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“17 Filles”

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Delphine & Muriel Coulin, 17 Filles, 2011
Sobre o filme de Delphine & Muriel Coulin, 2011
Cristina Drummond

Somos avisados de que a história que vamos assistir é baseada em fatos reais (que ocorreram em 2008, nos Estados Unidos, na Gloucester High School). O fato de o filme ser contextualizado na França nos indica que a questão que ele quer levantar não é local, e sim está presente por todos os lados em nossa contemporaneidade. Sabemos que a adolescência é o tempo em que o sujeito busca se separar de seu Outro e isso implica em que ele encontre novas respostas e que seu corpo seja colocado em questão de uma nova maneira. Se podemos tomar essa afirmação como um universal, como ele é tratado interrogado a partir de um acontecimento?

O filme se inicia com uma exibição dos corpos de várias adolescentes que estão indo para uma avaliação médica de rotina na escola. Tatuagens, corpos magros, risos, brincadeiras. Esse clima de rotina, no qual se pesa e se mede o corpo, é quebrado com a declaração de uma jovem à enfermeira, de que ela pensa estar grávida.

Dentro de sua mochila, um teste de gravidez e o gadget preferido pelas adolescentes: celular com fone para ouvir música. Na aula de educação física ela e as amigas se escondem no meio da corrida para enrolar a professora e fumar. Atitude típica e comum por todas as escolas do mundo. Nesse momento, ela conta da gravidez às amigas que tomam o fato como um desastre e pensam que ela deve abortar para não ficar gorda e ter que deixar a escola, nem tampouco ficar presa com uma criança e um trabalho de merda. Ela ainda não contou nada à mãe porque quer decidir sozinha. Ela diz às amigas que se sente diferente e que elas não podem saber nada do que ela experimenta.

Neste momento ela já se apresenta como aquela que sabe algo que as outras não sabem. É dessa posição que vamos acompanhar essa adolescente. Ela se coloca como uma exceção que tem acesso a um saber que as outras não têm.

Quanto ao pai da criança, ela diz que isso não tem nenhuma importância e que tudo foi um acidente de uma noite em que a camisinha rompeu. As amigas dizem que continuarão inseparáveis e ficarão ao lado dela. Aqui também a jovem se coloca como aquela que quer dar conta de sua experiência sozinha, dispensando a opinião da mãe, das amigas e do pai da criança. Ela busca se afirmar como responsável por seu ato.

A jovem vive num prédio popular, cozinha e come sozinha, já que o irmão não aparece e a mãe tem que ir trabalhar. É uma rápida visão da vida familiar. Não há pai, não se sabe o que aconteceu, e a mãe funciona como arrimo de família e se ocupa em sustentar a casa, sem tempo para cuidar de mais do que isso. Com as amigas ela come no refeitório e elas excluem uma colega da mesa. Essa colega tem nome: Florence, porque até agora todas as demais que formam um grupo de cinco, não são sujeitos nomeados nem separados.  Fala dos enjoos com a comida que vão passar depois dos 3 meses e as amigas compreendem que ela vai dar sequencia à gravidez. Sua intenção é continuar na escola e ter uma vida que valha por duas: uma com o bebê e outra na escola, uma contabilidade que indica um plus de vida. Ela terá alguém que a amará por toda a sua vida. Ao mesmo tempo em que ela discute isso com as amigas, ela quer convencê-las, como também a si mesma, de que esse acaso é uma escolha por uma vida mais interessante e melhor.

O nome da jovem aparece na boca de Florence quando a enfermeira lhe diz que terá menstruação durante muitos anos, a menos que resolva ter dez filhos. Ela pergunta-lhe se Camille Fourrier está grávida. A notícia se espalha pela escola e Florence, que era rejeitada pelas colegas, buscando ser aceita no grupo, diz a Camille que também está grávida.

Ao conversar com sua mãe, esta fica furiosa com a notícia e julga a filha incapaz de cuidar de sua própria vida e até mesmo de seus peixinhos. Camille diz que se sente capaz de cuidar de um filho melhor do que a mãe. A mãe diz que teve que deixá-la sozinha porque tinha que trabalhar para sustentar os filhos e que ela havia crescido apesar de tudo. A mãe diz que ela pensa que é esperta, mas que ela é na verdade uma idiota e que desta maneira ela vai ter que deixar a escola. Camille diz que tem certeza de que não vai falar dessa maneira com seu filho, que vai cuidar dele e não o deixará sozinho. Ela supõe que vai ser uma mãe diferente da que teve e que desta maneira poderá ter uma família. A mãe diz que não quer se ocupar dessa criança, que quer viver. Camille diz que ela também quer viver, mas que essa é a última das preocupações da mãe.

Nesse sentido essas jovens nos apresentam as novas manifestações da impossibilidade do encontro entre os sexos, são falasseres que se defrontam com o furo do real, furo que deixa o Um sem o Outro. O modo de gozar na atualidade encontra seu fundamento na impossibilidade de escrever a relação sexual entre os seres que não se ligam pelo laço pai-mãe, mas apenas pela linguagem e pela fala. A ausência de relação sexual se apresenta, mais do que nunca, sem as vestimentas do pai e das exigências familiares.

A fala de Camille nos permite pensar que ter um filho se apresenta para ela como uma chance de ter uma família construída num molde distinto dos tradicionais e ao cuidar do bebê, cuidar de si mesma, ter uma vida separada do abandono que sente. O bebê vem como um objeto que supriria sua falta e resolveria as consequências de sua experiência de abandono e devastação. Entretanto, é interessante percebermos que esse bebê não se inscreve numa solução edípica, ele não é tomado como a metáfora do falo que poderia ser dado pelo pai, tal como Freud nos propõe. Ele é imaginado como um objeto que permitiria a ruptura da relação mãe-filha, sem uma mediação fálica.

Candido Portinari, Circo, 1941

Florence se oferece para ser a parceira de Camille no cuidado com as crianças e Camille aceita sua aproximação e que ela lhe pague uma coca-cola. As relações podem ser inscritas num mercantilismo ainda que de custo baixo.

Camille ainda não contou ao irmão e diante dessa questão de ter que enfrentar os representantes do sexo masculino, ela propõe às amigas de ficarem grávidas juntas. “Vamos ser livres, felizes, responsáveis”. Desta maneira elas permanecerão sempre juntas. Ela, na posição de exceção poderia fundar o grupo das novas mulheres, numa espécie de sociedade protetora do falo feminino.

Todas decidem que vão tentar engravidar numa festa. Ali Camille encontra o pai da criança. Quando ele lhe pergunta se ele tinha alguma coisa a ver com sua gravidez, ela responde que não. Sua tentativa é a de inscrever esse filho apenas no campo do feminino, uma decisão que dispensa a mãe e o pai, a repartição sexual. Quando a amiga pergunta se pode transar com ele, Camille responde que isso não tem nenhuma importância para ela, o que importa é que a amiga o faça. O mais importante para ela é que seu lugar de exceção, de A Mulher, seja reconhecido e sustentado pelas amigas. É essa a mascarada histérica que ela pretende bancar. A maternidade não se apresenta como uma consequência da contingencia do encontro amoroso, nem como um tratamento para o gozo feminino.

Na reunião dos professores, eles comentam o fato de várias alunas estarem engravidando. Um diz que isso é uma atitude típica das adolescentes que buscam se apropriar de seus corpos. Umas se tatuam, outras se mutilam, outras param de comer. Essa seria uma atitude de desafiar os pais que não concordam com essa decisão. Se esse ponto de vista tem seu fundamento de verdade, a adolescência realmente é um tempo no qual o falasser busca se relacionar de uma nova maneira de seu corpo, isso está longe de ser uma pura relação de apropriação. Se encontramos com frequência nesse momento da vida a presença de cortes, de automutilações ou de distúrbios alimentares, esses sintomas são índices de uma dificuldade e de uma angústia de difícil tratamento.

Perante a lei os pais não podem forçar as filhas a abortar e essa é uma situação em que as adolescentes são tomadas como responsáveis juridicamente.

Uma professora diz que é um progresso que as jovens possam dispor de seus corpos. Outra diz que isso é um passo para trás, já que essas adolescentes só terão como perspectiva de vida futura serem mães. Outro professor diz que é preciso compreender politicamente o gesto das adolescentes. Alguns querem convencer as adolescentes a tomar pílula e a enfermeira diz que elas estão muito certas do que estão fazendo. A pergunta é de se aos 16-17 anos podemos fazer uma escolha de tal ordem, se se é capaz de fazer uma escolha.

Essa é uma pergunta de difícil resposta, mas que deve ser colocada em cada caso particular, pois não há como responder pela condição de cada falasser poder se responsabilizar por seu ato. Na situação do filme é difícil determinar se o que cada uma delas escolhe é verdadeiramente ser mãe.

As adolescentes verificam o dinheiro que podem receber do governo e pensam que com ele elas podem se organizar e, sobretudo, ficarem livres das ordens maternas. O projeto é o de serem diferentes de suas próprias mães, já que por serem jovens serão mais próximas dos filhos. Não haverá choque de gerações e elas serão como irmãs dos filhos, uma grande família. Uma comunidade só de mulheres com seus filhos, ou ainda uma comunidade de irmãos.

De qualquer maneira, o saber dos professores parece insuficiente para orientá-los a intervir e a se posicionar na situação. O diretor passa um filme onde uma mulher está tendo um filho de parto natural e os alunos riem de certa maneira constrangidos. Podemos pensar que ele buscava mostrar a realidade da situação que elas teriam que enfrentar, mas o faz de maneira pouco clara como se ter um filho, ser mãe, fosse passar por um parto. Além disso, em nenhum momento a palavra é dada às autoras da decisão. As jovens, sem chance de fala, entendem que o que o diretor quer é assustá-las. A posição da escola é muito mais a de querer coibir a ação das adolescentes do que a de promover uma oportunidade de discutir o que se passa com elas, se perguntar sobre o que estaria em questão naquela situação, no lugar de incluir o que estava se passando num saber já pronto. Quanto às adolescentes, elas não sabem como usar um teste de gravidez e nem muito bem o que terão que enfrentar. Só sabem que juntarão suas moedas e que seguirão em frente em sua decisão. E que o saber oferecido pela escola não lhes serve para tratar do que acontece com elas.

Uma das adolescentes, que não consegue encontrar um parceiro, porque é mais jovem que as outras, oferece dinheiro para um colega e este aceita. Novamente o fato se inscreve de modo mercantilista, o que parece reduzir a situação a uma situação de compra. Nesse comércio, ninguém precisa saber exatamente o que compra nem o que vende e as personagens não têm ainda nome.

Camille faz um ultrassom e pode ver o bebê mexendo em seu ventre. Ela não quis saber o sexo da criança e essa visão é diferente do que ela e as amigas podem ver no livro. Ela conta à enfermeira que anteriormente ela não podia imaginar o bebê e no ultrassom foi esquisito porque ela o viu, e agora ela está morrendo de medo. Aqui podemos claramente ver como o discurso da ciência que antecipa as imagens da criança pode perturbar a estabilidade da jovem angustiando-a ao apresentar o bebê como um corpo real. Essa imagem tem um efeito muito diferente daquele provocado pelas imagens do filme projetado pelo diretor. A imagem do ultrassom concerne ao corpo de Camille, e lhe apresenta algo vivo e real de que ela ainda não tinha querido saber e que a angustia. A enfermeira diz que não tem outro jeito senão seguir em frente.

Mariana Palma, Untitled, 2013

Na comemoração de natal a mãe não a deixa beber e ela tem que contar ao irmão que está grávida. Ele pergunta brincando se eles terão um soldado ou uma desempregada, isto é, se a criança será como eles. O irmão oferece seu quarto para o bebê, mas a mãe diz que Camille tem a intenção de ir para um pequeno apartamento e isso será melhor para todos. Não fica muito claro de quem é a decisão, já que nada é muito discutido. O irmão lhe dá de presente um urso do Afeganistão onde ele luta na guerra e a mãe lhe dá um curso de direção. O irmão e a mãe lhe ensinam um pouco a dirigir para que ela não tenha que pagar tantas aulas. Dirigir um carro não a habilita a dirigir sua vida, ainda que pareça que irmão e mãe reconhecem que ela já pode dar um passo.

Os pais de Clementine, a jovem que paga para engravidar, estão furiosos com ela que ainda é muito jovem e infantil. O pai lhe diz que ela é influenciada por Camille e lhe pergunta se elas querem mudar o mundo. Clementine diz que quer tentar e que não quer ficar como seus pais, idiotas. O pai diz que não vai tolerar aquilo e que vai levá-la ao hospital para que ela faça um aborto, mas ela responde que a lei está do seu lado. E ela foge de casa. Ela quer ficar com Camille. Apesar de Clementine ser uma adolescente que conta com um casal de pais, seu pai se apresenta impositivo e sem nenhuma condição para orientá-la ou fazê-la refletir a respeito da gravidade de sua decisão. Ele quer decidir por ela como se ela ainda fosse uma criança, coisa que ela recusa.

A ideia das meninas é que seus pais, assim como o diretor da escola, querem lhes causar medo, para que elas continuem na mesma vida de merda deles. Esse medo provocado seria apenas o reflexo do medo que eles próprios teriam de mudar de vida. No lugar de se intimidarem, elas querem demonstrar que podem sustentar sua decisão e resolvem encontrar um lugar para ficarem juntas e decidirem sobre suas vidas. E invadem uma casa abandonada na praia. Clementine gosta de ver seus pais preocupados com ela, mas Camille diz que elas têm que se virar sozinhas, dispensar os pais.

O ultrassom de uma das meninas parece apresentar alguma alteração. Isso ameaça a todas, uma pequena diferença que, além disso, é mais um problema a ser encarado por um grupo tão imaturo e que enfrenta tão mal o desigual. Aqui o medo é real e sua causa não pode ser imputada a um adulto ignorante e de mal com a vida. É no corpo de uma delas que as coisas acontecem.

Clementine, com medo de enfrentar uma chuva de vento naquela casa precária, chama seus pais. Quando chega ali, Camille vê que a casa está abandonada e sai de carro com o irmão. Esse lhe diz que isso era só o começo do que iria acontecer, que elas não iriam conseguir manter o projeto de criarem seus filhos juntas. Ele lhe diz que o projeto dele também era o de sair daquela vida e que se viu atirando em pessoas que não haviam feito nada contra ele. E que ele se encontrou sozinho, sem ninguém para ajudá-lo.

O que o irmão de Camille aponta é a solidão dos uns que de alguma maneira está na base dessa solução sintomática de uma gravidez em grupo. Apesar de elas buscarem uma solução comum, temos no fundo uma solução que indica a pluralização dos sintomas que concernem à maternidade na contemporaneidade, e a consequência do fato de que a existência, que anteriormente era sustentada pela função paterna, se deslocar da exceção para as múltiplas soluções. Os sintomas da maternidade são múltiplos. A existência se encontra para além dos ideais e dos modelos de família preconizados como adequados e bem orientados para a procriação. É como se não havendo a exceção paterna, todas as existências se apresentassem como exceções. O Um se apresenta como o cada um sozinho.

Por isso o irmão de Camille é descrente na possibilidade de mudança, o que ele encontrou foi decepção e solidão.

Também assistimos atualmente às tentativas do direito de construir novas ficções jurídicas que busquem dar lugar a essas existências na lei, a essas soluções particulares que não se universalizam. O fato de essas adolescentes serem responsáveis juridicamente por suas decisões e contarem com o amparo financeiro do Estado, não garante que elas possam se responsabilizar por sua decisão.

Na televisão um jornalista interroga se o fato de 14 adolescentes estarem grávidas seria a consequência de uma crise econômica, do fato de a atividade pesqueira e industrial terem entrado em crise na cidade. É uma leitura que diz que essa decisão não está separada da falta de ideais e perspectiva de vida nos tempos atuais. A falta de oportunidades é também o que aparece no caminho que o irmão de Camille encontra ainda tão jovem e brincando de Amelie Poulin no meio de uma guerra fervilhante de mortes.

O diretor convoca os pais para falarem do assunto e diz que agora são 15 adolescentes grávidas. Diante da acusação de um pai de que ele é responsável, o diretor diz que ele não é responsável pela vida privada dessas alunas, em todo caso não mais que os pais. O fato de ele não ser responsável pela vida privada das meninas, e de não ser o pai delas, não o isenta da responsabilidade de tratar dessa situação. A enfermeira diz que quer instalar uma máquina de preservativos na escola, mas que o uso de pílula é de responsabilidade dos pais. O diretor quer que os professores aumentem o controle e obriguem os alunos a trabalhar. Ele também pretende excluir a jovem que é a cabeça do grupo pensando que isso pode ser uma maneira de provocar medo nas outras. Vemos aqui a dificuldade da escola e dos pais dimensionarem suas responsabilidades e o alcance da tarefa impossível de educar. O que a escola quer é que isso acabe e que o real fique de fora de seus muros.

Thais Beltrame, ninho – detalhe
(série ‘qualquer tempo que já passou pertence à morte’), 2010

A enfermeira pergunta a Camille porque ela levou as outras pelo mesmo caminho, se era porque ela se sentia só ou tinha medo. Ela diz que isso não tem importância. Que no início teve medo e que estava feliz por suas amigas. Ela diz que foi apenas a primeira e a enfermeira diz que algumas não vão conseguir sair dessa experiência, Clementine por exemplo. Camille pergunta se os adultos tiveram melhores ideias. A enfermeira que confessa não ter filhos, diz que lhes era oferecida a possibilidade de estudar e viver melhor. Camille diz que há nos adultos uma mentira de não perceber que a vida deles é uma merda. O que ela denuncia é uma repetição da falta de perspectiva e de desejo e um saber que não leva em conta um furo, um saber que tudo sabe e que não dá lugar para a subjetividade e as singularidades. Ela tem certeza de que elas têm que tentar outro caminho. Camille diz que essa conversa com a enfermeira acabou com as dúvidas que ela tinha a respeito de sua decisão.

Com certeza Camille não tinha nenhuma condição de saber a respeito de sua posição de bancar A Mulher, de ser a exceção e a conversa com a enfermeira que não tem filhos a desautoriza, assim como aos outros adultos a estarem na posição de serem modelos para uma identificação. A enfermeira não sabe nada sobre maternidade, já que ela não é mãe. E por ter não vivido isso em seu corpo, ela é desautorizada por Camille. É essa destituição da posição de ideal da enfermeira assim como sua experiência que fazem Camille ter certeza de sua decisão.

Júlia acusa Camille de estar com ciúmes porque Tom está apaixonado por ela. Elas levantam a blusa de Florence e descobrem finalmente que ela mentiu o tempo todo que estava grávida.  Elas vão buscar Clementine para libertá-la. Cantam: viva o chocolate, a heroína e a vodca. Nem há lugar para o amor nem para o sentido. É como se nesse momento a autoridade e a lei estivessem diluídas e ausentes do mundo.

Agora os acontecimentos vão ser desencadeados para mostrar que a solução idealizada não pode ser realizada. Elas vão para a praia onde encontram os rapazes e ali continuam brincando com o fogo. Clementine perde o fôlego e Camille a leva de carro para sua casa. Mas depois Clementine lhe manda uma mensagem dizendo que seus pais não estão em casa e que ela perde sangue. Camille dá meia volta, mas tem um acidente. Ela avisa Clementine e tenta falar com as amigas, em vão. O carro não liga e ela avisa Clementine onde está. A ambulância chega. Camille teve um descolamento de placenta. Tom fica no quarto com ela. Mas não há retorno possível, o que foi decidido arrasta suas consequências.

Essa sequencia de fatos vem nos trazer o real que sempre irrompe ali onde não é esperado. A precariedade das adolescentes se apresenta, mas isso não invalida a decisão que elas tomaram.

Ninguém soube o que aconteceu com Camille depois que ela perdeu o bebê. Ela deixou tanto a cidade como sua mãe. Junto com o bebê ela perdeu seu lugar de exceção e fica impossível para ela permanecer no grupo. Ela continuou a fazer as amigas sonharem com uma outra vida, mas nunca voltou ao colégio. As adolescentes não criaram seus filhos juntos, mas continuaram a frequentar a escola. Tudo foi um sonho da adolescência, fruto de uma energia que ninguém pode conter. Afinal, mudar o que foi herdado é tarefa de difícil execução, sobretudo em tempos tão precários e com tão pouca esperança.

Nenhum happy end e o que encontramos no final também não é nada desastroso. As adolescentes continuam na escola, os bebês são cuidados e pouca coisa muda na vida daquela cidade. Um filme que poderia estar discutindo um fato único, nos mostra que todas as soluções são únicas, são tentativas de dar conta da precariedade do simbólico em nosso mundo. A maternidade é uma aposta, o grupo de mulheres que dispensam o homem é outra mais, o apoio no grupo dos iguais, encarnar a exceção ali onde não há ideal, o bebê como objeto tampão, a exclusão da vida, da escola e do saber, todas essas saídas são efeitos desse impasse dos falasseres encontrarem o como fazer sem o suporte de modelos que os orientem e, sobretudo, sem um lugar para a sua palavra.

Em nosso mundo, o falo se tornou um instrumento particular que serve simplesmente para marcar o fracasso, o ratear da relação. A única possibilidade é a de que as relações se façam pela fala e pela linguagem. Essa é a chance e a aposta da psicanálise.

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