EDITORIAL Mônica Campos Caros leitores, é com alegria que chegamos ao 25º Cien digital. Um…
Da prática à conversação ou da conversação à prática?[1]
Laboratório Criar (em formação) – CIEN-SP – Eduardo Vallejos
O Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Criança (CIEN) tem como um de seus objetivos que a psicanálise possa se deixar ensinar sobre aquilo que outras disciplinas revelam sobre o saber da criança e do adolescente e, com isso, circular a palavra em espaços onde até então não era possível. Como nos indica J.-A. Miller, a partir do impasse que nos faz falar, produz-se uma “associação livre coletivizada”[2] entre os participantes, tanto sobre experiências profissionais anteriores de cada um, quanto sobre uma experiência comum entre os participantes do laboratório.
Heloisa Telles parece nos indicar esta diferença: “[…] os laboratórios, que organizam o desejo de um debate interdisciplinar dos seus protagonistas e [que] também organizam o espaço que visa dar a palavra a crianças e adolescentes, têm a responsabilidade de recolher e transmitir ‘os efeitos subjetivos do dom da palavra no dispositivo da conversação’’’[3]. Fica claro que o trabalho do CIEN se faz em torno dos impasses que nos mostram as crianças, os adolescentes e aqueles que, na especificidade de seu campo de atuação, encontram dificuldades no trabalho com elas.
Por um lado, temos no laboratório a conversação que se produz a partir das vinhetas práticas que cada participante pode eleger de sua experiência prévia, ou seja, dos impasses que cada um encontra ao trilhar seu próprio caminho. De outro, temos uma conversação que se faz a partir do que se elabora e se oferece, pelo próprio laboratório, às instituições que trabalham com a infância e adolescência. O laboratório, como nos diz Heloisa, também oferece a organização de um espaço em que os integrantes do laboratório não só participam da conversação, desde a sua disciplina, como também, a posteriori, estabelecem a conversação da conversação, debruçando-se sobre os impasses de uma experiência que são de ambos, do grupo acolhido e do laboratório implicado em sua escuta.
Não só o campo da infância e adolescência com seus impasses nos une e sustenta o laboratório. Talvez seja a partir da prática do laboratório in loco, quando este se dispõe a construir um trabalho de escuta a partir da demanda de uma instituição, que podemos circunscrever um “desejo de fazer laboratório” comum a todos. Desejo de quem quiser se responsabilizar em “recolher e transmitir ‘os efeitos subjetivos do dom da palavra no dispositivo da conversação’’’[4].
Éric Laurent nos indica que a partir do dom da palavra, da conversação, se instala a transferência e é preciso “saber que uso se fará dela”[5]. E ele segue: “Quando estendemos o dispositivo analítico a grandes ou pequenos grupos de palavras, a lugares de palavra etc., o fim deve também estar definido. Quando os Kleinianos, Bion, etc., fizeram uso de pequenos grupos, seu enfoque foi o de manter um objetivo para o grupo, e fazer da transferência um instrumento para remeter cada um a seus pequenos assuntos, ao que [cada um] tem a fazer”[6].
Escutar as trajetórias profissionais de cada participante, com suas angústias e impasses no campo da infância e adolescência, é condição para se formar um espaço de escuta acolhedor, em que os equívocos são bem-vindos e, inclusive, motor do trabalho. No entanto, será que podemos dizer que a conversação, quando se debruça apenas sobre os impasses prévios de cada participante, nos basta para circunscrever a finalidade de um laboratório?
Me parece que Laurent nos dá pistas quando liga o objetivo e finalidade do laboratório à manutenção da transferência dos participantes com o grupo. Mais do que um interesse pelos impasses no campo da infância e adolescência, o que sustentaria a transferência de todos com um laboratório não seria sua extensão no campo social? Não seriam as práticas in loco, com começo, meio e fim, que organizam os participantes em relação a um coletivo e objetivo comum?
Tento, brevemente, propor uma diferença entre as práticas dos integrantes do laboratório e a prática de um Laboratório. É certo que as práticas dos participantes do laboratório se atravessam e compõem a interdisciplinaridade tão cara à proposta do CIEN, mas a prática de um Laboratório talvez seja algo a ser inventado pelo coletivo ao construir ou acolher, na cidade, uma demanda de conversação.
A pergunta do título se responde, a meu ver. Não se trata da prática à conversação ou da conversação à prática, mas de uma codependência entre ambas as vertentes, uma vez que a prática que ofertamos in loco é o que sustentaria a finalidade de um Laboratório e este não se configura como tal sem a participação das distintas disciplinas que também se dedicam ao trabalho no campo da infância e adolescência.
Talvez esta prática da conversação in loco entre todos os participantes do laboratório seja sua marca de união na medida em que ela inclui, desde seu início, o corte. A prática in loco, ao determinar um enquadre e colocar em perspectiva um fim, revela a urgência própria do momento de concluir. É o corte que engendra uma pressa que faz existir em ato o tempo da libido, diferente do tempo epistêmico. Sem corte nas conversações e sem um fim como perspectiva, a conversação corre o risco de se manter em uma zona de produção e proliferação de sentido, sem incluir em seu centro o real como o que escapa à significação, mas que produz seus efeitos devastadores. Para se chegar à certeza de um ato que possa tratar o real, é preciso fazer par com a pressa.
Esta reflexão sobre o funcionamento do Laboratório CRIAR se deu no início da pandemia, produzindo, ao mesmo tempo, um convite ao trabalho. Como bem pontuou Flávia Cêra na última conversação de 2020 com os laboratórios de São Paulo, é importante que possamos nos deslocar da impotência diante do horror posto pela pandemia, que paralisa, para uma posição de mais consentimento em relação ao real, que nos permite agir e assumir responsabilidades diante do impossível que a tragédia comporta. Quem sabe possamos tecer pelas telas uma prática que consente e está à altura do tempo do real[7], “de onde não se sai”[8], assumindo riscos frente à velha e violenta segregação da qual crianças e adolescentes são alvos constantes, em quase todos os discursos a que são submetidos.