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ENTREvista: Jacqueline Dheret

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Doug Aitken, MORE, 2013

Cien Digital : O que você encontra de essencial como marca da adolescência em sua prática no CIEN?

Jacqueline Dheret: Na adolescência, a experiência do mais singular é o que está mais em evidência e o mais íntimo, o mais fora da norma se manifesta então, as vezes ruidosamente. Procuro, nas conversações que temos no Cien, acentuar, tornar legível, este ponto: é preciso que o adolescente possa se subtrair de uma compreensão anterior. Ser interpretado pelo Outro deprime, convoca mais à inércia do que à revolta.

Restam nesse caso, os gozos imediatos que adormecem. A marca da adolescência é o mais fora da norma de cada um que emerge e que ainda não tomou a forma de sintoma.

Cien Digital : Há no Brasil um movimento pela diminuição da maioridade penal, de 18 anos para os 16 anos. Em sua opinião o que está em jogo nessa idéia?

Jacqueline Dheret: Lembro-me da revolução na opinião pública, em julho de 1974, quando o presidente Giscard d’Estaing reduziu a idade da maioridade civil e legal para 18 anos. Uma reivindicação legítima das gerações jovens, recusada pelos mais tradicionalistas. Na época, eu trabalhava na “Aide sociale à l’enfance” – Assistência social à infância -, organismo público que atendia aqueles que não têm família. Idealisticamente era a favor! Mas via os efeitos que esta medida iria provocar, iríamos dizer aos jovens que eram atendidos: agora se virem! Vocês são maiores. Hoje, eles assinam contratos de trabalho por um ano, o que na situação social atual prolonga a dependência desses jovens em relação à família, inclusive para aqueles que ainda estudam, nos contentamos em dizer: “Na maioridade, cada um tem que se virar!”

Cien Digital : Falamos de uma solidão moderna como uma situação onde o sujeito se encontra sem ideal, sem o Outro. Isso coloca em jogo uma nova solidão, um gozo solitário. Quais são as chances do adolescente, nos dias hoje, fazer laços?

Jacqueline Dheret: A solidão sempre houve e ela é de estrutura. A tentação dos ideais é ao contrário, muito presente nos adolescentes que podem ter o sonho de encontrar uma estabilidade em uma nomeação ou, sou isso, aquilo, etc. Na Idade Média, na tradição do Ocidente, casava-se depressa a jovem adolescente… Davam-lhe um Outro, consistente! Na época da inexistência do Outro, percebemos melhor que, ao procurar o que lhe corresponde, o adolescente se perde. Como fazer com o seu corpo, com o do outro? Nenhum Outro pode responder e preocupo-me principalmente com os movimentos que visam reconstituir Outros consistentes, na época do sem o Outro lacaniano. Os adolescentes têm muitos recursos para inventar laços e não lhes faltam contingências para criá-los. Saibamos ficar atentos a isso!

Cien Digital : O que a prática do CIEN lhe ensina como psicanalista?

Ana Maria Pacheco, Terra ignota 1994

Jacqueline Dheret: Na França, os clínicos que se referiam a Freud nos anos 70 estimavam que essa idade da vida não era um momento favorável para encontrar um analista. Era a época de uma certa ortodoxia que Lacan soube abalar. A relação com o real está no cerne do encontro do psicanalista com o adolescente: se pensamos em “crise” e particularmente, “crise de autoridade”, se tomamos as coisas a partir da idéia ericksoniana do desenvolvimento, ignoramos o sujeito implicado nesse momento de “delicada transição”. Sempre gostei de atender adolescentes e minha experiência no Cien, escutar os profissionais que também trabalham com eles, – professores, médicos, educadores, juízes de menores, etc… -, ajudou-me muito a modificar minha maneira de fazer no meu consultório. É a oportunidade que conta! Muitas vezes quando alguém me fala de um adolescente que preocupa seus pais e os que convivem com ele, me disponho a atendê-lo. E quase sempre funciona, às vezes por muitos anos… Não ousaria fazê-lo antes de ter aprendido com o Cien! Tento fazer com que meus encontros com um jovem possam fazer contenção ao vazio que o atrai ou ao agir que se apresenta com frequência como uma solução. O ato permite alojar o que do pulsional não consegue se articular ao inconsciente estruturado como linguagem.

Freud dizia que “a libido se fixa no médico” e não é evidente, na adolescência, que esse ponto de real faça signo do sujeito que sabe.

Aprendo muito nas conversações interdisciplinares que mantemos no Cien, sobre o que os adultos podem fazer para que os fenômenos de gozo encontrem um modo de se enodarem ao simbólico e passíveis de serem vividos.

Cien Digital : Segundo J.A.-Miller em seu texto “Em direção à adolescência”, os jovens tem aderido à causas triunfantes, em que há uma aliança entre a identificação e a pulsão agressiva. Porque os jovens procuram uma saída por esse tipo de laço?

Jacqueline Dheret: É uma maneira muito exata de dizer as coisas. A adolescência é passional, e o eu, na adolescência, se desfaz. Daí, talvez a proposta de J.-A. Miller de falar da adolescência como momento de construção. Tínhamos ao contrário uma tendência em falar de desconstrução! É um ponto clínico essencial que pode ser esclarecido pelo texto de Lacan: A agressividade em psicanálise. Freud já tinha a ideia de que o Eu é uma organização passional.

Cien Digital : Nesse mesmo artigo, Miller diz que a única maneira de acabar com esse tipo de discurso do Estado Islâmico é vencê-lo. Como você entende essa orientação?

Jacqueline Dheret: Sobre esse último ponto, é preciso distinguir o propósito do discurso daqueles que invocam o Estado Islâmico, dos jovens que podem ficar tentados a se juntarem a eles. Encontramos alguns deles. Os primeiros se apresentam como guerreiros, mas estão a serviço de uma organização criminosa. São bárbaros que devem ser combatidos. Eles se embriagam com a identidade de mártir que eles propõem aos outros. E é claro, eles encontram alguns deles: os mais jovens, os mais frágeis podem ser atraídos por esses convites para se tornarem heróis.

Tradução: Márcia Bandeira
Revisão: Cristiana Pittella de Mattos
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