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Dignidade, um significante em rede[1]

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Paola Salinas (EBP-AMP)

Uma rede pessoal, a princípio.

Inicialmente, este significante se precipitou a partir de uma torção em relação à indignidade, construído em uma primeira reunião por skype com Ève Miller-Rose, Daniel Roy e Anne Ganivet–Poumellec[2], contingencialmente, em um momento decisivo no qual eu iniciava uma nova análise. Uma angústia me acompanhava quando me vi , diante do computador, com algumas anotações sem falar o francês, ao mesmo tempo que , em outro país, cuja língua eu falava e que apesar disso, não conhecia. Este compunha outra rede pessoal, que não deixava de se impor à construção do meu laço com a psicanálise, a partir de outra perspectiva da solidão e da palavra.

A dignidade, especificamente ‘a dignidade da palavra’ também estava em uma rede pessoal, já afetada pelo trabalho no Cien Brasil com uma grande equipe de colegas dos diferentes estados brasileiros e com os laços com o Cien Argentina desde o ano anterior.

Indignação era um dos significantes que compunham o título do IX ENAPOL, e era um ponto de partida para pensar a II Conversação do CIEN América. A dignidade do sujeito como bússola era algo que me permitia pensar o singular dentro do coletivo. Nesta primeira reunião, pude escutar aportes, ressonâncias e explicitar a cadeia de trabalho à qual o significante dignidade pertencia. O tema então se decantou: “A Criança Violenta e a Dignidade do Sujeito”.

Uma rede com o laço, com o outro

Esta frase soa estranha, mas surgiu espontaneamente dessa forma, talvez por querer destacar que a rede foi motivada pela importância do laço. Ou seja, para além ou para aquém do outro, o laço constitui-se em uma ferramenta fundamental em nossa prática, bem como na possibilidade de reintroduzir a solidão em um coletivo.[3] Possibilidade esta que pude extrair do CIEN, com os diferentes colegas com os quais compartilhei o trabalho, um laço considerando a solidão de cada um.

O significante dignidade se apresentou, primeiramente, ao buscar formalizar os efeitos de uma determinada conversação, nas palavras de Alejandro Daumas[4]. Estávamos na I Conversação do Cien América e este ponto retornou nas perspectivas finais, nas pontuações de Juan Carlos Indart, que soube extraí-lo, afirmando que “quando cada um pode se arriscar a colocar em palavras um pouco da sua singularidade, podemos dizer que uma conversação ocorreu e desse modo, a ‘dignidade singular’ seria o alcance máximo que se poderia aspirar em uma conversação”[5]. Já no Argumento da II Conversação do Cien América[6] , enunciávamos que quando se aposta que cada um possa se responsabilizar por um dizer que lhe escapa, por um ato que lhe surpreende, e assim reconquistar como sujeito a dignidade de seu sintoma, abre-se outra possibilidade de laço com o Outro.

Uma rede que inclui a diferença, e por que não, a diferença sexual[7]

Se sustentamos que a dignidade no CIEN se apresenta de modo “contingente, articulada ao desejo e à margem da rotina protocolar, podemos verificar uma aposta que se sustenta a cada vez no laço com os outros e que requer uma tomada de posição frente ao saber e ao ideal”[8]. É justamente um vazio de saber que é convocado e é interessante, senão essencial, que assim seja.

Ser possível inserir no laço social algo da singularidade porta uma dignidade, sendo que a primeira guarda uma relação íntima com a diferença absoluta. A dignidade de uma diferença é a de poder dela se apropriar e tomá-la, seja na experiência analítica, ou em pequenas experiências do dizer, como nos laboratórios, na direção contrária à da segregação.

Assim, trata-se mais de retomar o ponto de exclusão de cada parlêtre presente em sua constituição[9], tomar o corpo incluindo esse ponto opaco que o compõe e que marca uma diferença essencial, que não pode ser absorvida em nenhuma identidade, normativa ou não. A ética lacaniana parte da noção que o sexual porta um impossível de legislar, de domesticar, de harmonizar, e de nomear precipitadamente.

Transmissão

Creio poder afirmar que a dignidade de uma diferença é que ela seja sinthomática, ponto mais singular de um sujeito, frente ao qual, na experiência analítica, se espera uma identificação. Uma diferença sinthomática, uma identificação ao sinthoma, que é diferente de identificar-se a uma identidade compartilhada ou a um grupo.[10]

Seguimos no Cien América na construção a tantas mãos, letras e ouvidos, em um laço renovado e vivificado. Ademais de contarmos com os aportes do Cien francófono. Esta El niño 15[11] dá mostras de um diálogo constante, aberto e furado em relação ao que nos cabe investigar neste momento no CIEN, que nomearia de modo geral, pontos da diferença sexual.

Assim, ao acompanhar a rede do significante dignidade, desde a I conversação de 2017, a reunião por Skype, a II Conversação em São Paulo e este momento de lançamento da El niño, posso constatar que ocorreu uma transmissão. Uma experiência de dignidade em ato, a qual depois pode vir a se fazer texto. É a partir dessa experiência que as citações, referências e comentários podem transmitir melhor, incluindo o corpo no tecer dessas redes de trabalho. A experiência do CIEN contribui desse modo para a psicanálise atual, ao tecer, não sem o corpo, um lugar para acolher a diferença e retomar outro modo de laço com o Outro. A psicanálise como anfitriã desse espaço, abre os poros para que o singular possa respirar.


[1]  Texto apresentado no Lançamento da Revista El Niño n 15, em 26 de setembro de 2020, via Zoom.
Disponível em: Presentación de la Revista El niño – Última parte – https://www.youtube.com/watch?v=SXC0BUwxET4&list=PLtR_NyEau3CbD6Czt4UxAEZ2kIFSa7uNF&index=2&t=55s Traduzido do espanhol pela autora.
[2]  Compõem o Bureau da Fundação do Campo Freudiano. A reunião ocorreu em março de 2019.
[3]  Miller. J. A. Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola. In: Opção Lacaniana on line nova série. Ano 7, n 21, novembro de 2016.
[4]  Impossível não mencionar seu livro intitulado La dignidad del niño analizante. Lançado em 2018 pela Grama Ediciones.
[5]  Udenio, B e Indart, J C Os laços sociais e suas transformações. Conversação Internacional do CIEN 2017 – Mesa de Encerramento. In: Cien Digital, n 22. novembro de 2018. Disponível em: www.ciendigital.com.br
[6]  Argumento II Conversação Cien América, São Paulo, setembro de 2019. Disponível em: https://cienbrasil.wordpress.com
[7]  Tema de estudo das Redes da Infância do Campo Freudiano 2019-2021.
[8]  Salinas, P. Cêra, F. CIEN: una apertura posible a la dignidad. Puntos vivos de la II Conversación Americana del CIEN. In: Revista El Niño n 15. El niño: modulaciones sobre lo neutro. Comp. Beatriz Udenio. Publicación del Instituto del Campo Freudiano y del Centro Interdisciplinario de Estudios sobre el Niño (CIEN) – Nueva serie. Olivos, Grama Ediciones, 2020.
[9]  Lacan, J. El ombligo del sueño es un agujero. Respuesta a Marcel Ritter. In: Freudiana, n 87. La discordia de los sexos. Septiembre-Diciembre de 2019. Revista de Psicoanálisis de la comunidad de Cataluña de la ELP.
[10]  Laurent, É. Observaciones sobre tres encuentros entre el feminismo y la no relación sexual. In: El psicoanálisis. Revista de la Escuela Lacaniana de Psicoanálisis. n° 35, p. 7.
[11]  Revista El Niño n 15. Id. Ibid.
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