Anna Aromí Gostaria de agradecer à Nohemí Brown, por embarcar nessa sua aventura, do outro…
Contribuições: “Me inclui fora dessa”
Cristiana Pittella de Mattos
Primeiras elaborações
a-Notado: “Me inclui fora dessa”
O que me encanta na expressão – “Me inclui fora dessa”- anotada e proposta pelo CIEN1, é que ela, vinda da boca dos adolescentes, revela um desejo fundamental do ser falante.
A primeira dimensão desse desejo revela-se no apelo ao Outro: “me inclui”.
Procura-se, com esse apelo, um lugar no Outro; diferente do que encontramos comumente em algumas práticas ou sintomas dos adolescentes, em que o sujeito visa uma recusa ou mesmo uma ruptura com o Outro.
Embora haja um apelo ao Outro, esse apelo não é o de ser fixado, aprisionado por significações do Outro, pois a segunda dimensão desejante na expressão anotada, é aquela de uma separação: “fora dessa”.
Não se trata de ficar fora do campo do Outro: “Exclua-me dessa”, mas de estar nele – fazer parte –, com algo fora dele: com algo singular.
Como estar nele e fora dele?
Essa fórmula – “me inclui fora dessa” –, revela, portanto, um desejo de inserção colocando em jogo as duas dimensões da constituição do sujeito, a alienação e a separação.
Miller, em seu texto Sobre o desejo de inserção, delimita dois tipos de inserção do sujeito:
- a primeira como identificação, quer dizer, o sujeito se representa pelo S1. É o que Lacan chamou de Alienação, uma identificação rígida, fixa, que seria como morrer, no sentido hegeliano de que a “palavra mata a coisa”.
- Por outro lado, há um segundo tipo, que Lacan denominou Separação, em que há uma nova vida quando vem um S2 – o saber, que faz renascer o sujeito. Nesta operação se desprende do corpo um resto de gozo, cuja produção é o objeto (a). (MILLER, 2008)
A produção desse resto na operação de separação instaura uma topologia em que podemos conceber uma exclusão interna: ao se constituir como sujeito, esse está diante de uma escolha forçada: perde-se a possibilidade de se ter todo o sentido e todo o ser.
Podemos pensar que “me inclui fora dessa” nos direciona justamente para este ponto de exclusão interna.
Em Matemas II, Miller demonstra essa exclusão interna com o paradoxo de Russel como matriz da relação do sujeito com a cadeia significante (MILLER, 1988, p. 45).
Para tanto, Miller utiliza a história do barbeiro que barbeia todos aqueles que não barbeiam a si mesmos. Como se barbeia o barbeiro? (MILLER, 1988, p. 35)
- Se ele é o barbeiro que se barbeia a si mesmo, ele não é o barbeiro que barbeia todos aqueles que não se barbeiam: se ele é, não é.
- Se ele não é o barbeiro que barbeia a si mesmo, ele é o barbeiro que barbeia todos aqueles que não se barbeiam a si mesmo: se ele não é, ele é.
Essa expressão paradoxal que analisamos também foi, curiosamente, bastante utilizada há tempos – no entanto, com a correta colocação pronominal: “Inclua-me fora disso” –, pelo comediante estadunidense Groucho Marx (1890/1977) o mais criativo dos irmãos Marx.
- “eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”;
- “Vamos descobrir um tesouro naquela casa? – Mas não há nenhuma casa… – Então vamos construí-la!”;
- “Eu não posso dizer que não discordo com você”…
Verificamos como há uma “ambiguidade irresolúvel que está no fundo de toda piada”, nos diz Freud, e como “o humor não é resignado, mas rebelde” (FREUD, 1927) colocando em jogo um descentramento do eu, mas, também dos ideais reguladores da vida social.
Evocamos Groucho Marx e sua capacidade criativa pois nos perguntamos se nessa expressão “me inclui fora dessa” –, se presentifica uma dimensão espirituosa, dimensão do humor e com ele, o trabalho de desidealização do objeto e da sublimação, possibilitando uma certa socialização do gozo e integração ao laço social. (MILLER, 2009)