões que atravessam a civilização, Miller tem sido “certeiro”, a cada vez que uma Jornada do Instituto da Criança chega ao final e ele anuncia o tema que orientará o trabalho, durante os dois anos seguintes.

Sua proposta foi especialmente impactante em 2015: na intervenção de encerramento da III Jornada, propôs ao Instituto e aos que participam de suas pesquisas que se dedicassem “a pensar em direção à adolescência”[1].

Com o declínio do patriarcado, entre as mutações da ordem simbólica, está a destruição da tradição. Uma nova tradição surge. Que efeitos podem ser apreendidos na forma dos adolescentes de lidarem, atualmente, com a inexistência da relação sexual, quando o Outro não mais existe[2]? Se o gozo do próprio corpo é solitário, a ilusão de se gozar do corpo do Outro não levaria os adolescentes desorientados a encarnar o corpo do Outro no grupo? Miller pontuou e desdobrou questões fundamentais e o trabalho de pesquisa se iniciou ali.

O que é a adolescência? Como vivem hoje os jovens que há pouco mais de um século se inserem no que chamamos de adolescência? São muitas as definições, tantas quantas forem as referências buscadas. Na antropologia, por exemplo, Le Breton a descreve como uma “época de ruptura, de metamorfose, de confusão, momento de uma entrada delicada em uma idade adulta cujos contornos ainda estão longe de se anunciar com precisão”[3] Seu estudo é dedicado às condutas de risco – tentativas de suicídio, toxicomanias, fugas, errâncias, distúrbios alimentares, adesão a alguma seita, entre outras – tão frequentes no que chamamos de passagem ao ato, na clínica com adolescentes. Para a psicanálise, “a adolescência é uma passagem lógica na escolha de uma posição na partilha entre os sexos, uma delicada transição em que o encontro com o real do sexo comumente suscita angústia e solidão. A queda dos ideais, o abandono das identificações parentais e o gozo indizível se presentificam na estranheza com o próprio corpo”[4]

Albert Oehlen, Untitled, 1992

Para Miller, as definições são controversas e não se sobrepõem porque a adolescência é uma construção, ponto em que sua intervenção introduziu a tese do psicólogo americano Robert Epstein (“que não é nada boba”, ressalta Miller) de que a adolescência é uma criação da cultura que impede que os teenagers, de treze a dezenove anos, sejam como os adultos, isolando-os em uma cultura que lhes é própria

Epstein é pesquisador visitante da University of California, em San Diego, e Fundador e Diretor Emérito da Cambridge Center for Behavioral Studies, em Massachusetts. Editor-colaborador da revista Scientific American Mind, foi editor-chefe da Psychology Today. Publicou diversos artigos em revistas, entre as quais, a Science e a Nature, cujos temas são relacionados à adolescência, sexualidade, criatividade, relações amorosas e motivação.

Em uma entrevista para a revista Época, Epstein[5] sustenta que a adolescência é uma invenção industrial de algumas culturas, uma vez que anteriormente os jovens aprendiam a se tornar adultos convivendo com eles. “Há mais de cem países em que não há qualquer vestígio desse tipo de mau comportamento juvenil – na maioria dos países muçulmanos e no Japão, por exemplo. Onde há vínculo com o mundo dos adultos, não existe esse tipo de problema”. Para ele, o comportamento problemático dos adolescentes não se deve ao divórcio dos pais, hipótese conservadorista, nem à ideia do cérebro imaturo, mito que ele derruba: “Eles passam 70 horas por semana com amigos da mesma idade. Não porque eles não queiram ficar com os adultos, mas porque os adultos não permitem que eles participem da vida adulta. Eles caem na armadilha da escola secundária e ficam isolados”.

Epstein critica a forma como são separados em classes, por idade, onde recebem os conteúdos das mesmas matérias, no mesmo ritmo. Considera que cada criança tem um modo de aprender e que a escola não é um lugar para todos. “Thomas Edson, o maior inventor que conhecemos, foi educado em casa”.

Assim, o título da matéria: “Abaixo a adolescência!” é sua forma de dizer que a adolescência não deveria existir e que devemos encarar os jovens de outra maneira, inclusive possibilitando aos adolescentes a escolha de se tornarem adultos quando queiram, a partir de suas habilidades. Epstein exemplifica com o número de negócios, milhares, que adolescentes já abriram na internet. Sobre o envolvimento com drogas, acredita que as abandonam se tiverem a oportunidade de trabalhar em uma atividade de responsabilidade, que de fato seja de interesse deles, pois na prática só conseguem atividades como varrer o chão ou trabalhar como caixa de lachonete.

Rirkrit Tiravanija, Untitled, 2015

O tema da responsabilidade é levantado por Epstein quanto trabalho, ao sexo e ao crime. Sobre a redução da maioridade penal no Brasil, tema polêmico que divide opiniões, sua posição é a mesma: “a lei deve proteger pessoas que são incapazes e não porque são jovens. Não é possível um jovem de 13 anos cometer um crime e ter total capacidade de entender o que fez? É claro que é.”

Estudos sobre anatomia e atividade cerebral, assim como pesquisas baseadas em técnicas de formação de imagens, justificam que um cérebro não desenvolvido completamente é a causa de problemas emocionais e comportamento irresponsável dos adolescentes. Para Epstein, “não existe um só estudo que demosntre a existência de um cérebro adolescente que seja responsável pelos problemas causados pelos jovens. […] é claro que o cérebro dos adolescentes tem um aspecto um pouco diferente do cérebro de alguns adultos. Isso não explica o comportamento”.

Epstein[6] refuta estas hipóteses, comentando que imagens de determinadas zonas do cérebro não possuem informações sobre as causas do pensamento, sentimentos e comportamento. “Existem claros indícios de que qualquer característica específica que possa ter os cérebro dos adolescentes – supondo que exista alguma – é o resultado das influências sociais, e não a causa da crise”.

Depressão, consumo de drogas e de medicamentos, suicídio, abandono escolar, etc, são considerados por Epstein uma criação da cultura moderna ocidental. E a “crise da adolescência”, o resultado de um prolongamento artificial da infância, reforçado pela infantilização pela qual tem sido submetidos pelos adultos.

É neste sentido de uma construção relativa a uma época que Miller nos apontou uma contribuição de Epstein, no debate sobre a adolescência. No tempo de incerteza quanto ao real, que Lacan articulou com o semblante, disse Miller, em sua intervenção, e uma vez que a adolescência é uma construção, “nada mais fácil que desconstruí-la”.

 


Notas:
[1] Miller, J-A. Em direção à adolescência. III Jornada do Instituto da Criança. 2015.
[2] Miller, J-A. e Laurent, E. El Outro que no existe e sus comités de ética. Buenos Aires: Paidós. 2005.
[3] Le Breton, D. (2002) Condutas de risco – dos jogos de morte ao jogo de viver. São Paulo: Autores Associados. 2009. P.32.
[4] Maia, AMW. Entre fugas e errâncias, um lugar para si. Opçãp Lacaniana on line. Julho, 2012. P.2.
[5] Epstein, R. Entrevista concedida à revista Época on line. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,EDR77573-6014,00.html
[6] Epstein, R. El mito del cerebro adolescente. Mente y cerebro, 32. 2008. P.23.
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Do jogo com o véu ao véu arrancado

by cien_digital in Cien Digital #19, Contribuições

Sir John Everett Millais, Ophelia, 1851-52

Christiane Page e Laetitia Jodeau-Belle

“Do jogo com o véu ao véu arrancado”, eis como se poderia nomear o percurso realizado pelos artistas do final do século XIX até século XXI, em sua maneira de apreender a questão da não- relação sexual.

Se o jogo com o véu implica no uso de metáforas, de imagens poéticas, um jogo de esconder/mostrar, os artistas contemporâneos ( escritores, diretores de teatro e de cinema) numa tentativa de escrita do real o mais perto possível de seu surgimento, não fazem mais uso delas. Isto significa também que o leitor, o espectador do século XXI é interpelado de uma nova maneira, às vezes incômoda até o ponto de chegar ao insuportável. O que levanta a questão sobre o que o artista antecipa a respeito do gozo do leitor ou do espectador no momento de seu ato artístico como do que antecipa a esse respeito este último que lê a obra ou vem vê-la.

Do jogo com o véu

Ao final do século XIX, princípio do século XX, a infância e as relações familiares tornaram-se um objeto de interesse para alguns dramaturgos assim como para a psicanálise nascente. Estes dramaturgos, que fazem escândalo ao colocar às claras o fracasso do encontro sexual, apreendem, de forma poética, algumas questões fundamentais ainda não teorizadas.

Por exemplo, O Despertar da primavera (1890) de Wedekind[1] aborda o tema da descoberta da sexualidade pelos adolescentes na sociedade do século XIX mostrando a qual ponto eles não podem se virar com ela. Essa questão atravessa o tempo, como está demonstrado pelo interesse que os diretores de teatro lhe conferem, desde seu surgimento.[2] Esse texto é revelador do fato de que a questão sexual, que aparece ruidosamente com a psicanálise e da qual não se pode sustentar, daí em diante, que seja uma exclusividade dos adultos, preocupa os espíritos no final do século XIX para além do pequeno círculo vienense. Um “hanoveriano”, portanto geograficamente distante do discurso da psicanálise nascente, elabora um discurso que antecipa Freud. Em 1907, Freud consagra à peça uma sessão de trabalho com o grupo de psicanalistas da quarta feira em Viena.[3] A análise que ele faz dela efetivamente dá conta do ponto onde ele está na elaboração da psicanálise e das teorias sobre a sexualidade. Se, como enuncia Adler nesta mesma sessão, Wedekind “sabe, estritamente falando, tudo o que há para saber” no momento em que o grupo de Viena estuda seu texto, podemos, lendo-o com Lacan, descobrir que aquilo que ele sabia pode ainda, atualmente, nos ensinar, já que a questão continua extremamente atual. “É porque a gente se desenvolve …isso trabalha na gente, é por isso…[4] diz Bastien numa conversação organizada por Philippe Lacadèe através laboratório do CIEN para uma sala de quarta série. É o que Sophie, outra adolescente comenta: “Na quarta série, os garotos começam a se masturbar. Isso os toma. Eles estão diretamente conectados na coisa[5]” e, enfim: “Na 4a série, todo mundo pensa nisso, é a perturbação essencial.[6]

Rodrigo Branco, ‘Anonimous #5’, 2012

Em sua peça, Wedekind coloca em cena a não -relação sexual tal como é definida pela teoria lacaniana e que ele declina no um por um, retomando, sob diversas formas, o mesmo tema apresentando um verdadeiro catálogo clinico no qual os personagens têm a oportunidade de expor diferentes posições frente ao gozo. Interrogamos no curso do texto e em função do que ele mostra, os elementos que tomam parte na definição do que seria uma relação sexual. Em 1974, com a montagem de Brigitte Jacques a partir da tradução de François Regnault, a peça encontra de fato a psicanálise lacaniana e se aventura para além do que Freud teorizava a partir do Pai. As diferentes problemáticas da peça encontram as preocupações teóricas que Lacan desenvolve em seus seminários e ganham lugar na elaboração da noção de inexistência da relação sexual, de suas causas e de seus efeitos. No prefácio da peça (1974) ele insiste sobre o fato de que nessa peça, é ao nível do inconsciente, tal como ele se manifesta através do sonho, que a questão de fazer o amor se coloca para os jovens: “ Assim um dramaturgo abordou, em 1891, a história do que é, para os meninos adolescentes, fazer o amor com as mocinhas, assinalando que eles não pensariam nisso sem o despertar de seus sonhos”,[7] e que tal questão aparece como um enigma fora de sentido. Em Escritos Lacan já tinha sublinhado que “O sonho não é o inconsciente, e, sim, (…) sua via régia. (…) é pelo efeito de metáfora que ele procede”[8]. Dito de outra maneira, o encontro sexual acontece sobre o registro imaginário, a partir de manifestações do inconsciente e “tudo que nos é permitido abordar de realidade resta enraizado na fantasia”[9]: isto tem consequências diversas que Wedekind põe em evidência principalmente do lado do rapaz, mas também do lado das moças, aspecto pouco estudado até hoje.

Se podemos dizer que esta obra captura, a partir dos personagens adolescentes masculinos, mas também femininos, o que Lacan teorizará sobre a inexistência da relação sexual, é interessante insistir sobre a maneira pela qual Wedekind evoca a questão do gozo, específica de cada um, e que concerne somente ao sujeito. Para além da fábula, pela maneira de escrever, pelo estilo, pela poesia: o leitor vê o véu se levantar, mas não vê nada mais. O véu levantado não mostra nada e o leitor permanece estrangeiro ao gozo dos pequenos outros que os personagens representam. O autor não convoca o leitor em nenhum momento a vê-lo nem a olhá-lo; talvez a imaginá-lo.Dessa maneira, lá onde a literatura contemporânea, como o espetáculo contemporâneo, visa o gozo do leitor e a ascensão do objeto na cena, com Wedekind, temos o véu, o equívoco, as metáforas poéticas. Questão de época…

Tradução: Maria Rita Guimarães
Revisão: Cristina Drummond

 


[1] WEDEKIND. F, O despertar da primavera. 3a ed. Trad. Maria Adélia Silva Melo. Lisboa: Editora Estampa, 2008.
[2] Brigitte Prost, em L’avant-scène théâtre d’octobre 2011, cita nominalmente “Leopold Jessner em 1907, Gustaf Grundgens em 1926 ( depois em 1945), Peter Zadec em 1965, Peter Palitzch em 1973, Einar Schleff ou Brigitte Jacques em 1974, Pierre Romans em 1976, Yves Beaunesne em 1998, PaulDelvaux em 2001, Guillaume Vincent em 2010 ”consagrando um dossier com Olivier Célik ao de Omar Porras, de 2011, e podemos, do mesmo modo, acrescentar as de Jasmina Douieb e de Peggy Thomas de 2013 ( Prost B., Une parabole de la condition humaine”, L’avant –scène théâtre n.1310, 15 de octobre 2011, p.75)
[3] FREUD, S. “Compte rendu de la sèance de travail de 1907.” F. Wedekind, L’Eveil de printempsop. cit. p.99-107.
NT: “Hanoveriano”: a autora refere-se a alguém nascido em Hanôver.
[4] LACADÈE, P. Le Malentendu de l’enfant, Nouvelle edition revue et augmentée, Paris, Éditions Michèle, 2010, p.419.
[5] Ibd.
[6] Ibd., p.420.
[7] LACAN, J. (2003[1974]) “Prefácio a O Despertar da primavera.” In Outros Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p.557.
[8] LACAN, J. (1998[1958]) A direção do tratamento e os princípios de seu poder, in Escritos, Jorge Zahar Editor, p.628.
[9] LACAN, J. (1985[1972-73]) O seminario, livro 20, Mais ainda. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p.127.
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O desejo do analista no parlamento jovem de Minas Gerais

by cien_digital in Cien Digital #19, LABOR|a|tórios

Frank Thiel, Stadt 12 59 Berlin, 2006

Paula de Paula[1]

Em tempos de descrença na democracia representativa como política capaz de promover justiça social, vimos acontecer ao longo dos anos uma forte evasão de alunos do Projeto Parlamento Jovem de Minas (PJ Minas) fruto da parceria da PUC Minas e Escola do Legislativo da Assembleia de Minas Gerais[2]. Assumindo a edição de 2015 do polo em BH, fui desafiada a pensar em como fazer para que os adolescentes voltassem a se interessar por um projeto que investe no formato da política parlamentar.[3]Contrariamente a reforçar o cacoete de uma política representativa, pensei em criar um lugar nas escolas onde pudéssemos escutar os jovens, fazendo valer uma política de base que radicalizasse a democracia direta.

Como o desejo do analista é o de colocar em ato o desejo de Freud (1932-1933), de estender/aplicar a psicanálise para além das paredes do consultório particular, pensei em deixar de lado a defesa de um dos vários métodos de trabalhos com grupos (usados nos projetos sociais, tais como: pesquisa-ação, oficinas terapêuticas, dinâmicas de grupo, rodas de conversa e etc), para destacar o que de fato está em jogo quando objetivamos produzir um “saber novo”, próprio dos coletivos com os quais iriamos trabalhar.

Como toda produção teórica não se separa de sua articulação política e desejante, evitei defender um tipo de método de trabalho com grupos, para destacar a importância da função ético-política de quem conduziria o trabalho com os jovens. Para isso recorri primeiramente a dois textos de Lacan. Em 1958 ele discorre no texto “A Direção do tratamento e os Princípios de seu Poder” sobre a função tática, estratégica e política do psicanalista, para mostrar que sua política é a de se colocar na posição de um objeto que cause o outro ao trabalho, se situando melhor “em sua falta-a-ser do que em seu ser”. Em “Psiquiatra inglesa e a guerra” de 1947, Lacan destaca o que aprendeu dos psiquiatras ingleses Bion e Rickmann com a técnica dos “grupos sem chefe/lider”. Ele observa que este modelo de trabalho com grupos possibilitou a constituição de um exército vencedor a partir do que Lacan nomeou como “um agregado de irredutíveis”.

Para explicar a posição do coordenador no PJBH usei do “Ato de Fundação da Escola Freudiana de Paris” de 1964, quando aparece a primeira proposta de trabalho com grupos, que estava na base do engajamento de sua Escola, nomeada por Lacan de cartel. Ele destaca também sobre a função do “mais um” que é a de dar uma direção ao trabalho no cartel. É logo perceptível que a figura que inspira a função do “mais um” é a de Sócrates, que através de seu método maiêutico, provoca seus discípulos a elaborarem um saber diante de uma questão colocada, a partir de onde ele esperava ensinar. Mas é importante lembrar o que Miller (1994) destacou a respeito do “mais-um”, pois ele não deve se esgotar encarnando a função do sujeito provocador, já que no fundo ele não porta o saber que espera que os outros encontrem por meio do trabalho que propõe. Assim o efeito de sujeito dividido é inserido no cartel, ou seja, como não é o sujeito da consciência, isso faz com que o “mais-um” funcione como “menos-um” e ao invés de completar o grupo, se junta à ele exatamente para descompletá-lo (MILLER, 1994).

Picasso, Portrait of Arthur Rimbaud, 1960

A primeira coisa que mudamos no funcionamento do PJBH, para que o sujeito estivesse no comando do trabalho, foi a maneira como os grupos nas escolas eram formados, pois ela deixou de ser pela indicação dos professores que elegiam (a partir de sua avaliação) os melhores alunos. Em 2015 o convite foi estendido a todos os alunos do ensino médio que quisessem conhecer sobre o PJ e para isso participariam de uma oficina de jogos, de maneira a lhes dar oportunidade de se expressar ludicamente. Alain Badiou (1994) nos ensinou que a verdadeira política só existe quando a participação das pessoas é voluntária e desinteressada[4] de maneira que fizemos questão que tanto o aceite para a participação daquele dia, quando o desejo posterior de participar do PJ, se dessem por livre e espontânea vontade de cada um. O jovem que quis participar teve que escrever um parágrafo expressando seus motivos e seu interesse pelo tema que em 2015 foi “Segurança Pública e Direitos Humanos”.

Para nosso propósito no PJBH o coordenador deveria assumir a função de “mais-um”, lançando sempre para o grupo um dos três subtemas referente ao tema central. Estivemos ocupados com a “prevenção social do crime” com a “proteção aos segmentos vulneráveis à violência” e “novas perspectivas para a atuação policial e em todos os encontros os jovens eram convidados a falar o que lhes viesse a cabeça sobre cada um desses subtemas.

Como o desejo de participar estaria posto em destaque desde o início, a elaboração coletiva de um saber sobre estes temas viria da experiência com o real da vida de cada um dos jovens nas suas comunidades. Zizek (2013) destacou que em todos os movimentos sociais onde há espontaneísmo, há também um verdadeiro encontro de pessoas e nos lembra que foi assim que aconteceu na primavera árabe e no “Ocupy All Street” no ano de 2011. Lá houve elaboração coletiva de pequenos textos que se tornaram pequenos slogans. Assim não me parece abusivo pensar que quanto mais cultivamos a lógica lacaniana posta na formação dos cartéis, mais a elaboração de saber se coletiviza e se legitima.

Esse trabalho foi realizado semanalmente nas escolas, preparando os jovens para participar das mesas de debates, dos Gt’s com as escolas e para elaborarem propostas de maneira fundamentada. Ele provocou uma intervenção nos modos autoritários das escolas se relacionarem com os alunos, democratizando o uso de seus próprios espaços e lhes dando acesso a conversa com diretores e coordenadores. Pudemos fazer os jovens entenderem que o PJBH não era lugar para disputa entre as escolas e os municípios envolvidos, desmobilizando-os de rivalizarem-se. Assim deixaram de defender e votar apenas as propostas elaboradas em suas escolas, visando derrubar as outras, tomando a produção como coletiva. A partir daí, trabalharam para que as melhores propostas ficassem no documento base a ser entregue a Comissão de participação popular da CMBH no final do ano.

Jared Madere, Untitled, 2015

Os professores de referência e a coordenação das escolas compreenderam que o PJBH não era um projeto de atividades externas (tipo excursão) mas prioritariamente um espaço de estudo, reflexão, sínteses e afetividade. Houve uma mudança de posição dos alunos frente ao desdém que demostravam ter em relação às diferenças entre os princípios da política liberal com os de esquerda. No final do ano, um menino que havia nos dito que tanto fazia ser “direita” ou “esquerda”, porque ele queria mesmo era andar “pra frente” nos disse que só podia ser de esquerda, porque era pobre e tinha que contar com políticas públicas para ter o que os ricos tinham. Outro nos disse que a política de cotas para negros depunha contra a inteligência dos negros e no final disse no grupo de sua escola que não acreditava na meritocracia quando as pessoas não tinham a mesmas oportunidades para competir. Essas mudanças foram registradas em cada uma das escolas com a confecção de um painel que ficava em uma parede da escola e era alimentado com notícias e frases extraídas do trabalho nos grupos.

Outra mudança se deu após eleição dos representantes para a etapa estadual em setembro/2015, pois o grupo pensava que os encontros terminariam ali. Nós mostramos que a preparação do representante para e Etapa estadual devia ser feita juntamente com seus pares, desfazendo o costume da política convencional, que após eleição dos representantes, interrompem a relação dos mesmos com suas bases. Para isso cada escola escolheu uma das propostas do documento base (que este coletivo de jovens aprovou em plenária) e se organizou para realizar uma pesquisa de campo, buscando avaliar como estava aquele ponto da política de segurança pública em seu território. O efeito disso nos alunos foi o de entender que mesmo após eleição de representantes não se pode desmobilizar, deixando em mãos dos eleitos a tarefa de fazer a política a partir de seus próprios interesses e por sua própria conta.

Outro ponto forte foi o encontro dos alunos do PJBH com os alunos da EE Protagonista Juvenil, que atende adolescentes que cumprem medida de internação no Estado. A Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (SUASE) organizou conosco o encontro de alunos de duas escolas (uma feminina e outra masculina) abrindo espaço para a expressão de adolescentes que perderam a liberdade por terem cometido um ato infracional grave. Alguns alunos que eram a favor da diminuição da maioridade penal, “porque achavam que adolescente de 16 anos já sabe o que é errado”, puderam mudar de opinião quando conheceram e escutaram algumas histórias de meninos e meninas que tinham a mesma idade que a deles, mas vidas muito diferentes.

O “Mais-um” enquanto função de descompletude, possibilitou mudanças de posição subjetiva no saber abrindo caminho para os jovens pensarem que sua participação na política independe de serem representantes de um coletivo e não se realiza apenas na ocasião das eleições. Funcionando como “Mais-um” pude testemunhar os efeitos internos do trabalho de elaboração de saber de modo singularizado, manejando o discurso da histérica que convém ao cartel como grupo, mas visando como analista a fala do “Um por Um”. Além disso pudemos testemunhar uma evasão 79% inferior àquela que vinha acontecendo e grande parte dela (quando procurada por nós) nos deu motivos bastantes compreensíveis, como ter ido trabalhar, mudança de escola e problemas na familia.

 


Notas:
[1] Doutora em Psicologia Social na PUC-SP no núcleo de pesquisa Psicanálise e Sociedade. Prof. da faculdade de psicologia da PUCMG.
[2] O Projeto Parlamento Jovem de Minas (PJ Minas) tem sido há 10 anos um projeto de formação política, destinado aos estudantes do ensino médio, que valoriza a importância do poder Legislativo como amadurecimento de uma sociedade democrática. A formação política dos jovens que participam do PJ é de responsabilidade da parceria da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Belo Horizonte, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e da Pro-reitoria de extensão da PUC-Minas. O PJ se ancora no conceito de representação política, pois se divide em três etapas e em todas elas, representantes são escolhidos pelos pares nas escolas, para seguirem o processo em níveis mais afunilados de participação. Todo o ano os jovens elegem na plenária estadual um tema a ser trabalhado no ano seguinte e em 2015 o tema escolhido foi “Segurança Pública e Direitos Humanos”.
[3] A pesquisa do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e a de Abramovay e Castro (ambas de 2006) já mostravam que apenas 3% dos jovens brasileiros se interessam pela política convencional, evolvendo-se com organizações partidárias. Žižek (2013) em artigo publicado na ocasião das manifestações que tomaram as ruas do Brasil, analisou os motivos da descrença em relação às instituições políticas tradicionais (como os partidos e as câmaras legislativas). O primeiro motivo é efeito direto da ruptura da continuidade das conquistas sociais atribuídas à partidos de esquerda no poder, após vitória da política neoliberal dos estados. O segundo adveio do consequente declínio (no mundo inteiro) dos partidos como forma clássica de organização política, já que com a internet os jovens se comunicam mais rapidamente dando condições de mobilizar pessoas, que de outra forma estariam dispersas. O terceiro é paradoxal pois advém do sucesso da comunicação em rede na internet que, de tão rápido e fácil, acaba desencorajando o trabalho mais lento e mais difícil de criar movimentos políticos com estrutura e organização mais duradouras.
[4] É preciso entender o que Badiou nos diz com isso, pois afinal há sempre um interesse implicado quando aderimos voluntariamente a alguma atividade. É claro que muitas vezes nós desconhecemos parcialmente os motivos que nos movem a fazer as coisas, pois muitos deles são inconscientes. A política verdadeira é o encontro de pessoas que desejam fazer política ancoradas na busca pelo Bem-Estar de todos. Se exercendo a política nossas conquistas não puderem ser estendidas a todos, é porque esta não é a política verdadeira da qual fala Badiou.

Referências Bibliográficas
ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia. Juventude juventudes: o que une e o que separa. Brasília: Unesco, 2006. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000185.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2013.
BADIOU, Alain. Para uma nova teoria do sujeito: conferências brasileiras. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
IBASE; PÓLIS. Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas. Relatório Final. Rio de Janeiro: Ibase/Pólis, 2006. Disponível em:<http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/2372/11/Juv_Relatorio_Final_.pdf>. Acesso em: 01 set. 2013.
FREUD, Sigmund (1932-1933). Conferência XXXIV, Explicações, Aplicações e Orientações. In: ESBOPC. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.167-191.
LACAN, J. D`Écolage. Manual de Cartéis. Belo Horizonte: Ed. Scriptum, 2010.
_________ (1958) A direção do tratamento e os princípios do seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.591-652
_________ (1947). A psiquiatria inglesa e a guerra. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p.106-126.
_________ El Senor A. Disponível em: http://www.wapol.org/es/las_escuelas/TemplateArticulo.asp?intTipoPagina=4&intEdicion=1&intIdiomaPublicacion=1&intArticulo=160&intIdiomaArticulo=1&intPublicacion=10
MILLER, J.A. Lacan e a política. Opção Lacaniana nº40. Rio de Janeiro, 2004.
_________ Cinco variações sobre o tema da elaboração provocada. In: JIMENEZ, Stella. (org.). O Cartel: conceito e funcionamento na escola de Lacan. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1994, pp. 1-10.
ŽIŽEK, Slavoj. Problemas no Paraíso. Acesso em 06/08/2013 http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/05/problemas-no-paraiso-artigo-de-slavoj-zizek-sobre-as-manifestacoes-que-tomaram-as-ruas-do-brasil/
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Construções Adolescentes

by cien_digital in Cien Digital #19, LABOR|a|tórios

James Gortner, Carolina, The Three of Swords, 2008-2013

Virgínia Carvalho

Freud indica a “construção” como uma estratégia para lidarmos com o que a palavra não é capaz de dizer. Ele evoca o trabalho do arqueólogo que precisa reconstruir culturas e sociedades antigas unindo os vestígios materiais que encontra. Diante de peças soltas, inventa uma coerência para que elas constituam um todo.

A saída da infância, demarcada pela chegada da puberdade – encontro com um “novo real”, desestabiliza a coerência que a criança havia conquistado para se arranjar com suas peças soltas infantis. São as “transformações da puberdade”, como diz Freud (1905/1996) em seus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, que demandam do sujeito um modo diferente de lidar com a libido, de se reposicionar frente à diferença sexual e se reencontrar com o objeto sexual.

Na puberdade, como esclarece Lacan (1974/2003), o sujeito está às voltas com o despertar de seus sonhos. E, nesse momento, em que estão explícitos os limites da linguagem, pois a sexualidade faz furo no real, a adolescência vai sendo construída a partir dos recursos que cada um encontra para rearranjar o que se desestabiliza nesse encontro.

Mas, em tempos de “mutações da ordem simbólica” (MILLER, 2014), em que o saber está no bolso, como os jovens tem encontrado coerência para enodar suas peças soltas? E os profissionais concernidos, de que modo tem intervindo diante de construções devastadoras ou mortíferas?

Marina Saleme, Garotas (as descabeladas), 2013Marina Saleme, Garotas (as descabeladas), 2013

Vivemos no “império das imagens”, onde há uma “difusão maciça” do pornô, do coito exibido a um clique, do “nude” compartilhado pelo telefone entre os jovens. Quais os efeitos dessa mostração dos corpos e do sexo nessas construções realizadas pelos adolescentes?

Jacques Allain Miller (2015) localiza que para pensarmos a adolescência na psicanálise, convém nos ocuparmos de três pontos: a saída da infância, a diferença dos sexos e a antecipação da posição do adulto na criança.

Nesses tempos de “império das imagens”, o que tem demarcado a saída da infância? Teria se antecipado em relação à época de Freud?

E a diferença dos sexos? Como essa questão e seus desdobramentos se apresentam para os jovens nesse tempo em que aumentam as ofertas da tecnociência para transformar a anatomia? Além disso, tem a pluralidade de gêneros interferido no modo desses adolescentes se posicionarem na partilha sexual?

E no trabalho com a criança? Como a posição frente aos “mais inflamados tormentos da infância” antecipam a construção que se fará na adolescência?

Seguindo a trilha da provocação feita por Miller, essas e outras questões tem sido levantadas pelos Laboratórios do CIEN. A partir delas, parece-nos de grande importância tentarmos localizar, nas atividades do CIEN, essa dimensão de construção que a adolescência comporta.

 


Bibliografia
FREUD, Sigmund. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905/1996). In: Freud, Sigmund. ESB, Vol. 8.
FREUD, Sigmund. (1937/1996). Construções em análise. In: Freud, Sigmund. ESB, Vol. 23, 1996.
LACAN, Jacques. (1974/2003). Prefácio a O despertar da primavera. In: Lacan, Jacques. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
MILLER, Jacques-Alain. (1996). A marginália de construções em análise. Opção Lacaniana, n.17. São Paulo: Edições Eólia, p.92-107.
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