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Gravidez na adolescência: sair da vida de merda?

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Delphine & Muriel Coulin, 17 Filles, 2011g
Teresa Mendonça e Simone Pinheiro

As mudanças que a ciência moderna nos impõe, não desvinculadas dos interesses capitalistas, dão origem a novos modos de se experimentar a sexualidade. O controle da natalidade e as drogas que garantem a potência sexual, diferentes formas de procriação, seleção genética e os exames de DNA, entre outros, vão fazendo desaparecer gradualmente a ligação entre a reprodução, o ato sexual e a parceria amorosa. Defrontamo-nos com novos modos de gozo.

O filme “17 filles” retrata um episódio verídico, acontecido em 2008, numa escola de Massachusetts – EUA: Dezessete alunas engravidaram-se ao mesmo tempo.  A realização do filme, entretanto, se passa na França, no fim do verão. Nesta época acontece uma invasão de joaninhas que vêm à praia, para morrer. As adolescentes trocavam suas confidências na praia e, brincando com as joaninhas, uma delas comenta: “Joaninhas gostam de merda”. Ao longo do filme, em vários diálogos, as meninas qualificam a vida dos adultos como “vida de merda” ou seja: séria, sem diversão, sem tempo para os filhos e com pouca realização no trabalho. A escolha pela gravidez, ao mesmo tempo, em um momento da vida de transição, desafia-nos a pensar a posição dessas jovens. A gravidez seria uma solução para não cair na vida de merda?

A primeira a engravidar, Camille, conta às amigas que ficou com um rapaz qualquer, só por uma noite, cujo nome não importa, e a “camisinha estourou”. Diz: “Eu não preciso dele”. Destaca-se das demais pela novidade e excepcionalidade da situação que passa a viver.  Além de demonstrar orgulho diante da gravidez não planejada, sua tristeza, angústia e medo são evidentes. Diz que “não se sente a mesma”, mas terá “uma vida a 200%” junto ao filho, que a “amará para sempre e sem condições”. O amor do filho seria uma garantia para não cair na vida de merda?

À sua mãe Camille fala que “pelo menos terá a impressão de ter uma família” e que “será melhor mãe que ela”.

Delphine & Muriel Coulin, 17 Filles, 2011

Florence é também aluna da escola e não faz parte desse grupo de amigas, mas deseja muito ser incluída nele e ter um lugar junto a elas. Para isso, simula que também está grávida. Camille se alegra e sente-se apoiada pelo fato de Florence fazer, agora, par com ela. Fazem até planos de se ajudarem no futuro e, juntas, criarem os filhos.

Identificadas com Camille, que, “pelo menos está vivendo algo diferente”, expressão das jovens no filme, as outras adolescentes fazem, então, o pacto de se engravidarem ao mesmo tempo. Pensam que, como mães, passariam a ser livres, felizes e responsáveis, e mudariam sua realidade de vida.

Freud (1996 [1905], p.214) já anuncia que “uma das realizações psíquicas mais significativas e dolorosas da adolescência” é o desligamento das figuras paternas que institui a oposição entre a nova e a velha geração. Os dizeres das adolescentes no filme revelam o desejo de que esse desligamento se concretize e possam ter um destino diferente daquele de seus pais.

Estar grávida parece possibilitar às adolescentes uma nova nomeação: MÃE. Significante forte, impregnado do sentido idealizado do amor e compromisso. De acordo com Mendonça (2012) ser mãe seria então uma maneira da adolescente ascender ao mundo adulto e identificar-se socialmente buscando uma afirmação no mundo.

Jana Brike, Dreaming Soldier, 2013

Qual o estatuto da gravidez dessas jovens do filme? Uma resposta sintomática à irrupção do real da puberdade que perturba seus corpos? Estariam elas, com este ato, protegendo-se da angústia, não desejando saber da verdade do inconsciente? Essa gravidez está endereçada ao Outro? Aos pais, à mãe, à escola (na figura dos professores, do diretor, profissional de saúde) aos rapazes?

Pierre Naveau (2001, p.139) afirma: “A mãe é uma mulher se o filho não é tudo para ela. Se seu desejo se divide entre a criança e o homem”. Para ter um filho do desejo, a mulher tem que consentir com a castração. Só a partir dessa posição admitida do não–toda, posição feminina, a mulher pode consentir em ser desejada por um homem.

Ao contrário, as jovens, em uma posição fálica, com semblante de completude, propõem aos meninos que as engravidem e, sem a mediação do afeto, não há um consentimento de que o homem limite seu gozo. Os rapazes foram dispensados no que se refere a seu nome e a paternidade. Seus corpos foram usados como objeto, num “embalo de sábado à noite”. No filme eles se relacionam com as meninas mantendo a proximidade demandada por elas, “ficam” com as grávidas, mas fazem uma presença secundária.

Acidental ou planejada, a gravidez impacta a vida dessas adolescentes que fazem laço libidinal pela identificação imaginária e sintoma com o corpo para “não ter uma vida de merda”, como a da geração que as antecede. Poderíamos então considerar a gravidez na adolescência uma das respostas diante do irrepresentável da condição feminina?


Referências Bibliográficas:
FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade Ed. Imago, v. VII, 1996.
MENDONÇA, T.C.P. Aspectos subjetivos determinantes da gravidez reincidente na adolescência: Uma abordagem a partir da Psicanálise. Dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da UFMG. Belo Horizonte, 2012.
NAUVEAU, P. A Criança entre a Mãe e a Mulher. Belo Horizonte: In: Curinga-Escola Brasileira de Psicanálise, 2001.
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