Laboratório Ciranda de Conversa – CIEN-PR[1] - Karina Veiga Mottin[2] e Willie Anne Martins da…
O encontro entre o Cinema e o CIEN na cidade do Rio de Janeiro.
Giselle Fleury e Jorge Carvalho
A partir da experiência de trabalho na comissão Cine-CIEN no Rio de Janeiro[1], trazemos neste texto algumas reflexões que orientaram a proposta de trabalho da comissão no biênio 2016-2018. Há muitos desafios nesse processo, que vão além dos aspectos de produção e escolha dos filmes exibidos. Uma primeira observação é a de que a escolha dos temas e dos filmes, bem como a escolha dos convidados para a conversação devem estar orientadas pelos princípios que norteiam o CIEN. Como princípios recortamos a interdisciplinaridade no trabalho com crianças e adolescentes e a ênfase na conversação.
A interdisciplinaridade guiou nosso critério de escolha dos convidados para a conversação. Optamos por sempre ter um psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise e um convidado que ora tinha envolvimento com o próprio fazer do filme escolhido, ora era um profissional de outra área de saber, que trabalhasse com a temática tratada no filme.
Nossa proposta era a de levar as atividades do Cine-Cien para espaços fora da sede da EBP-RJ, realizar parcerias com instituições atuantes na cidade e se valer desses eventos para aproximar do CIEN pessoas de diferentes saberes, interesses e formação, que é um aspecto fundamental na proposta de trabalho do CIEN.
Experiência número um: cortes produzem aberturas.
Sensibilizados pela questão das ocupações de escolas secundaristas que ocorreram em diversos estados no Brasil em 2016 e que tiveram ampla cobertura na imprensa nacional, escolhemos o documentário “Acabou a Paz! Isto aqui vai virar o Chile.”[2], do diretor argentino radicado em Salvador, Carlos Pronzato. O documentarista entrevista estudantes, pais, funcionários e professores de escolas públicas de São Paulo ocupadas em 2016.
Para esse encontro, ocupamos um horário de um cinema comercial, o Cine Santa Teresa, um pequeno cinema “de arte” no bairro turístico de Santa Teresa, na zona central do Rio de Janeiro. Convidamos para a conversação, além do próprio diretor do filme, Carlos Pronzato, o psicanalista Marcus André Vieira, membro da EBP/AMP e professor da PUC-RJ. O resultado foi extremamente proveitoso.
Ao lado de um psicanalista e diante de tantos outros na plateia, segundo o depoimento dele próprio, o diretor do filme sentiu-se estimulado a falar de sua história de vida e de seu método de trabalho: abrir a câmera para a livre fala dos entrevistados, interrompendo ocasionalmente a fala com algumas perguntas “condutoras”. Marcus André pontuou as semelhanças que há entre o fazer do analista e o método do diretor: os cortes produzem aberturas onde algo novo pode surgir. Na conversação após a exibição do filme, dentre algumas intervenções, houve a de uma professora da rede pública e moradora de Santa Teresa, com um depoimento sobre as ocupações no Rio de Janeiro, em protesto ao desmonte, em curso, das escolas públicas da cidade. A escola como um lugar em que se apreende o fazer político – temática mais ampla do documentário – colocou no horizonte a perspectiva de que a atuação dos estudantes em forma de coletivo tem a força de produzir movimentos inéditos abrindo brechas nas situações limites vivenciados neste campo.
Experiência número dois: As escolas e o impossível de realizar.
Com o objetivo de ampliar a participação de outros integrantes do Cien-RJ, convidamos os laboratórios a contribuir com ideias e na organização das exibições e conversações seguintes. Entendemos que o Cine-Cien pode ser uma oportunidade para que os Laboratórios abram outras frentes de trabalho ou até mesmo venham a se servir desse dispositivo para sua atuação em instituições.
Marcia Crivorot, uma participante do laboratório “Digaí Escola” propôs a exibição do filme francês “Entre os Muros da Escola”[3] na Escola de Cinema Darcy Ribeiro (ECDR). Fizemos o evento com a participação de Adriana Armony, professora de português e de literatura do tradicional colégio Pedro II. Neste encontro, foi possível trazer à discussão a relação do aluno com a escola como um lugar de formação, que guarda um impossível de realizar. Adriana pôde ainda nos falar de seu projeto de construção de textos dos alunos que resultaria na produção coletiva de um livro.
Experiência número três: A adolescência, a sexualidade e os tabus.
Ainda na parceria com a ECDR, projetamos o filme “Fala Comigo”[4] com a participação da atriz Karine Teles e da psicanalista, membro da EBP/AMP, Maria do Rosário do Rêgo Barros. A presença da atriz trouxe um colorido todo especial. Pudemos colher detalhes dos bastidores da filmagem e de como foi representar esta mulher que vive um “amor impossível” com um adolescente. Destacamos como a arte é necessária para promover espaços onde um tema “tabu” pode ser debatido sem cair nos clichês que vigoram na sociedade. Foi interessante também a forma como Rosário acolheu os detalhes, apontando as contingências presentes no filme como formas artísticas de tratar a passagem, por vezes tão delicada, da adolescência, da sexualidade e dos tabus. O filme aponta portais com fineza e zelo dignos de nota.
Novos enlaçamentos:
Nesta ocasião, ouvimos depoimentos de pessoas de outras formações encantadas com o formato de fala mais livre e a possibilidade aberta para participar da conversação. Vimos o interesse de um estudante de cinema (na ECDR) em conhecer mais de perto o CIEN e eventualmente desenvolver trabalhos com o apoio e orientação de um psicanalista, sua fala: “Eu sei fazer documentário, a abordagem que vocês propõem serviria de uma boa orientação para um filme! Como podemos dirigir esse trabalho às questões que afetam às crianças e adolescentes?” – foi a questão que recolhemos neste dia de exibição.
Um ponto importante que gostaríamos de destacar é que a duração do filme, tão curta quanto possível, é de extrema importância para que a conversação tenha o tempo de acontecer. Em nossa experiência, observamos também que quanto maior é o público, menor é a participação de cada um na conversação. Um público muito grande, como o do primeiro filme, quase inviabilizou a conversação, que é mais produtiva quando ela tem a participação de até 15 ou 20 pessoas. Pensamos também na possibilidade de fazer a conversação após ver um filme em cartaz no circuito aberto da cidade, fazendo parceria com um lugar próximo do local de exibição. Essa ideia não foi colocada em prática.
A experiência de coordenar o Cine-Cien nos marcou, revelando ser possível a produção de bons encontros neste movimento de buscar algo fora das nossas referências de saber. Ou seja, sustentar a inter-disciplinaridade que orienta o CIEN e suas atividades, onde o Cine-Cien se encontra, o que pôde produzir gratas surpresas; uma delas pode ser traduzida na fala de uma participante, assistente social atuante no serviço público, em um dos eventos: “Não sabia que vocês psicanalistas faziam coisas tão legais!” Sem nos esquecer que a psicanálise, como anfitriã do espaço de uma conversação, não deixa de ser afetada pelas outras disciplinas.