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Sobre a diferença sexual: breve comentário a partir da experiência do CIEN

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Giuseppe Capogrossi
Virgínia Carvalho

“Que é ser homem?” Tal questão foi isolada a partir da Conversação dos Laboratórios CIEN Minas. Um desses laboratórios convida à palavra 20 rapazes que, em atitude de recusa, não permaneciam dentro da sala de aula na escola onde estudavam. Uma outra conversação teve como ponto /problema o comportamento exibicionista de um adolescente que, tal como Diógenes, no centro da sala de aula produz reboliço com a exibição de seu órgão sexual. Outro laboratório destaca o testemunho de uma jovem de se passar por homem, tentando, para isso e com apoio no jogo significante, bancar a “homi-cida”. O laboratório interessado pelo uso das tecnologias digitais põe em evidência a busca de jovens rapazes nas redes sociais como suporte para decifrar a questão de como ser homem. Essa também é a questão de jovens que se encontram envolvidos com o tráfico de drogas.

Assim, “Que é ser homem?” se tornou a questão do CIEN Minas para o segundo semestre de 2016. Pretendemos trabalhar este tema de forma livre e divertida, como Jacques-Alain Miller, em seu texto de Arcachon (1997), destacou a respeito das conversações dos gregos. Por isso, designamos “conversações ao vivo” nossa iniciativa de trazer para o debate o que se extrai da experiência inter-disciplinar. Como já é sabido, “inter” e “disciplinar”, no CIEN, são separados por um hífen, para preservar o vazio de não saber entre as disciplinas (orientação de Judith Miller, 2007): “Um vazio que pode indicar o lugar de uma ausência vibrante, viva, como um coração que bate, pulsante” (MILLER, 2007, p.5).

XXY: eleição do sexo?

O filme XXY, de Lucía Puenzo, animou uma sessão CINECIEN neste semestre. O que é ser homem e o que é ser mulher? é apresentado por meio de um imperativo social. Alex deve se decidir entre uma ou outra posição, já que nasceu hermafrodita. O enredo do filme mostra como a sexualidade não é natural, nem passível de normatização. XXY, sob o viés da intersexualidade, instigou uma conversa sobre as escolhas (forçadas ou não), na esfera do gênero, da posição sexuada, do modo de gozo, perpassando pela interferência da biologia.

Face à eleição sexual, o que o sujeito elege? Mais além da anatomia ou das identificações, trata-se de uma eleição do gozo, como explicitou os trabalhos do 1º Colóquio Internacional do OCA – Observatório da Criança e do Adolescente, realizado em parceria com o CIEN, sobre a rubrica: Mais além do gênero: o corpo adolescente e seus sintomas(maio/2016).

“Sou homem e sou mulher”, afirma o personagem Alex. Ou, ainda: “E se não há o que escolher?” A conversação provocada pelo filme em CINECIEN levou os presentes a se interrogarem se já não havia uma eleição feita por Alex – escolha que não escapa, em certa medida, ao trânsito entre o lado feminino e o masculino da sexuação. A esse respeito, a psicanálise não é binarista, justamente porque considera que esse trânsito entre as duas posições sexuais existe para todos os seres falantes. Mais além da diferença anatômica, “conserva o princípio da diferença entre os sexos concernentes às distintas distribuições do gozo – seja ele o gozo fálico ou o gozo “não-todo” fálico” (SANTIAGO et al, 2014).

Josh Smith

“Erro comum”: menino ou menina?

conversação dos integrantes dos cartéis do OCA, com Daniel Roy, em agosto/2016, sobre o tema “TRANS – sexo e gênero no tempo da infância” –realizada também em parceria com o CIEN –, evidenciou a contribuição da psicanálise de explicitar que a nomeação feita com base na anatomia não corresponde, necessariamente, ao modo de gozo sexual. O que constitui normalmente um impasse para o púbere, frente à eleição que busca fazer, é esse modo de gozo, próprio a cada um.

Daniel Roy, remetendo-nos ao “..ou pior” (1971/72), de Lacan, nos lembra que entramos na vida por um “erro comum”, à saber, o de considerar que ter ou não ter nos representaria. Quando o bebê ainda está na barriga da mãe, diz-se, a partir da anatomia, se será menino ou menina. A presença do instrumento fálico leva a dizer que é um menino e a esperar que se comporte como tal, na perspectiva da lógica do proprietário. A ausência do mesmo, leva à afirmação de que é uma menina e espera-se dela certa feminilidade. Seria essa a tentativa de dar uma significação à diferença sexual a partir do que “se tem ou não no meio das pernas”. Para Vilela (2012), eis o ‘erro comum’, pois “isso só será verdade se a criança consentir com o gozo fálico, se ela tirar daí consequências em sua relação com o homem e com a mulher, e as aceitar”.

Para Daniel Roy, não importa ao psicanalista “se é um homem ou uma mulher”, já que ele não se baseia em nenhuma norma prévia. Isso não o leva, por outro lado, a desconsiderar os efeitos da anatomia e da biologia sobre o sujeito. A psicanálise considera o corpo biológico –esclarece Jésus Santiago na Conversação –, assim como a natureza e a diferença entre os sexos. Desde Freud (1925/1996) são lembradas as consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos e a práxis nos mostra o quanto, mesmo em tempos trans, não é possível anular essa diferença.

Enfim, a psicanálise acolhe a flexibilidade e a transgeneidade dos modos de gozo, e se interessa pelos efeitos do choque do significante sobre o corpo, que também é de carne e osso. E o CIEN, com sua intervenção orientada e, ao mesmo tempo, em contextos plurais, pode nos trazer mais avanços sobre o tema, no “ao vivo” que a inter-disciplinariedade possibilita.

 


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